Para estimar a safra nacional de laranja, atualmente é feita a derriça (retirada de todos os frutos) de mais de 2.500 árvores em diversos municípios dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Mas pesquisadores da Embrapa e do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) já estão desenvolvendo tecnologia para criar um método com potencial para contar frutos verdes e maduros, sem precisar arrancá-los.
Só que esse processo, aparentemente simples para os humanos, não é trivial quando se trata de tecnologia computacional. Para realizar a tarefa, o computador precisa aprender a reconhecer o que é uma laranja verde ou madura, diferenciando-a de folhas, caule e galhos, além de considerar a densidade das plantas, diferença entre floradas, iluminação não uniforme e áreas sombreadas. Por isso, os pesquisadores estão usando técnicas de processamento digital de imagens e aprendizado de máquina (machine learning) para criar algoritmos que permitam ao computador enxergar os frutos com o máximo de precisão.
O objetivo da pesquisa, chamada eContaFruto, é aprimorar o método atual de contagem dos frutos e, principalmente, reduzir os custos operacionais, gerando um protocolo metodológico mais eficiente para apoiar a estimativa da safra pelo Fundecitrus. O cálculo depende também de outras metodologias, envolvendo mapeamento dos pomares de citros, coleta de dados nas propriedades, inventário de árvores, entre outras.
Para a estimativa da safra são consideradas informações como quantidade de árvores produtivas no cinturão citrícola e de frutos por árvore, projeção da taxa de queda de frutos e da quantidade de laranjas por caixa. Esse trabalho é feito por amostragem que, em 2018, envolveu 2.560 árvores, escolhidas para representar as diferenças entre regiões geográficas em 422 municípios do parque citrícola de São Paulo e Minas Gerais, o maior centro produtor do Brasil.
A Pesquisa de Estimativa de Safra (PES) do Fundecitrus conta com equipes de campo que, desde 2015, vão aos pomares para derriçar uma amostra de laranjeiras, entre meados de março ao fim de abril, para estimar o número de frutos por árvore. A derriça é a colheita antecipada de todos os frutos da árvore, independente da florada que os originou. O trabalho relativo ao inventário de árvores, que inclui as atividades de coleta de dados de campo, laboratório e processamento de informações, exige tempo, grande quantidade de mão de obra e tem custo elevado; o orçamento aprovado em 2018 foi de quase R$ 6,4 milhões, segundo o Fundecitrus.
O método de derriça é adotado no País por causa das características de plantio específicas do território brasileiro. De acordo com o pesquisador Kleber Sampaio, da Embrapa Informática Agropecuária (SP), outras técnicas usadas no exterior se mostraram inadequadas à realidade brasileira, especialmente devido à densidade da copa e ao espaçamento entre as plantas que dificultam a identificação individual das árvores.
Identificação automática
A inteligência artificial, com a aplicação de visão computacional para identificar automaticamente os frutos, é uma alternativa promissora a esse método usado no Brasil, já que, associada aos métodos adotados atualmente pelo Fundecitrus, é capaz de fazer uma estimativa da produção de citros de forma não destrutiva. “A construção de um modelo de estimativa da quantidade de frutos em pés de laranja é uma solução inovadora que pode beneficiar diretamente o setor agrícola, trazendo economia de tempo e de recursos”, avalia a pesquisadora da Embrapa Sônia Ternes, líder da pesquisa.
Os estudos desenvolvidos incluem a produção de fotografias das árvores, antes de serem derriçadas, por equipes de campo do Fundecitrus. Todo esse processo envolve um trabalho prévio minucioso de identificação de cada planta, contagem dos frutos extraídos, e posterior comparação entre o número obtido pelos técnicos no campo e aquele que será apontado pelo método computacional.
Com esses dados, os pesquisadores e técnicos vão desenvolver algoritmos e ferramentas computacionais para identificação e contagem dos frutos. Por meio de técnicas de visão computacional, ensina-se o computador a reconhecer as laranjas com a análise de milhares de imagens, repetidas de modo exaustivo, a fim de se obter a maior precisão possível na identificação automática. Além de obter os dados reais coletados nas propriedades citrícolas, como frutos contidos nos ramos, faixa de idade e variedades das plantas, a pesquisa vai possibilitar a validação das informações durante três safras, de 2019, 2020 e 2021, período de duração do projeto. “Vamos ter dados reais e esse é o diferencial da pesquisa, que vai permitir ver a acurácia do trabalho que está sendo feito”, afirma Leonardo Queiros, que integra a equipe pela Embrapa Informática Agropecuária.
