Mulher, ciência e agronegócio combinam e formam uma equação perfeita que resulta em mais produtividade, lucratividade e sustentabilidade. Neste Dia Internacional da Mulher, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), mostra algumas conquistas lideradas pelas servidoras da APTA e o papel fundamental das mulheres para o desenvolvimento econômico do Estado e de todo o País. A APTA conta, atualmente, com 1.423 servidores, sendo que 48% deste total é composto por mulheres. Entre os cientistas, elas ocupam 53% dos cargos.
Exemplo claro dessa força e liderança está nas pesquisadoras do Instituto Agronômico (IAC-APTA), Mariângela Cristofani-Yaly e Marinês Bastianel, que foram responsáveis pelo desenvolvimento da primeira tangerina 100% obtida no Brasil, a “IAC 2019Maria”, que também é o primeiro material de citros do Instituto protegido no Sistema Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Os trabalhos de melhoramento genético convencional da cultivar se iniciaram em 1997 e incluíram diversos pesquisadores. Mariângela e Marinês, porém, foram as responsáveis pela seleção da “IAC 2019Maria”, que deve estar no mercado em dois anos, aproximadamente.
“A grande vantagem da “IAC 2019Maria” é a sua resistência à mancha marrom de alternaria, uma doença de difícil controle e que já acarretou a diminuição do plantio de tangerina em São Paulo. Além disso, este material tem característica de fruto excepcional e o consumidor o aprova”, explica Marinês, agrônoma formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que possui mestrado pela mesma instituição e doutorado pela Unicamp.
O manejo da mancha marrom de alternaria requer várias aplicações de fungicidas, em áreas com a presença do fungo. A resistência da “IAC 2019Maria” resulta em diminuição dos custos de produção e mais sustentabilidade para a atividade. “Esta doença afeta as principais variedades de tangerina comercializadas no Brasil — a Ponkan e a Murcott. Há registros de produtores que fazem, por ano, até 25 aplicações de fungicidas”, afirma Mariângela, engenheira agrônoma formada pela Esalq/USP, com mestrado e doutorado pela mesma Universidade.
A pesquisadora do Polo Regional de Piracicaba da APTA, Edna Bertoncini, também vê os frutos de seu trabalho sendo colhidos em diversos cantos do Estado. Ela é a líder do projeto Oliva SP da APTA que visa fomentar a produção oliveiras em São Paulo e incentivar o consumo de azeites de oliva extravirgem de alta qualidade. Iniciado em 2009, o projeto conta com 24 pesquisadores de sete instituições científicas. Atualmente, São Paulo possui 73 produtores de oliveira, muitos deles orientados diretamente pelo Oliva SP. Os conhecimentos e tecnologias geradas na olivicultura paulista pelos pesquisadores do Grupo têm sido utilizados em outros estados produtores de oliveiras brasileiros. A área cultivada com oliveiras em São Paulo está em torno de 600 hectares, em 28 municípios. O Estado conta também com oito plantas extratoras de azeite, com capacidade para extração de 3.670 quilos por hora.
Formada em engenharia agronômica na Esalq/USP, com mestrado e doutorado pela mesma instituição na área de solos e nutrição plantas e doutorado sanduiche no Dipartimento di Biologia e Chimica Agro-florestale ed Ambientale, da Universidade de Bari, na Itália, e pós-doutorado pela Unicamp, Edna Bertoncini conta que sua motivação é a paixão pelo trabalho e o desafio de atender diariamente as cadeias produtivas com as quais trabalha, que são a olivicultura e o uso sustentável de resíduos agroindustriais e urbanos em solos agrícolas. “Todos os dias acordo e tenho cinco, seis solicitações de produtores no celular para responder. Isso me motiva a buscar explicações e soluções por meio da pesquisa para atender essas demandas, e a pesquisar mais, aprender mais. A necessidade de manter o grupo de pesquisa e os alunos que trabalham nos projetos sempre atualizados e atuantes também são impulsos para manter acesa a ânsia por conhecimentos mais aprofundados e soluções adequadas”, afirma.
