Por Paula Costa* e Valter Ziantoni** – A agricultura regenerativa, distribuída, multi-strata e com lógica permacultural na construção de uma agrofloresta sistematizada e economicamente viável vai ao encontro das novas cadeias de produção e consumo que já estão surgindo no mundo (quase) pós-Covid-19.
Nas agroflorestas, assim como ocorre nas florestas, são promovidos distúrbios como a abertura de clareiras pela derrubada de árvores para começar a sucessão, momento de melhoria, de evolução e renascimento. Para nós, a pandemia é um distúrbio, sim, mas também uma oportunidade para reconstruirmos nossas bases e reinventarmos a nossa relação com o planeta.
De forma global, os principais prognósticos preveem que o número de pessoas com vulnerabilidade alimentar dobrará. Haverá um “empobrecimento” geral da população, aumento do desemprego, redução geral do consumo médio no mundo e o fortalecimento de oligopólios. Tudo isso em um momento no qual as consequências das mudanças climáticas só se intensificam.
Mas, ao mesmo tempo, existe uma maior “consciência” ambiental se consolidando. Sustentabilidade, de agora em diante, estará sempre ligada à pandemia ocorrida (e a outras que virão).
Essa consciência traz e trará mudanças significativas nos hábitos alimentares, principalmente pela contração do poder aquisitivo para compra de produtos super primes e o consequente aumento do consumo de produtos básicos e de qualidade real, como legumes, frutas e verduras. É importante ressaltar que, após a disseminação do coronavírus houve um aumento entre 20 e 30% nas vendas de hortaliças e frutas, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), mesmo com o abastecimento normal.
Governos do futuro
É esperada uma maior intervenção estatal, inclusive com restrições à exportação, seja por protecionismo ou pelo controle dos preços evitando especulações, mas, mesmo assim, haverá benefícios para importar insumos agrícolas para produção interna. Já blocos como a União Europeia buscarão minimizar esses efeitos por países isolados, preocupando-se mais com a autonomia alimentar e buscando desenvolver mecanismos para respostas mais rápidas a crises. Finalmente perceberão o quão crucial são os investimentos em pesquisa, cooperativismo, logística e em marketplaces inteligentes.
Economias como os Emirados Árabes e outras baseadas no petróleo e dependentes de importação de alimentos deverão diversificar seus investimentos e reservas, além de buscar soluções de logística. Já mercados mais efêmeros que caíram seguirão perdendo força, e essa situação em países importadores poderá levar a uma alta global no preço dos alimentos. Por isso, ações de cooperação internacional e acordos de livre-comércio serão cruciais para garantir a soberania alimentar, reduzindo práticas protecionistas e coconstruindo mecanismos conservacionistas mais inteligentes.
Mudança no consumo
Apesar da alta da carne, haverá redução do consumo de proteína animal por países mais pobres, principalmente no continente africano. Na Índia, por exemplo, que havia aumentado seu consumo de carne em aproximadamente 20%, haverá retração porque a associação da carne com zoonoses ganhará ênfase e aumentarão as exigências, a rastreabilidade e a preocupação com a origem dos alimentos. Tudo isso dará mais espaço para que carne-tech e outras proteínas alternativas tenham maiores oportunidades de mercado.
O próprio protecionismo da produção local e a lógica da sustentabilidade, associadas à crise, trarão uma imagem mais positiva dos produtores rurais, oferecendo oportunidades para agregação de valor nos produtos de outgrowers agroflorestais.
O café é uma das maiores promessas agroflorestais do Brasil (pois continua sendo produzido à pleno-sol), e se prevê, que o preço do café aumentará em função da demanda por mão de obra, o que não só abre oportunidades para chás e outros “substitutos” (busca de sabores locais), como também corrobora a lógica agroflorestal da PRETATERR de “produtos via do meio”, ou seja, a migração da gourmetização para uma valorização e apreciação dos alimentos intrínsecos, com melhoria de qualidade, e encontro do preço gourmet com o preço acessível (alimentos não prime, mas com valor agregado por qualidade, sabor e densidade nutricional). Menos gourmet e mais real, usando a alavanca da inovação em ferramentas de Marketing e comercialização online e formas inovadoras de entrega e logística, como Km Zero, Entrega Carbono Neutro, inovação em pacotes CSA, embalagem mínima, entre outros.
Como oportunidades e expectativas, vale olharmos para o fato de que a redução de empregos bem como os outros fatores citados causarão uma possível migração para o campo, gerando a valorização da produção local e maior demanda por produtos agrícolas, indo ao encontro da lógica dos neo-rurais. Haverá mais busca por maior tempo de prateleira (processados terão maior preferência talvez), fortalecendo a possibilidade de utilização de formas naturais e métodos ancestrais de armazenamento. Com isso haverá uma diferenciação e valorização dos produtos agroflorestais pós-colheita, viabilizando também sistemas de produção em pequena e média escala.
Pensando sob a ótica da agrofloresta, parece que o planeta está vivendo um momento que precisava ser vivido, em que vemos que é preciso fazer as coisas de forma diferente. Esses aprendizados só vêm a partir de grandes choques que, num primeiro momento podem ser considerados ruins, mas é preciso encontrar o seu viés positivo e fazê-lo prosperar, cada crise é uma oportunidade e, com positivismo, podemos acelear o futuro desejavel da agrofloresta.
(*) Paula Costa é engenheira florestal com especialização em Gerenciamento Ambiental pela ESALQ – USP e Bióloga pela UNESP, premiada em 2016 pela Sociedade Brasileira de Silvicultura.
(**) Valter Ziantoni é engenheiro florestal com especialização em Gerenciamento pela FGV e mestre em Agrofloresta pela Bangor University.