A presente revisão tem como finalidade abordar questões relacionadas ao uso de antimicrobianos e à ocorrência de resistência bacteriana em antimicrobianos empregados na produção animal. Não abordará questões relacionadas ao desenvolvimento de bactérias multirresistentes que preocupam a medicina humana. Isto porque, segundo Palermo (2014), as principais alegações que têm sido feitas em relação ao tema são questionáveis. Dentre elas, (1) não há evidências científicas robustas que demonstrem a correlação entre cepas bacterianas resistentes causadoras de doenças infecciosas com o local de produção dos animais cujo destino é a alimentação humana; (2) ausência de dados epidemiológicos nacionais que demonstrem a existência de casos frequentes ou graves de toxinfecções alimentares por bactérias resistentes ou, (3) dados comprobatórios que indiquem o aumento de morbidade e/ou mortalidade decorrentes de infecções por bactérias resistentes.
A seleção de um agente antimicrobiano depende de múltiplos fatores: local da infecção, variáveis relativas ao hospedeiro, características de absorção do agente antimicrobiano, assim como sua via de excreção, propriedades farmacocinéticas e frequência de dosagem do agente antimicrobiano, suscetibilidade local do microrganismo ao agente antimicrobiano.
As bactérias surgiram na terra há bilhões de anos e, para sobreviver, desenvolveram mecanismos de resistência aos antimicrobianos que são encontrados livres na natureza. Portanto, não é surpreendente o fato de muitos antibióticos lançados nas últimas décadas, que são em sua ampla maioria de origem natural ou semissintética, terem utilidade limitada na época de sua descoberta e em pouco tempo se tornarem obsoletos. O uso incorreto do antimicrobiano, fora das indicações de bula (off label), em tempo e em dose, contribui para a redução da eficiência destas moléculas.
Quer na medicina veterinária, quer na humana, o uso contínuo dos antimicrobianos favorece a emergência de linhagens bacterianas multirresistentes. A ação daqueles favorece a seleção bacteriana, os agentes mutam e tornam-se capazes de crescer mesmo na presença do antimicrobiano, exercendo pressão seletiva. Bax et al (1998) apontam que algumas bactérias resistentes possuem genes que determinam resistência a múltiplas classes de antimicrobianos e são capazes de se multiplicarem rapidamente, além da transferência desta característica a outras bactérias.
A maior parte das moléculas antimicrobianas foi desenvolvida há muito tempo e hoje praticamente nenhum novo princípio ativo está em fase de pesquisa ou desenvolvimento. Produtos à base de antimicrobianos são desenvolvidos utilizando moléculas antigas. Surgiu então, dentro da comunidade científica, o consenso de que alguns cuidados deveriam ser adotados para preservar a eficácia dos antimicrobianos, tanto na medicina veterinária quanto na humana. Os equívocos, que ganharam força a partir do banimento de moléculas com finalidade de melhoradores de desempenho pela União Europeia, decorrem da interpretação de que o uso em medicina veterinária e humana é o mesmo. Antimicrobianos administrados em doses menores, utilizados com finalidade de melhoradores de desempenho, não visam ao tratamento de infecções, mas sim ao impedimento da instalação da doença, através do controle da microbiota gastrointestinal, de modo a prevenir enterites.
Em termos gerais existem dois tipos de resistência aos antimicrobianos: a natural e a adquirida. A primeira é uma característica intrínseca e inerente, em que a bactéria é previamente resistente à molécula em questão, por impermeabilidade de membrana celular, por formação de biofilmes ou por expressão de genes que mediam a inativação enzimática. A resistência natural é um caráter hereditário, transmitido verticalmente às células-filhas. No segundo caso, a adquirida, a resistência surge por aquisição de DNA extracelular, que pode ser disseminado através de plasmídeos, transposons e sequências de inserção entre bactérias anteriormente sensíveis à molécula em questão; ou por meio de mutação. A alteração do sítio-alvo e a destruição enzimática do agente são provavelmente os mecanismos mais comuns pelos quais a resistência pode ocorrer. Ambas, natural ou adquirida, são estratégias que a célula adota para tentar sobreviver. É algo absolutamente natural, que sempre existiu mas que pode ser exacerbado com o uso imprudente de antimicrobianos. O foco da questão é saber lidar com esta situação.
