Uma nova cultivar de cenoura pode aumentar a produtividade e facilitar o cultivo da raiz em sistemas orgânicos de produção. Resultado de pesquisa da Embrapa, a cenoura BRS Paranoá é a primeira cultivar do mercado nacional desenvolvida e validada exclusivamente para a produção orgânica. Ela é recomendada para plantio no período do verão, época de entressafra das cultivares convencionais, o que abre uma janela valiosa de mercado.
“A BRS Paranoá é uma cultivar de polinização aberta que possui duas características fundamentais para a produção orgânica: a alta resistência à queima-das-folhas, principal doença da cultura, e o padrão de qualidade de raiz, com coloração laranja intensa, aspecto liso e formato bem cilíndrico”, descreve o pesquisador Agnaldo Carvalho, da área de Melhoramento Genético da Embrapa Hortaliças (DF).
Segundo ele, as raízes da nova cultivar atendem também ao padrão comercial exigido pelo mercado consumidor: elas têm de 16 cm a 20 cm de comprimento e por volta de três centímetros de diâmetro. “Ou seja, não cabe mais o comentário sobre cenouras orgânicas serem pequenininhas. A BRS Paranoá tem uma raiz graúda e com ótima aparência visual”, certifica.
O cientista informa que o mercado consumidor de cenoura orgânica, embora seja um nicho, tem uma parcela cativa e crescente, com capacidade de expansão estimada em 20% ao ano. “O mercado orgânico é bem diversificado. Geralmente, os produtores cultivam inúmeras espécies de hortaliças para ofertar um mix aos consumidores e, sem dúvida, a cenoura é um item obrigatório nessa cesta”, pondera o agrônomo Francisco Vilela, pesquisador da área de Fitotecnia e Agricultura Orgânica da Embrapa Hortaliças.
Embora a produção nacional da hortaliça seja majoritariamente de cenouras híbridas cultivadas sob pivô no sistema convencional, os pesquisadores notam um interesse crescente da sociedade por alimentos seguros que não tenham risco de contaminação por produtos químicos não registrados para a cultura. A produção de cenoura no sistema orgânico garante agregação de valor e, especialmente, maior competitividade para pequenos produtores, ainda mais por ser viável no verão, época que possui condições mais adversas para o plantio da raiz.
Resistência = zero agroquímicos
No que se refere às doenças foliares – que estão entre os fatores mais limitantes para o cultivo de cenoura no Brasil, a cultivar BRS Paranoá destaca-se pela alta resistência ao complexo de bactérias e fungos causadores da queima-das-folhas, minimizando a necessidade de medidas de controle da doença na agricultura orgânica.
Mesmo diante de temperatura elevada e excesso de chuvas, condições típicas do verão, as raízes atingem o tamanho comercial desejável no momento da colheita, sem destruição da área foliar. “É importante salientar que, no mercado orgânico, a venda de raízes junto com as folhas ocorre com frequência. Portanto, a preservação da parte aérea livre de queima-das-folhas é fundamental para esse mercado”, destaca Vilela.
As resistências incorporadas em sua genética são um aspecto muito positivo, principalmente porque em sistemas orgânicos não é permitido o uso de pesticidas sintéticos. “Mesmo nas condições mais desfavoráveis, o desfolhamento da cenoura BRS Paranoá é inferior a 10%, enquanto outras variedades comerciais próprias para o período do verão podem atingir um índice de desfolha de até 40%”, quantifica Carvalho. O impacto da desfolha nas lavouras de cenoura é grande porque há diminuição da área fotossintética que, por fim, reduz a fonte de nutrientes da raiz.
Quando comparada aos híbridos de cenoura, o desempenho da nova cultivar surpreende, porque ela não precisa do mesmo aporte de insumos para atingir resultados semelhantes. De acordo com o pesquisador, a resposta dos híbridos costuma ser positiva em cultivos intensivos sem restrição no uso de insumos, isto é, quando há grandes aportes de adubos químicos e de agroquímicos para controlar as doenças foliares.
