A nuvem de gafanhotos que avançou pela Argentina e passou perto do Sul do Brasil, ameaçando a agricultura da região, tornou-se uma notícia preocupante nos últimos dias. Já faz algum tempo, que os ataques de várias espécies de gafanhotos em diversas culturas e pastagens dão sinais do potencial destrutivo desses insetos em algumas regiões do Brasil, como relata a pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), Madelaine Venzon.
“Em 2017 fui contatada sobre o problema do ataque de ortópteros em pastagens de uma propriedade em Morada Nova de Minas. Posteriormente, houve demanda de produtores de banana no Norte de Minas, relatando os danos nas cascas dos frutos, o que inviabiliza a comercialização e consumo in natura”, explica. A partir desses fatos foi elaborada uma proposta de trabalho, seguida do projeto.
Um dos objetivos do projeto é o controle biológico de gafanhotos-praga com o fungo Metarhizium acridum Driver & Milner (Hypocreales: Clavicipitaceae). Em testes de campo, o fungo se mostrou eficiente no controle de uma espécie de gafanhoto no Mato Grosso. O isolado CG423 de M. acridum foi cedido pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, parceira do projeto.
A maioria dos gafanhotos são de hábito solitário, mas quando ocorrem alterações ligadas a fatores climáticos e de aumento da densidade populacional, os insetos sofrem mudanças fisiológicas e comportamentais e formam bandos, que podem migrar ou não, dependendo da espécie. Apesar da importância econômica dos gafanhotos em Minas Gerais e de serem pragas emergentes, não existem informações atualizadas e detalhadas sobre as espécies encontradas, seu comportamento, danos nas culturas e suscetibilidade à cepa de fungo já isolada.
A equipe do projeto, coordenado pela pesquisadora Madelaine, é formada pelo professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Simon Luke Elliot, que possui experiência em controle microbiano de gafanhotos na África, pelos pesquisadores Camila Costa Moreira (São Paulo Advanced Research Center for Biological Control – SPARCBio), Wânia dos Santos Neves (EPAMIG Sudeste), Rogério Biaggioni Lopes (Embrapa) e pelo estudante Álvaro Henrique Costa, do programa de pós-graduação em entomologia da UFV.
Com resultados de algumas etapas do projeto, foi identificada em fazendas comerciais de banana nos municípios de Nova Porteirinha, Capitão Enéas, Francisco Sá, Jaíba e Verdelândia, a espécie Schistocerca flavofasciata De Geer (Orthoptera: Acrididae), causando danos nos frutos, que foram, devidamente, caracterizados e mensurados. Nesta etapa do trabalho houve colaboração dos pesquisadores da EPAMIG Norte, Antônio Cláudio Ferreira da Costa e Maria Geralda Vilela Rodrigues. O projeto contou também com apoio do laboratório de entomologia da Unimontes.
A suscetibilidade dos gafanhotos identificados ao isolado CG423 do fungo M. acridum está sendo avaliada em experimentos de laboratório e os resultados são promissores. “O desenvolvimento de um produto à base de M. acridum envolve diversas vantagens sociais e ambientais em comparação ao controle químico, principalmente no que tange à saúde humana, riscos de contaminação do meio ambiente e ação negativa sobre organismos não-alvo, além dos benefícios econômicos gerados pelo menor custo como método de controle”, avalia Madelaine.
Segundo a pesquisadora, existe ainda a possibilidade da criação de um banco de isolados do fungo na EPAMIG, com o envolvimento da empresa em controle microbiano de pragas, estratégia de controle biológico que mais cresce no país. “Representa também a possibilidade de futuras parcerias com outras empresas para a produção massal do fungo e o registro de um produto biológico para o controle de gafanhotos no Brasil” completa.
O trabalho realizado até o momento fez parte da dissertação do estudante Álvaro Costa, orientada pela pesquisadora Madelaine.
Sobre a nuvem de gafanhotos que se aproxima do país, o governo brasileiro informou que disponibilizará aviões agrícolas para auxiliar no combate, caso haja invasão no país. Além disso, liberou, se necessário, o uso emergencial de agrotóxicos e de produtos biológicos, não registrados, já que não existem produtos comerciais inscritos no Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o controle microbiano de gafanhotos no país.