Outro exemplo de pesquisa são os trabalhos com truta desenvolvidos pelo Instituto de Pesca (IP-APTA) e liderados pela pesquisadora Yara Aiko Tabata, que é responsável pela unidade de pesquisa de Campos do Jordão desde 2002. Em conjunto com seu marido, Marcos Guilherme Rigolino, Yara desenvolveu diversas tecnologias para a truticultura brasileira, como a que possibilita a produção de lotes de truta apenas com fêmeas, viabilizando o aumento da produtividade em até 20%. Outro exemplo é a triploidização, tecnologia que associada ao processo de salmonização melhora a qualidade e agrega maior valor ao produto.
Anualmente, cerca de dois milhões de ovos embrionados de truta são produzidos pelo IP e disponibilizados a todas as regiões produtoras do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina. O Instituto atende 10% da demanda nacional por ovos embrionados. “Não temos a intenção de atender plenamente à demanda nacional. Queremos fomentar e estimular os truticultores a produzirem os ovos necessários às suas atividades. Nosso papel é gerar ferramentas tecnológicas, sobretudo, aquelas capazes de contribuir para a superação de gargalos do setor e, assim, amparar os produtores na tarefa de encontrar alternativas para gerar renda”, afirma. Yara é médica-veterinária pela UNESP Jaboticabal e possui especialização pela Japan International Cooperation Agency em Kanagawa Center, Japão, e pela Food Agricultural Organization, em Cohiaique, Chile. Tem mestrado em Reprodução Animal pela USP e doutorado em Ciências Biológicas pela Unesp de Botucatu.
O protagonismo brasileiro na produção de proteína animal também possui presença feminina. Flávia Fernanda Simili, pesquisadora do Instituto de Zootecnia (IZ-APTA), é uma das diversas mulheres que atuam no Instituto e que contribuem no desenvolvimento de novas tecnologias e sua difusão para o produtor rural. Formada em zootecnia pela Unesp, com mestrado e doutorado na mesma instituição, Flávia desenvolve há cinco anos projetos de pesquisa na área de Sistemas Integrados de produção Agropecuária, com foco em integração entre Lavoura e Pecuária, sistema que garante sustentabilidade da propriedade, aumento de renda e melhor bem-estar animal. “Esta é uma área muito nova. Percebemos que o produtor está interessado, mas que tem um grande desafio pela frente, já que esses sistemas são complexos e o produtor precisa de conhecimentos ligados à agricultura e pecuária”, afirma.
Levar esse conhecimento para o campo é uma das tarefas de Flávia, que participa de diversas palestras e dias de campo, lidando diretamente com os produtores rurais. “O produtor está cada vez mais acostumado a ver mulheres atuando no agronegócio. Gosto de observar os quadros com fotos dos gestores das fazendas e das próprias instituições. Muitos homens lideravam esses ambientes, mas a mulher vem ocupando cada vez mais esses espaços”, conta.
Mulheres conquistam espaço, mas ainda é preciso lutar pela equidade
As mulheres têm cada vez mais conquistado espaço no setor dos agronegócios e na ciência. Se antes eram minoria em cursos como engenharia agronômica e medicina veterinária, por exemplo, hoje conquistam cada vez mais lugar nos bancos universitários e no mercado de trabalho. “Quando eu fiz agronomia, o curso tinha 180 homens e 17 mulheres. Acredito que hoje esta proporção está mais equilibrada”, afirma Mariângela.
Yara conta que quando cursou a disciplina de reprodução de grandes animais na universidade se apaixonou pelo oficio e decidiu atuar nesta área, o que não era nada fácil, já que naquela época havia preconceito com mulheres trabalhando no campo. “O mais comum era homens exercerem essa função, enquanto nós íamos para os laboratórios. Atualmente, a situação é bem diferente e as mulheres são em maior número na maioria dos cursos de Medicina Veterinária”, afirma.