A frequência de mutações espontâneas para determinado gene em populações bacterianas é extremamente baixa, sendo de aproximadamente uma em 106-108 células por divisão, ou seja, uma célula a cada 10 milhões irá, ao se dividir, produzir uma célula-filha contendo uma mutação em determinado gene. Todavia, quanto maior o número de células, situação presente em infecções, a probabilidade de uma mutação reverter a sensibilidade e determinar resistência é maior. Sendo assim, em infecções, nas quais houver agentes com genes de resistência, a exposição ao antimicrobiano trará vantagem seletiva a esta população, favorecendo o desenvolvimento e perpetuação da resistência bacteriana. Baseado nesta premissa, moléculas novas ou que estejam preservadas, por uso prudente, apresentam menor tendência à presença de genes de resistência e à pressão de seleção.
É senso comum, na produção e em âmbito acadêmico, que animais que recebem dietas contendo níveis subterapêuticos de antibióticos (melhoradores de desempenho) são mais saudáveis do que aqueles que recebem dietas não suplementadas. O nível sanitário melhora, reduzindo a mortalidade e a morbidade, especialmente em animais jovens. Cromwell (1999) enfatiza que animais com menor incidência de doença subclínica chegarão aos abatedouros em melhor estado sanitário. Além disto, a utilização de antibióticos melhoradores de desempenho melhora o bem estar dos animais, a qualidade da carne produzida e a utilização de nutrientes. Consequência desta, é reduzida a excreção de nitrogênio, fósforo e outros nutrientes para o meio ambiente. Na maioria dos casos, a drástica redução da população bacteriana obtida pelo agente antimicrobiano permite que as defesas naturais do hospedeiro possam lidar efetivamente contra os patógenos invasores.
Considerando as moléculas aprovadas no Brasil para uso em suinocultura, destas selecionadas aquelas que acessam sem restrição todos os mercados importadores e aquelas que ao longo dos anos têm sido preservadas (menor uso, menor dose empregada, atendimento à dose preconizada em bula) chega-se à AVILAMICINA. Antibiótico oligossacarídeo do grupo das ortosomicinas, que atua na fração 50S do RNA das bactérias, com ação predominante em microrganismos gram + e sem emprego na terapêutica humana.
Relativamente à AVILAMICINA, Delsol et al (2005) demonstram que não há persistência de Enterococcus resistentes ao princípio ativo após a suspensão de seu uso em rações de suínos. Em relatório da Autoridade Europeia para Segurança Alimentar (EFSA) constam as seguintes informações: avilamicina possui alta atividade antimicrobiana em condições de aerobiose e anaerobiose; após tentativas em testes, não se observou resistência cruzada com sete antibióticos para os quais cepas de Staphylococcus aureus apresentavam mono ou múltipla resistência; o padrão de resistência de coliformes permaneceu estável após o uso de avilamicina na alimentação dos animais. Dados fornecidos pela Comissão Japonesa de Segurança Alimentar, em 2004, também indicam que a administração de avilamicina a suínos e aves não afeta a seleção de cepas de Escherichia coli resistentes a outros antimicrobianos, bem como que muito poucas cepas de Enterococcus resistentes à avilamicina possuíam gene de resistência, o que inviabiliza a perpetuação da resistência à molécula. O parecer do EMEA (European Medicines Agency) de 2007 para uso de avilamicina como medicamento veterinário relata que não há evidências da transferência in vivo de genes de resistência à avilamicina.
O custo-benefício do uso de antimicrobianos para o controle de doenças em animais de produção baseia-se na maximização do efeito terapêutico, na minimização da toxicidade relacionada à molécula e ao baixo risco de desenvolvimento e persistência de genes de resistência. O uso responsável de antimicrobianos pode preservar a disponibilidade de moléculas para humanos e animais, permitindo altos níveis de produção e produtividade, garantindo bem-estar animal, disponibilizando e facilitando alimento aos seres humanos.