Essa tecnologia também vai ser usada nos experimentos do Programa de Melhoramento Genético (PMG) de Citros conduzido pela Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA). O programa da Embrapa, assim como os de outras instituições, avalia centenas de combinações de copa e porta-enxerto de citros em uma extensa rede experimental em todo o Brasil, notadamente no cinturão paulista.
Dados vão subsidiar pesquisa e setor produtivo
“A avaliação de produção de frutos por planta é crítica, pois a produtividade é um dos principais critérios de seleção e deve ser acompanhada por várias safras, em geral dez, sobre uma quantidade considerável de plantas, muitas vezes com diversas colheitas ao longo do ano em função de período de maturação das frutas”, detalha o pesquisador da Embrapa Eduardo Girardi, que atua no campo avançado no Cinturão Citrícola, localizado na sede do Fundecitrus, em Araraquara (SP).
Por isso, na visão de Girardi, tecnologias que permitam estimar com boa precisão a produção a partir da análise de imagem de plantas com frutos maduros poderiam proporcionar expressivo ganho de agilidade e economia no processo de avaliação. “A expectativa é que o projeto seja bem-sucedido nesse tocante, dada a maior facilidade de visualização de frutos maduros, e que a aplicação da tecnologia permita a ampliação da rede experimental em médio prazo de forma exequível pela equipe do PMG. Além do melhoramento, a estimativa de frutos maduros pode ser usada em outras pesquisas com citros, como de fitotecnia e fitossanidade, e ainda permitir a produtores checagens sobre suas práticas de manejo e de colheita”, avalia o pesquisador.
Estimativas de produção
Uma tomada de imagens no campo já foi realizada este ano em uma fazenda na região de Araraquara, no interior do estado de São Paulo, para testar o protocolo de coleta de imagens. Os resultados preliminares são animadores na opinião de João Camargo Neto, da Embrapa Informática Agropecuária. Isso leva a pensar se essa tecnologia poderá ser aperfeiçoada no futuro e embarcada em equipamentos agrícolas ou outros dispositivos, como os smartphones, para que o produtor também estime a produção na sua fazenda.
“Esperamos que esse projeto seja um marco na história da citricultura porque os resultados previstos têm o potencial de possibilitar, em um futuro próximo, a todos os produtores realizarem estimativas de produção de suas fazendas por meio de um método objetivo, que tem a vantagem de ser mais preciso do que o método visual de estimativa geralmente utilizado em pequenas e médias propriedades. A estimativa de safra confere um melhor embasamento para o planejamento e a tomada de decisão”, comenta Vinicius Trombin, coordenador da PES do Fundecitrus.
Automatizar a estimativa da produção de laranja também fornece um subsídio importante para a recomendação de estratégias agronômicas mais eficientes. Esse é um princípio da agricultura de precisão, que busca melhorar a produtividade com um manejo diferenciado, por talhão, permitindo ao produtor fazer o manejo com base em informações específicas para a cultura, segundo Queiros. “Acredito que o projeto trará mais independência para os produtores, porque muitas vezes eles precisam de auxílio para fazer a estimativa de produção de suas propriedades. Com uma máquina em mãos e algumas imagens por árvore, eles poderão estimar o número de frutos em minutos e por meio de um método objetivo, que lhes dará maior confiança”, acredita Fernando Delgado, supervisor da PES/Fundecitrus.
Laranja é mercado bilionário
O Brasil é responsável por 76% de participação no comércio mundial de suco de laranja, a fruta mais produzida no território nacional. Na safra 2019/2020 do cinturão agrícola de São Paulo, e Triângulo e Sudoeste mineiro, devem ser colhidos 388,89 milhões de caixas. A cultura movimenta anualmente em torno de R$ 17,4 bilhões no País, considerando o faturamento dos citricultores com a venda de laranjas para o mercado in natura e para processamento industrial e as exportações de suco de laranja e subprodutos, respondendo por cerca de 200 mil empregos diretos e indiretos no agronegócio, segundo o Fundecitrus.
O projeto de pesquisa “Estimativa da quantidade de frutos em pés de laranja por meio de inteligência computacional – eContaFruto” teve início em março de 2019, e tem duração prevista de três anos. Os recursos de R$ 209.778,40, financiados pela Embrapa, destinam-se à aquisição de equipamentos computacionais e dispositivos para computadores, viagens a campo e prestação de serviços de terceiros no formato de concessão de bolsas de estágio. A equipe também já vem discutindo os termos de um acordo de cooperação técnica com o Fundecitrus, a ser firmado ainda este ano, para execução das atividades previstas na pesquisa.