Marinês também relata que sua sala na graduação tinham apenas três mulheres. Com atuação no campo, diz que não sente preconceito e que possui respeito dos produtores rurais que atende e interage. O mesmo é relatado por Edna, que acrescenta que, apesar de se sentir respeitada, a mulher precisa, primeiro, provar várias vezes sua competência no setor para depois ser ouvida.
“Mas, isso ocorre ainda em todas as áreas de atuação, não apenas no agronegócio. Somos testadas e confrontadas diariamente não apenas pelo público masculino, mas igualmente pelo público feminino. A partir do momento que provamos nossa competência, ocorre o reconhecimento. Às vezes são necessários anos para que isso ocorra e os projetos e trabalhos comecem a fluir. Esse processo é continuo, pois continuamente estamos atendendo e abrangendo novos públicos”, afirma.
Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Esalq-USP) mostram que de 2004 a 2015 o total de mulheres trabalhando no agro aumentou 8,3% e a participação da mulher no mercado de trabalho do agronegócio cresceu consistentemente no período, passando de 24,1% para 28%. Na ciência, indicadores do Instituto de Estatística da UNESCO, mostram que 28% dos pesquisadores no mundo são mulheres, que continuam sub-representadas nos campos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática. No campo científico, segundo a organização, elas também estão sub-representadas nas decisões políticas tomadas no mais alto nível da pesquisa.
Três Institutos da APTA são dirigidos por mulheres
No caso da APTA, as mulheres têm ocupado cargos de liderança dentro dos seis Institutos de Pesquisa da Agência, formada pelo IAC, Instituto Biológico (IB-APTA), Instituto de Economia Agrícola (IEA-APTA), IP, Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL-APTA), Instituto de Zootecnia (IZ-APTA), além da APTA Regional. Dentre os seis Institutos, três são liderados por mulheres. Elas também estão na assessoria técnica e na direção de diversos centros e Polos de pesquisa. No ITAL, por exemplo, todos os seis centros técnicos são dirigidos por mulheres.
Eloísa Garcia, pesquisadora do ITAL há mais de 35 anos, encara com grande satisfação o desafio de ser a primeira mulher a estar no posto de diretora-geral do Instituto, cargo que ocupa desde 2019. “A presença feminina é muito forte na pesquisa porque há mentes mais abertas, pessoas com visão mais inovadora: as mulheres têm mais facilidade de se desenvolverem e subirem na carreira”, afirma.
A bióloga e pesquisadora do IB, Ana Eugênia de Carvalho Campos, vê como positiva e importante a participação cada vez maior das mulheres em profissões estratégicas, como a pesquisa científica e na ocupação de cargos de liderança. Com experiência na assessoria técnica da direção do IB por 12 anos, na diretoria do Núcleo de Inovação Tecnológica do Instituto desde 2016, e na direção do IB desde 2019, Ana Eugênia consegue perceber na prática como as mulheres podem contribuir para o avanço do conhecimento e também na gestão das instituições científicas. “Dizem que as mulheres possuem a capacidade de fazer diversas coisas ao mesmo tempo. Que estamos sempre atentas, que somos curiosas e que conseguimos tomar decisões com rapidez. Todas essas características são importantíssimas para um gestor e para um cientista”, diz.
A visão é compartilhada por Priscilla Rocha Silva Fagundes, diretora do Instituto de Economia Agrícola (IEA). “Sou formada em engenharia agronômica e venho de uma turma que tinha poucas mulheres. O campo sempre foi visto como um ambiente masculino, apesar de a mulher sempre ter uma participação importante dentro das propriedades rurais. Estamos, porém, ocupando cada vez mais lugar no setor dos agronegócios e na pesquisa científica. Temos contribuído muito para aproximar o rural do urbano e mostrar a força do setor dos agronegócios”, afirma.