O que leva um médico, um designer gráfico, um industrial do ramo de cerveja e um ex-advogado a fazer um curso de leite orgânico? Apesar de a maioria dos participantes do II Curso de Pecuária Leiteira Orgânica ser do ramo – produtores, veterinários, agrônomos, zootecnistas ou técnicos da extensão rural –, a presença desses outros profissionais na turma chama a atenção dos organizadores, a Embrapa Pecuária Sudeste (São Carlos-SP) e Fazenda Nata da Serra.
O curso está em andamento e o terceiro módulo terminou nesta sexta (5). O próximo será em Serra Negra, nos dias 9 e 10 de agosto e o encerramento será em outubro. Apesar de o curso admitir interessados, para fomentar o empreendedorismo na atividade leiteira de base orgânica é essencial que as unidades produtivas sejam acompanhadas ou assistidas por técnicos especialistas (zootecnistas, veterinários ou agronômos), que são o público-alvo da iniciativa da Embrapa Pecuária Sudeste.
Médico
O anestesista Virgílio Luiz Paiva da Silva trocou grandes hospitais de São Paulo pela produção rural. Antes de cursar medicina, ele fez um ano e meio de agronomia na Esalq, mas acabou trocando de área no terceiro período. “Chega um momento em que você imagina o que vai fazer na segunda metade da sua vida. Eu não me via envelhecendo como anestesista. Na busca de outra atividade, resgatei outro interesse que me acompanhou ao longo desses anos”, afirmou.
Virgílio também disse que pesou o fato de enxergar a terra como potencial produtora de alimento e de saúde. Por que fazer um curso de leite orgânico? Ele responde que o leite é a matéria prima do que pretende produzir: queijo de ovelha. “Não quero nada muito grande. Queria fazer algo que fosse pequeno, que eu pudesse controlar todas as etapas e que tivesse um valor atrativo.”
O médico escolheu Cunha (SP) para sua propriedade rural “por razões subjetivas e objetivas”. Segundo ele, o lugar é muito bonito pelas montanhas e clima mais ameno; por outro lado, o preço do hectare não era tão alto, até em função da topografia, o que ele vê como um desafio.
Neste momento ele está adaptando a propriedade e se capacitando para iniciar as atividades. “Preciso reformar o pasto para colocar as ovelhas. Só vou colocá-las lá quando tiver comida para oferecer a elas”, afirma. Virgílio disse que está gostando muito do curso, que está ajudando a sistematizar o conhecimento que vem adquirindo também como autodidata. “O curso traz o olhar da eficiência econômica, que é fundamental, porque não estou fazendo essa transição de vida para desperdiçar tudo o que já construí como anestesista. A atividade tem que dar retorno.”
A opção pelo orgânico, no caso dele, está relacionada à sustentabilidade. “A medicina sempre me ensinou isso: eu tinha que ser responsável pelos meus atos. A pecuária orgânica me traz esse desejo de ser mais responsável com aquilo que eu produzo e que ofereço às pessoas que vão adquirir meus alimentos. Se não fosse empolgante, eu não estaria aqui”, disse.
Designer Gráfico
Keith Rodrigues é designer gráfico, casado com a designer de joias Carolina Villela. Aos poucos, eles estão trocando o agitado Rio de Janeiro pela tranquilidade de São Vicente, no sul de Minas. O Illustrator também vai perdendo espaço para os cochos, pastagens e piquetes. Ele conta que estava começando a se sentir insatisfeito com sua atividade profissional – “não me completava mais” – quando surgiu a possibilidade de atuar no campo.
Keith e Carolina estão trabalhando na propriedade do avô dela, que já tem certificação orgânica há 12 anos. “A gente tinha pouca vivência. Começamos a frequentar a fazenda por lazer e vimos que lá havia possibilidade de vida melhor que na cidade. Descobrimos que seria viável viver dessa atividade, curtir mais a fazenda. Hoje já passamos mais tempo na fazenda que no Rio”, contou. Essa transição da cidade para o campo começou há dois anos e meio.
Como a fazenda já produz leite orgânico, a participação no curso está permitindo que o casal tenha mais propriedade para falar do que já faz. “Estamos ganhando experiência, aprendendo mais, conhecendo pessoas da área, adquirindo conhecimento. Estou gostando demais. Cada módulo é um mundo que se abre, a gente volta com a cabeça fervilhando. A gente não tem experiência então é tudo muito novo mesmo. Dá muita motivação!”
Neste terceiro módulo, Keith já percebeu que a produção de orgânico não precisa ser tão limitada. “Dá para produzir com excelência e ganhar dinheiro com isso. É um mercado que só cresce e cada vez valoriza mais. O curso tem nos dado cada vez mais a garantia de que escolhemos o caminho certo.”
