Um estudo da Embrapa subsidiou uma inovação recente na comercialização de ovinos no estado de Mato Grosso do Sul. Trata-se de um modelo denominado Propriedade de Descanso de Ovinos para Abate (PDOA), que recebe animais de diversas propriedades do estado e se responsabiliza pelo seu embarque para frigoríficos. Graças a esse novo sistema, em 2019, foi movimentada a maior quantidade de animais dos últimos cinco anos: 1.510 cordeiros. Nos anos anteriores, essa quantidade variou entre 1.100 e 1.460 animais.
A iniciativa é decorrente de articulações entre os setores público e privado e nasceu com o propósito de solucionar um dos maiores entraves à ovinocultura na região: a estrutura para comercialização dos animais. Mesmo sendo o detentor do nono maior rebanho de ovinos do País, com quase oito mil propriedades, o Mato Grosso do Sul ainda conta com poucos estabelecimentos rurais com capacidade de produzir em larga escala para atender ao mercado consumidor.
Produtores aprovam a inovação
A PDOA funciona desde 2013 na Fazenda Nossa Senhora Auxiliadora, em Campo Grande (MS), sob a coordenação da médica veterinária Ana Cristina Andrade Bezerra, e tem contribuído para superar gargalos de produção, com ganhos reais para criadores e compradores de ovinos. “O maior benefício para o produtor é a facilidade de comercializar com compradores de grandes lotes um número menor de cabeças, já que vários se reúnem para atender a um pedido maior. Os compradores também são beneficiados, especialmente com a redução nos custos de frete,” destaca Sônia Beretta, produtora de Sidrolândia (MS), que ingressou na atividade da ovinocultura em 2011.
O também produtor Cláudio Beretta ressalta que quando um veículo de frigorífico percorre propriedades costuma reunir uma carga de, no mínimo, 80 cabeças. “É difícil para um pequeno criador ter uma quantidade dessas para vender de uma só vez. Ele tem que passar por diversas propriedades, o que pode encarecer o frete e dificultar o trabalho. Com a criação da PDOA, o comprador tem acesso a uma carga grande de uma só vez porque os animais estão reunidos. Isso é a maior vantagem: viabilizar a ovinocultura para propriedades de todo tamanho”, ressalta.
Na PDOA, os produtores rurais podem encaminhar seus animais, mesmo em quantidades menores, para que lá componham lotes de maior quantidade, o que é vantajoso para compradores. A negociação se dá pelo volume total de ovinos embarcados, fazendo com que cada criador receba, individualmente por seus animais, o mesmo preço dos demais participantes.
Para Fernando Reis, pesquisador do Núcleo Centro-Oeste da Embrapa Caprinos e Ovinos, que fica sediado na Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande (MS), esse modelo pode superar obstáculos como a pulverização dos rebanhos no estado, que dificulta a formação de lotes para transporte ao frigorífico, o que costuma impulsionar um abate informal, muitas vezes sem controle sanitário, ou a venda direta para intermediários, que nem sempre é vantajosa economicamente para o produtor rural.
“Pode-se destacar que a PDOA se tornou uma ferramenta que tem possibilitado não somente a viabilização comercial dos animais criados por pequenos produtores, como tem conscientizado para melhoria da produção, padronização e oferta de acordo com as exigências do mercado. Ela também permite uma negociação mais justa, mesmo daqueles que não possuem muitos animais para venda direta”, frisa o pesquisador.
Qualidade do produto e bem-estar animal
Além de facilitar a comercialização em escala maior e mais profissionalizada, o modelo da PDOA também apresenta, segundo os produtores rurais participantes, benefícios para a qualidade do produto final e para o bem-estar animal. Um desses benefícios é a melhor padronização dos lotes de animais a serem entregues aos frigoríficos.
“Ainda é difícil produzir ovinos de maneira uniforme em termos de precocidade, ganho de peso e no acabamento. Mas essa união de produtores ameniza essa dificuldade e faz com que possamos entregar lotes cada vez mais uniformes e padronizados. Com isso ganha o produtor, a indústria e o consumidor”, avalia a produtora rural Sônia Beretta.
