Opinião

Por que precisamos da Embrapa?

Por Murilo Xavier Flores* – A revolução no setor agropecuário brasileiro dos últimos 40 anos se deve a um conjunto importante de instituições, como universidades, institutos de pesquisa, assistência técnica, e, claro, aos próprios produtores. Ciência, tecnologia e inovação deram respostas muito objetivas e concretas a problemas desse setor econômico de forma a mudar expressivamente as possibilidades produtivas do setor agrícola nacional.

É impossível falar dessa transformação sem citar o caso específico da Embrapa. Não há dúvida de que a Empresa tem sobre si grande parte da responsabilidade pelo acelerado processo de mudança do perfil agrícola brasileiro. Como disse recentemente a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, temos muito orgulho de três empresas nacionais: Petrobras, Embraer e Embrapa. Todas as três responsáveis diretamente pela mudança do padrão tecnológico no Brasil e pelo orgulho sobre nossa capacidade de inovar.

No entanto, após 48 anos, tendo passado por momentos de ajustes no seu planejamento e estrutura, é preciso lançar um olhar mais profundo para a Embrapa, sua situação e seu futuro. Porque, apesar da revolução ocorrida, o que vem pela frente é tão desafiador quanto o que vivemos. As exigências da sociedade e as demandas sobre as organizações mudam com o tempo. Surgem novas prioridades e tendências, e dar respostas cada vez mais pragmáticas é, e continuará sendo, imprescindível.

Em primeiro lugar é necessário rever a situação financeira da Empresa. É preciso tomar providências para que a proporção do componente custeio/investimento em relação ao orçamento total saia do patamar atual de 10 a 14% para, pelo menos, 30 a 35%. E isso deve ocorrer com maior rigor na gestão dos custos possíveis de serem reduzidos e na busca de novas parcerias para crescimento da receita. Contudo, o foco principal deve estar no custo neste momento. Felizmente, as dificuldades atuais da Embrapa não são relativas a baixos salários e qualidade do corpo técnico.

Em segundo lugar é preciso estabelecer uma vigorosa agenda de pesquisa, identificando as grandes demandas presentes e futuras da sociedade. Demandas que incorporam a nova agricultura 4.0, a minimização de emissão de gases de efeito estufa e baixo carbono, a agricultura orgânica (e outras nesse escopo), uma interface agricultura/meio ambiente de modo geral, a certificação e diferenciação de produtos. Tudo isso sustentado por lideranças capazes e apoiado num processo importante de coordenação, mas com profunda desburocratização da gestão.

Por fim, mas sem esgotar a agenda de mudanças, produzir um grande esforço para manter o seu maior patrimônio e a sua razão de existir: o pragmatismo na solução de problemas. A mudança geracional inevitável que vem ocorrendo há algum tempo, com a saída dos grupos de altíssimo nível que imprimiram a forma de ser da Embrapa e a entrada de novos funcionários vindos de outras escolas de formação, requer ações que levem essa nova maioria jovem a assumir o pragmatismo, razão de ser da Empresa. Esse pragmatismo exige maior aproximação do setor de pesquisa com o conjunto do setor produtivo e da própria sociedade. Gestão com metas, objetivos, monitoramento e avaliação deve ser o instrumento para ajudar nessa estruturação.

A Embrapa vive momento de adversidades, fruto de um período de transformações. Mas, felizmente, está dentro dela a própria superação da crise, comum a instituições muito bem- sucedidas. Ela continua a ter capacidade de dar respostas. Há laboratórios e campos experimentais de altíssimo nível, equipes altamente qualificadas e, mais que tudo, credibilidade junto à sociedade. É preciso mudar enquanto essa credibilidade ainda está em alta. Respondendo ao provocativo título deste artigo, o Brasil precisa da Embrapa por todas essas e muitas outras razões.

Após 38 anos como pesquisador da Embrapa e seu ex-Presidente, chegou a hora de me afastar. Mas não poderia fazê-lo sem antes deixar pública minha impressão sobre os caminhos que poderiam ser tomados para que o país possa continuar desfrutando da contínua oferta de tecnologia para o setor agropecuário.

(*) Murilo Xavier Flores é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária desde 1981. Tem experiência na área de Sociologia do Meio Ambiente, gestão de ciência e tecnologia e agricultura familiar, planejamento estratégico e gestão pública. Foi Presidente da EMBRAPA, Secretário Nacional de Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura, Coordenador da criação e implantação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF

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