Os países em desenvolvimento são, de modo geral, os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. Estima-se que os impactos do clima podem causar uma redução de 17% na produtividade global da agropecuária, com o Brasil sendo um dos mais impactados.
O lado bom é que o país já tem na legislação o caminho para desviar dessa rota. Basta uma maior disseminação e uso das modalidades previstas no Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) e no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg). É o que mostra o estudo “Papel dos Planos ABC e Planaveg na adaptação da agricultura e da pecuária às mudanças climáticas”, coordenado pelo WRI Brasil com a participação de especialistas em clima e agropecuária, como Eduardo Assad, Carlos Nobre, Luiz Claudio Costa, Maura Campanili, Susian Martins, Miguel Calmon e Rafael Feltran Barbieri, com apoio da GIZ e Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, publicado nesta quinta (28) pelo WRI Brasil.
“Como as mudanças climáticas já estão em curso e é certo que o clima vai se alterar nas próximas décadas devido às emissões do presente e do passado, a implantação de medidas transformadoras de adaptação para lidar com seus impactos negativos é urgente”, alerta o cientista Carlos Nobre. “Juntos, o Plano ABC e o Planaveg contribuem para a redução dos gases de efeito estufa, mas também favorecem a adaptação do agronegócio nacional a esse novo cenário”, destaca Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa.
“O Plano ABC e o Planaveg recomendam o uso de tecnologias com potencial de tornar a agricultura mais resiliente e sustentável no curto, médio e longo prazo”, diz Miguel Calmon, diretor de Florestas do WRI Brasil. “Precisamos promover em escala a restauração e reflorestamento com espécies nativas, os sistemas agroflorestais e os sistemas integrados com florestas para gerar mais renda e emprego no meio rural e ao mesmo tempo tornar os produtores rurais mais resilientes às mudanças do clima”
O estudo partiu dos impactos previstos das mudanças climáticas nas propriedades rurais, como por exemplo o aumento da frequência de secas ou inundações, e analisou se as ações do Plano ABC e do Planaveg podem reduzir esses danos e gerar benefícios. O resultado mostra que várias ações previstas nos planos — como sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (ILFP), sistemas agroflorestais, restauração de paisagens degradadas, sistema plantio direto e reflorestamento — tornam as propriedades rurais mais produtivas, resilientes e adaptadas às mudanças climáticas.
Por exemplo, em um cenário de mudanças climáticas, um produtor que decida investir em um sistema de ILPF em vez de uma produção convencional teria como benefícios aumento da umidade do ar e disponibilidade de água em sua propriedade; melhoria na fertilidade do solo e redução da erosão; diminuição na frequência de ondas de frio, de calor, secas e desastres naturais; além de aumento de produtividade e renda.
A tecnologia que mais demanda financiamento no Plano ABC é a recuperação de pastagens degradadas, representando mais de 48% dos recursos disponibilizados. É uma técnica de grande potencial para o Brasil: estima-se que, somente no Cerrado, a área com pastagens degradadas seria suficiente para acomodar o incremento na produção de soja e de carne necessário para atender às demandas doméstica e internacional até 2040.
A recuperação dos quase 72 milhões de hectares de pastagens que se encontram em algum estágio de degradação também traz inúmeros benefícios, mas exige uma mudança importante na bovinocultura brasileira. É necessário intensificar a produção, buscando-se ganhos de peso mais rápidos e aumento da biomassa do pasto. Em outras palavras, o pecuarista moderno deveria ser um plantador de pasto.
Os sistemas agroflorestais, por sua composição multifuncional, aliam a produção de alimentos com produção de produtos florestais madeireiros e não madeireiros e geram receitas em todos os anos. Já a integração lavoura pecuária é mais rentável para os produtores do que sistemas convencionais.
Necessidade de mais investimento
Apesar dos bons resultados, o potencial do Plano ABC e do Planaveg ainda não são percebidos pelo setor como estratégico e prioritário. Menos de 1,4% do crédito rural disponibilizado pelo Plano Safra tem sido utilizado pelo Plano ABC.
O Brasil ainda financia muito mais atividades que podem ser predatórias e aumentam os impactos das mudanças climáticas do que ações sustentáveis e com potencial de adaptação. Para cada R$ 1 que o ABC investe em recuperação de área desmatada, outros financiamentos investem R$ 10 para atividades que geram desmatamento e degradação.
O conhecimento para uma produção agropecuária mais resiliente e sustentável precisa ser disseminado. Investidores, instituições financeiras e empresas de seguro precisam investir em sistemas de produção resilientes às mudanças climáticas. “É necessário aumentar o investimento e ampliar a adoção de modalidades sustentáveis na agricultura para diminuir a vulnerabilidade do produtor a mudanças climáticas extremas”, conclui o estudo.
Impactos das mudanças do clima na agricultura
Em um de seus capítulos, o estudo faz um levantamento da literatura científica mostrando como a agricultura brasileira já está sofrendo com os impactos das mudanças climáticas.
Exemplos de como as mudanças climáticas impactam em culturas específicas:
· Na cultura do feijão, temperaturas de mais de 35 graus prejudicam o florescimento e a frutificação; já temperaturas muito baixas, abaixo dos 12 graus, podem retardar o crescimento da planta.
· No café, temperaturas acima de 34 graus comprometem a fotossíntese e provocam o abortamento de flores, reduzindo a produtividade. As mudanças do clima podem reduzir em 95% a área apta para a cultura nos estados de GO, MG e SP, e 75% no PR.
· Dez dias consecutivos de temperaturas acima de 35 graus provocam desequilíbrio hormonal na cultura da laranja, produzindo queda dos frutos, murcha e abortamento de flores.
· Na cultura da soja, redução do regime de chuvas — um dos impactos das mudanças do clima no Brasil — provoca alterações fisiológicas nas plantas, abortamento das vagens e diminuição de vagens sadias.
· Na pecuária, o estresse térmico dos animais influencia no ganho de peso e na produção de leite.
· Em 2013, uma seca no período do desenvolvimento de culturas de laranja e café, e excesso de chuva no período da colheita, causaram forte perda, a ponto de reduzir o PIB agropecuário em 1,89%.
· Considerando o cenário mais pessimista do IPCC, o Brasil pode perder 2,5% do PIB em 2050 por conta do impacto das mudanças climáticas na agropecuária.
O que são o Plano ABC e o Planaveg
O Plano ABC foi criado em 2010 com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa geradas pela atividade humana nas atividades agropecuárias, tornando-as mais competitivas. Ele propõe para o setor agropecuário expansão de ações de recuperação de pastagens degradadas (RPD), integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), sistemas agroflorestais (SAF), sistema plantio direto (SPD), fixação biológica de nitrogênio (FBN), florestas plantadas e tratamento de dejetos animais.
O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) busca impulsionar a restauração florestal e a regularização ambiental das propriedades rurais brasileiras, de acordo com o Código Florestal, em área total de, no mínimo, 12 milhões de hectares, até 31 de dezembro de 2030.