O médico veterinário e ovinocultor Osvaldo Rodrigues, de Campo Grande (MS), que costuma encaminhar animais três vezes por ano para comercialização via PDOA, também vê vantagens para o bem-estar dos animais. “Se o veículo passa maior tempo para reunir um lote de animais, existe o risco daqueles já embarcados de sofrerem com sede ou fome. Temos compradores até mesmo de estados vizinhos, como São Paulo, e essa formação de lotes facilita”, afirma.
O modelo da PDOA também pode ser positivo por concentrar a inspeção sanitária em um só local, favorecendo a rastreabilidade dos produtos comercializados. No dia programado para o embarque é obrigatória a presença de um fiscal estadual agropecuário para avaliar condições sanitárias de acordo com as normativas de defesa agropecuária locais.
Articulação para política pública
Para implantação da PDOA em Campo Grande, foi necessário um trabalho de articulação entre diversas instituições ligadas ao setor produtivo. “A Embrapa teve influência decisiva pelos trabalhos de prospecção e levantamento de dados da ovinocultura no Mato Grosso do Sul. Pesquisas aplicadas junto aos produtores identificaram como principal demanda a comercialização e a lacuna relativa à escala de produção. Isso pautou a Câmara Setorial estadual para que a comercialização fosse destacada como prioridade”, explica o pesquisador Fernando Reis.
Esta articulação envolveu Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Governo do Estado do Mato Grosso do Sul, Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Associação Sul-Mato-Grossense dos Criadores de Ovinos (Asmaco) e a Câmara Setorial Consultiva da Ovinocaprinocultura de Mato Grosso do Sul.
Com o modelo criado, é possível ter funcionalidades, como a emissão conjunta de Guia de Trânsito Animal (GTA) e Nota Fiscal, de modo a formalizar a comercialização de cordeiros em escala, para posterior destinação ao abate em frigoríficos inspecionados. “Esse modelo fomentou o abate e o comércio, pois existia uma dificuldade muito grande na comercialização de ovinos. A cadeia já se estruturou melhor e os produtores conseguem negociar valores com os frigoríficos, além de suprir também restaurantes e comércios locais”, destaca a médica veterinária Suzana Ortega, coordenadora do programa de caprinos e ovinos da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro).
Bons resultados estimulam a ampliação do modelo
Segundo Suzana, é possível que o modelo seja replicado em outras propriedades semelhantes no Mato Grosso do Sul e em outros estados brasileiros, desde que cumpram requisitos sanitários básicos. Entre eles, uma estrutura adequada para embarque e desembarque dos animais, divisões para separação de lotes, uma área de sequestro para animais com problemas sanitários e um manejo adequado de resíduos dos animais.
A ideia de ampliação do modelo é compartilhada pelo pesquisador Fernando Reis, que acredita no interesse em favorecer não somente a venda formal, mas também uma produção que atenda às condições sanitárias e a rastreabilidade do produto. “Isso deverá ocorrer, principalmente como iniciativa dos órgãos de Defesa Sanitária Animal nos estados. Geralmente, os rebanhos de ovinos e caprinos são pouco monitorados e já vem de longa data o desejo do Ministério em implantar o Programa Nacional de Sanidade dos Caprinos e Ovinos”, acrescenta.
Outro aspecto favorável destacado pelo pesquisador é que a PDOA, inicialmente criada para atender a questões externas à propriedade rural, também tem possibilitado um trabalho de melhoria na criação “dentro da porteira” e a conscientização por adoção e uso de tecnologias. Um exemplo disso é a cooperação técnica firmada por convênio entre a Embrapa e a Asmaco, em 2017, para implantação de unidades tecnológicas de referência e transferência de tecnologias para produção.
Ovinos em Mato Grosso do Sul
Segundo o Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Mato Grosso do Sul conta com 7.783 estabelecimentos agropecuários com criação de ovinos para um rebanho de 271.326 cabeças, o que resulta, em média, 35 animais por fazenda.