Duas propriedades do município de Sarapuí, na região de Itapetininga (SP), acabam de receber a certificação de leite orgânico de búfalas. Elas são vinculadas à Cooperativa dos Produtores de Leite de Sarapuí (Colaf) e passaram por um rigoroso processo de acompanhamento técnico, documental e de inspeção. A certificação é a segunda do Estado de São Paulo e a terceira do Brasil – as outras propriedades certificadas ficam em Joanópolis (SP) e Valença (RJ).
A zootecnista Ana Paula Roque, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, fez o acompanhamento técnico do processo. Em 2019, ela foi uma das participantes do 2º Curso de Pecuária Leiteira Orgânica, oferecido pela Embrapa Pecuária Sudeste e fazenda Nata da Serra em São Carlos e Serra Negra.
Ana Paula conta que tudo começou em outubro de 2017, quando um laticínio de Valença (RJ) propôs a produtores da região pagar a mais pelo leite orgânico e apoiar o processo de conversão.
Segundo ela, 15 produtores participaram dessa primeira reunião. Desses, cinco se interessaram em iniciar o processo. “O laticínio se comprometeu a pagar o consultor para planejar o manejo e a visita da certificadora no primeiro ano”, lembra. Ao longo da transição Ana Paula foi chamada para acompanhar. Ela atua na CDRS (Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável) em Itapetininga.
“Em 2018 eles evoluíram pouco e me procuraram. Eu também não conhecia bem o assunto e foi essencial fazer o curso da Embrapa. A troca de experiências com produtores e outros técnicos ajudou muito. Em todos os módulos eu levava a lista de dúvidas”, conta. O curso de 2019 teve seis módulos, começou em abril e terminou em outubro. Neste ano, a Embrapa Pecuária Sudeste e a Nata da Serra vão promover a 3ª edição.
Em dezembro de 2018, Ana Paula levou os produtores à fazenda Recanto SS, do produtor Claudine Saldanha Júnior, em Itirapina. Durante o curso, em 2019, também foram feitas visitas à propriedade. “O Saldanha ajudou demais, mesmo antes dos módulos. Esclareceu processos, explicou o que era permitido ou não. Eu e os produtores aprendemos juntos”, disse ela.
As propriedades certificadas são o Sítio São José, do produtor Adriano José Nunes de Almeida, e Sítio Nossa Senhora Aparecida, de Antônio Bento da Silva. Cada uma possui cerca de 60 hectares e em torno de 90 búfalas em lactação. Durante a conversão, o laticínio já se propôs a pagar 30% a mais pelo leite. Com a certificação, esse bônus passa para 50%.
Não é fácil chegar à certificação de orgânicos. Ao longo da transição, três produtores abandonaram o processo. “Eles desistiram no momento em que perceberam o nível de controle de tudo na propriedade, o nível de controle da gestão”, afirmou Ana Paula.
A produção orgânica tem protocolos exigentes que devem ser seguidos para se obter a certificação. “As duas propriedades que conseguiram chegar ao final começaram do zero. Não tinham nenhum tipo de controle, nenhuma anotação financeira ou zootécnica. Nem brinco de identificação dos animais existia lá. Passaram do zero para o controle total, com 100% das anotações exigidas pela certificadora.”
Para Ana Paula, o maior desafio foi lidar com as interpretações de normativas por parte da certificadora, que fica em Santa Catarina. “A parte documental foi a mais difícil porque a mesma exigência tem diferentes interpretações. O que fizemos foi embasar tecnicamente todos os procedimentos, colocar tudo no papel”, disse a zootecnista.
Um bom plano de manejo, que permite trabalhar com segurança durante todo o ano, foi fundamental. A inspeção da certificadora é repetida anualmente para garantir que as exigências continuam sendo cumpridas. “Nesse período, a gente vai mantendo e aprimorando o processo”, explicou.
O laticínio que está fomentando a produção de leite de búfala orgânico vai produzir muçarela e burrata. “O leite orgânico também vai agregar valor a esses produtos finais”, afirmou Ana Paula. A expectativa é que outros produtores passem a aderir à produção orgânica.
“Não foi simples”
Antônio Bento, um dos produtores contemplados pela certificação, disse que a propriedade passou por mudanças significativas. “Não foi tão simples pra gente que não estava acostumado com esse sistema”, falou. Ele teve que trocar medicamentos alopáticos pela homeopatia e suspender o uso de produtos químicos. “Deu certo, agora vamos ver se vai compensar.” Como as búfalas vão começar a parir em fevereiro, ele ainda não fez nenhuma entrega do leite orgânico ao laticínio.
O produtor Adriano Nunes de Almeida disse que as etapas mais difíceis foram a documentação e o ajuste do manejo no sítio. “Bezerros novos às vezes têm diarreia e a gente tem que tratar com homeopatia. Na área da cana, a limpeza tem que ser na enxada e aqui é muito difícil encontrar mão-de-obra”, afirmou.
Adriano, a esposa e o filho Fernando tocam sozinhos a propriedade. Fernando disse que o trabalhou aumentou bastante durante a conversão. Na próxima semana a família fará a primeira entrega do leite orgânico ao laticínio.
As búfalas são criadas a pasto e recebem uma suplementação de ração. Ele espera o bônus maior do laticínio porque os custos devem aumentar. “Aqui na região não tem soja e milho orgânico para alimentar os animais. Vou ter que trazer do Paraná, o que aumenta os custos”, disse ele.
Lauzirio Nunes, presidente da cooperativa que recebeu a certificação, está otimista com a conquista. Segundo ele, o total de leite orgânico de búfalas da Colaf deve crescer nos próximos dois ou três anos, chegando a 1.500 litros/dia. Hoje as duas propriedades conseguem entregar 500 litros/dia. “Nossa ideia é que outros cooperados também possam aderir ao sistema”, falou.
A Colaf foi criada há sete anos e reúne cerca de 30 produtores de leite. “O leite orgânico é um produto nobre e que vem ganhando mercado. A cooperativa já chegou a receber 3 mil litros por dia e nossa intenção é que metade seja orgânico”, afirmou.
Balde Cheio
Desde 2012, Ana Paula também é técnica do Balde Cheio, um programa da Embrapa que capacita a assistência técnica e melhora a produção e as condições de vida de produtores de leite. Ela conta que o Sítio São José aderiu ao programa durante o processo.
O Balde Cheio completa 22 anos e está presente em todo o Brasil. Em 2019, o programa atendeu 1.609 propriedades em 468 municípios de 19 Estados. Estavam em capacitação 260 técnicos, que atuam em 326 Unidades Demonstrativas e 1.283 propriedades.
A metodologia utiliza propriedades de produtores como salas de aulas práticas. As tecnologias indicadas são personalizadas de acordo com a realidade de cada produtor. A Embrapa é responsável pelo treinamento dos técnicos, que atuam em diferentes regiões com apoio de arranjos locais.