Nascida em Boston, Estados Unidos, no ano de 1947, Mary Temple Grandin é considerada a mulher que revolucionou as práticas para o tratamento racional de animais vivos em fazendas e abatedouros. Aos 72 anos, além de bacharel em psicologia, ela é PhD em ciência animal pela Universidade de Illinois (EUA). Mas quem vê o sucesso e o que Temple significa para a pecuária, não imagina as adversidades que a americana teve que enfrentar. Diagnosticada com autismo logo na infância, ela teve sua vida ligada ao agronegócio quando tinha 19 anos. Durante uma visita a fazenda de uma tia, tomou como inspiração o brete de contenção dos animais e construiu algo parecido para si, a “máquina do abraço”, com o intuito de se refugiar dos frequentes ataques de pânico que sofria. Foi com este talento de pensar em imagens e conectá-las, que Temple começou sua carreira científica e mudou os rumos do bem-estar animal.
Hoje, as instalações que ela projetou estão localizadas em diversos lugares do mundo. Na América do Norte, por exemplo, quase metade do gado é manuseado em um sistema de retenção central projetado por Temple. Os sistemas curvos de rampa e corrida que ela projetou para o gado são usados diariamente e seus ensinamentos sobre a zona de fuga e outros princípios do comportamento dos animais em pastoreio ajudam muitas pessoas a reduzir o estresse nos animais durante o manejo. “As pessoas administram as coisas que elas medem e uma das razões para que tudo seja medido no manejo é o uso de choque elétrico, quedas, localização ou fugas. Quando se usa estas medidas você consegue saber se está melhorando ou piorando”, declara Temple. Segundo ela, na atualidade existem diversas pessoas ministrando treinamento sobre o bem-estar animal. “Observei que em manejo, cerca de 20% dessas pessoas realmente fazem um bom trabalho. Há um grande número de pessoas cujo trabalho precisa ser supervisionado, e cerca de 10% que não deveriam manejar animais, pois tendem a ser cruéis a eles”. A doutora faz uma analogia e diz que este supervisionamento é como no trânsito, se a polícia não estiver medindo a velocidade, a estrada vira uma pista de corrida.
A experiência em terras brasileiras
Habituada a visitar e palestrar em diversos países, quando vem ao Brasil, Temple foca em passar seu conhecimento aos nossos pecuaristas, e a cada oportunidade procurar notar se há evolução no trato com os animais por aqui. Apesar de não ter visitado um número elevado de fazendas, para ela o padrão que se observa é que quanto mais treinamento vai sendo feito em manejo de gado, mais pessoas vão fazer um trabalho melhor. “Isso é uma realidade nos Estados Unidos, e acredito que o Brasil siga um caminho parecido. Quanto mais ênfase houver no assunto e mais as pessoas estiverem trabalhando nisso, melhorará gradativamente”, declara.
Temple comenta que uma das coisas que a deixou impressionada no Brasil, é o fato dos estudantes de veterinária que estão entrando na indústria pecuária estarem realmente interessados em seguir em frente, fazendo as coisas de forma correta. “Fiquei feliz em conversar com eles. Falamos sobre a importância do manejo de baixo estresse que vai melhorar a produtividade do rebanho, taxa de concepção reprodutiva e ganho de peso. Além disso, abordamos que é fundamental não haver abuso ao animal, como por exemplo, tirar fotos deles com telefones. Isso é negativo e cruel com os bichos, pois assusta e também estressa”, diz. Os assuntos destas conversas na verdade são grandes questões a serem discutidas com mais pessoas, e a americana busca dar dicas sobre como construir um confinamento, com ponto de fuga, ponto de balanço, projeto do curral, e a retirada de distrações que fazem o gado parar na fazenda. “Queremos que o rebanho funcione da melhor maneira possível”.
Alimentar o mundo
Com o crescente aumento da população, o desafio de alimentar o mundo é cada vez maior e recai, em partes, sobre a pecuária. Com isso, ter um rebanho que gere carne de melhor qualidade se torna fundamental para que atingir o objetivo e permitir que ninguém passe necessidade.
Para Temple, essa questão se resume no fato de que animais que são manejados com métodos de baixo estresse geram números e resultados produtivos. “Já os que sofrem com barulhos e que foram perseguidos, ganham menos peso e tem uma menor reprodução”, declara. A partir daí o efeito será em cadeia, até chegar ao consumidor, seja em qualidade ou então em quantidade, o que só dá ainda mais importância para os métodos desenvolvidos e ensinados pela especialista.
Inspiração para todos
Tendo da sua história um livro aberto, a correlação do autismo de Temple com seu trabalho desenvolvido na pecuária serve de exemplo para que outras pessoas que possuem realidade semelhante a dela, se inspirem e façam de um problema, uma solução que ajude diversas pessoas ao redor do mundo. “Quando eu era uma criança de três anos ainda não falava, mesmo sendo ensinada em casa. Com isso, enfatizo a todos os pais que possam ter uma criança autista, ou com problemas de aprendizado, que se construa em cima das coisas em que elas são boas”, diz a doutora. Boa em ver imagens e conectá-las, ela conta que esta habilidade a ajudou em seu trabalho de criação, uma vez que passou a olhar e pensar pela perspectiva do rebanho. “Comecei isso nos anos 70, momento em que ninguém falava deste assunto”.
Ao longo dos anos e com a importância que ganhou, Temple realizou e ainda realiza diversos trabalhos com pessoas em funções específicas. “Trabalhei com pessoas que construíram coisas em fazendas e currais e que possuem problemas de aprendizado, ou que talvez sejam autistas, e que fizeram equipamentos de construção espetaculares”, diz. Segundo ela, existem diversas habilidades para quem tem autismo. “Conheci gente que era ótima com matemática, e então acabou se tornando programador de computação. O que quero dizer é temos que buscar trabalhar com coisas em que alguma deficiência que possuímos não nos afete, e isso traz resultados”. Sendo exemplo para muitos, Temple Grandin pensa no próximo, sempre se baseando em tudo que vivenciou. “Precisamos ajudar as crianças a sair e realizar atividades, e uma delas é levá-las a construir coisas. Existe um certo grupo de crianças autistas que são boas com ferramentas”. Ela conta que há em várias partes do mundo histórias de especialistas, pessoas que podem fazer, inventar e construir coisas.