Advogado
Francisco Lobello foi advogado durante dez anos e hoje produz queijos em São Paulo. Nos últimos cinco anos deixou a carreira do direito para se dedicar a um projeto de marketing digital, depois de gastronomia e começou a fazer queijos por curiosidade. Ele está montando a queijaria na capital porque quer estar mais perto do consumidor. Pensa em produzir leite? “A longuíssimo prazo”, responde.
No momento Francisco passa pelo processo de licenciamento para instalar a queijaria em um espaço maior e mais adequado. Ele soube do curso por meio de amigos que participaram da iniciativa no ano passado.
“Queria entender mais sobre a produção do leite para enxergar melhor a realidade de quem são meus fornecedores e escolher melhor bons parceiros. Quero que eles façam no campo um trabalho bom como eu pretendo fazer na minha queijaria”, afirmou. Ou seja, o empreendedor busca conhecimento para entender como nasce o produto que é sua matéria prima.
“No curso estou aprendendo que o orgânico às vezes é o mais racional. Primeiro preciso achar um bom leite, depois o orgânico. É algo a mais. Em cada módulo estou aprendendo que o modo de produção orgânico está atingindo um nível de tecnologia e produzindo técnicas e soluções que podem se adaptar muito bem até para quem tem um pensamento convencional, que não tem a ideologia orgânica, mas que pode ser eficiente e ter resultados melhores e ser mais sustentáveis.”
A opção de montar uma queijaria dentro da cidade se deve à demanda das pessoas de saber como as coisas são feitas. “Cheguei aqui com conhecimento zero e depois de três módulos, sem dúvida, tive uma evolução muito grande. Hoje tenho uma visão mais profunda do processo de produção do leite e entendo que o orgânico não é um sonho e sim algo muito mais palpável. Me sinto mais preparado para o desafio de comprar um bom leite e de avaliar um bom produtor. Poderei ser mais parceiro do meu fornecedor, estar mais perto e, às vezes, até ajudar.”
Empresário
Ivan Violin é engenheiro de produção, contabilista e proprietário de uma fábrica de refrigerantes e de cerveja em Leme (SP). “A indústria cervejeira descarta um resíduo sólido que é útil para a alimentação da vaca leiteira”, conta o engenheiro, ao explicar porque se sentiu atraído a participar do curso.
Além disso, a família tem uma propriedade agrícola em Goiás onde está iniciando os trabalhos de produção de leite nos moldes do Balde Cheio [programa da Embrapa que busca capacitar técnicos que prestam a assistência a produtores de leite]. A ideia é produzir leite orgânico e biodinâmico.
Ivan já fez um curso de agricultura biodinâmica. “Isso abriu horizontes para enxergar a propriedade de um jeito diferente. Não é só uma propriedade em que você coloca insumo e retira dinheiro”, falou.
A destinação da cevada sem aditivos para essa cadeia de orgânicos pode se tornar um negócio para Ivan, já que transportar esse resíduo até Goiás se tornaria inviável. Na propriedade rural, ele já produz leite dentro da filosofia do orgânico, mas ainda não tem a certificação.
Neste último módulo, o engenheiro disse que o instrutor Artur Chinelato, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, forneceu muitos números (veja texto abaixo). “Quando a gente vê esses números parece que a gente põe o pé no chão. Também adorei a palestra sobre homeopatia do módulo passado”, comentou. Na propriedade de Ivan os animais já são tratados com homeopatia, sem contar sua família toda, que se trata assim há mais de 40 anos.
Cálculos e eficiência
Há toda uma filosofia envolvendo a produção de alimentos orgânicos. Disso todo mundo sabe. O que pouca gente faz ideia é que para produzir orgânicos de forma sustentável é preciso muitos cálculos matemáticos e a busca por processos produtivos mais eficientes. Esse conteúdo foi repassado aos participantes do II Curso de Pecuária Leiteira Orgânica, realizado na Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SC) nos dias 4 e 5 de julho.
Cerca de 40 produtores, técnicos e interessados no mercado de leite orgânico estão participando do curso, que começou em abril e termina em outubro. Nesta etapa, o conteúdo foi “indicadores zootécnicos”, que apontam a eficiência da produção e são determinantes também para esse nicho de mercado.
O instrutor Artur Chinelato trabalhou conceitos como herdabilidade genética, persistência de produção, seleção do rebanho, proporção de vacas em lactação, entre outros. Segundo Artur, é imprescindível que o produtor de leite – não apenas do orgânico – anote todos os dados zootécnicos e econômicos de sua propriedade para ter um controle eficiente e tomar as melhores decisões.