Já a BRS Paranoá atinge os mesmos patamares de produtividade e suporta a queima-das-folhas sem a necessidade de utilizar qualquer defensivo agrícola. “Ela alcança o período da colheita aos 90 dias após a semeadura, com desfolhação mínima e zero fungicida, diferentemente dos híbridos convencionais, cuja produção só é possível com a utilização de pesticidas”, compara Carvalho. Ele acrescenta que o setor produtivo vivencia um momento interessante para a rastreabilidade de produtos agrícolas, o que deve ser um impulso importante para toda a cadeia produtiva buscar a redução de agroquímicos e a adoção de cultivares que apresentem bons resultados em sistemas mais sustentáveis.
A nova cultivar também apresenta tolerância aos nematoides-das-galhas do gênero Meloidogyne, outro grave problema para a produção de cenoura, já que são microrganismos que habitam o solo e, por isso, prejudicam especialmente o aspecto da raiz, que é a parte comercializável da cenoura. Como a queima-das-folhas, a pressão dos nematoides é maior em períodos quentes e chuvosos, justamente quando os produtores obtêm os melhores preços no mercado.
Assim, como a BRS Paranoá é uma cenoura tropical, com plantio recomendado entre os meses de outubro e março, ela garante ao agricultor boa produtividade para aproveitar os elevados preços pagos nessa época do ano. Em resumo: é mais difícil produzir cenoura no verão, mas a margem de lucro dos produtores é melhor.
Elevada produtividade em resposta à adubação orgânica
De acordo com os pesquisadores, um sistema orgânico bem dimensionado pode superar o convencional em produtividade e qualidade ano após ano. Em ensaios de competição de cultivares, por exemplo, a BRS Paranoá teve rendimento médio superior às cultivares disponíveis no mercado: no sistema orgânico ultrapassou 31 t/ha.
A produtividade é reflexo, entre outros fatores, de uma adubação adequada. Como toda hortaliça, a cenoura é muito exigente em adubação, e ela tem uma resposta muito boa à adubação orgânica. Para o agrônomo Francisco Vilela, a adubação orgânica, além do papel na nutrição das plantas, tem grande influência sobre os aspectos físicos do solo.
A raiz de cenoura cresce abaixo do nível do solo, então, a qualidade das raízes está diretamente associada à qualidade física do solo. “Solos orgânicos são ricos em matéria orgânica, que é condicionadora da qualidade física. Assim, solos com elevado teor de matéria orgânica são solos mais leves, que facilitam o crescimento e a aparência das raízes”, explica Vilela. Ele ainda faz um comparativo: “A qualidade da cenoura pode ser afetada em solos mal preparados porque torrões e compactação deixam as raízes tortuosas, bifurcadas e desuniformes”.
Recomendada para todas as regiões produtoras
A validação da cenoura BRS Paranoá ocorreu ao longo de vários anos, entre 2010 e 2016, em diferentes regiões produtoras do País, em especial nos estados de Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina e no Distrito Federal.
Os testes abrangeram sistemas orgânicos tradicionais, propriedades em fase de transição agroecológica e sistemas de corredores agroecológicos, nos quais foram obtidas produtividades superiores àquelas alcançadas pelas cultivares de cenoura geralmente plantadas no sistema orgânico. “Podemos dizer que a recomendação da cultivar BRS Paranoá também se estende para outros sistemas de base agroecológica, como permacultura, agricultura natural e agricultura biodinâmica”, acrescenta o pesquisador de Fitotecnia.
Quando comparada às outras variedades do mercado, a BRS Paranoá destacou-se também em adaptabilidade e estabilidade, sendo possível seu plantio em todas as regiões produtoras de cenoura do País. A adaptabilidade refere-se, por exemplo, à capacidade que o material tem de se beneficiar com os estímulos do ambiente. Já a estabilidade diz respeito ao comportamento previsível da variedade frente a mudanças ambientais.
Logo, os pesquisadores consideram a nova cultivar uma boa alternativa para agricultores que adotam o sistema orgânico de produção ou mesmo para produtores que buscam sistemas de cultivos mais sustentáveis. “O caminho está aberto para a cenoura BRS Paranoá, seja no sistema orgânico, em segmentos que não endossam o uso de híbridos, ou para pequenos agricultores convencionais, que têm interesse em materiais OP pelo valor mais acessível das sementes”, pontua Vilela.