O fruto é tão representativo do Rio Grande do Sul que tem seu próprio ditado popular – afinal, todo gaúcho já deixou “os butiás caírem do bolso”. O sabor característico e que remete à infância de muitos, porém, ainda depende muito da atividade extrativista, em árvores de mata nativa, para chegar ao consumidor final. Com uma demanda que supera a oferta, a necessidade de implantar pomares de butiá para cultivo comercial tornou-se um desafio que o Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) se propôs a enfrentar há mais de 10 anos.
“Este trabalho demonstra que o Estado tem interesse no desenvolvimento de culturas que possam ampliar nossa diversidade produtiva, aproveitando uma espécie nativa”, afirma o secretário da Seapdr, Covatti Filho.
Linhas de pesquisa desenvolvidas desde 2008, quando o departamento ainda era a Fepagro, procuram superar alguns dos principais obstáculos para que o butiazeiro seja visto como uma cultura com bom potencial produtivo e econômico. Um deles é a dormência das sementes, que podem levar até dois anos para germinar. Com um método elaborado a partir de suas pesquisas sobre o butiá, os pesquisadores Gilson Schlindwein e Adilson Tonietto conseguiram reduzir o tempo de germinação para cerca de um mês. “Até então, ninguém produzia muda de butiazeiro a partir de sementes, pelo tempo que levava para germinar. Com essa metodologia, a germinação é rápida e homogênea, e podemos atestar que a muda veio de determinada planta”, explica Gilson.
Neste projeto de pesquisa, também estão sendo avaliadas árvores individuais, chamadas matrizes, que possuam características desejáveis para cultivo sistematizado, como frutos maiores, mais doces e produção precoce de frutos. Em 2008, mudas produzidas a partir dessas matrizes, chama das progênies, foram plantadas em áreas de experimentação no centro de pesquisa de Viamão. “Por tudo o que se sabe sobre o butiazeiro, a expectativa era que as progênies só viessem a dar frutos depois dos 10 anos de idade. Mas uma delas, cujas sementes vieram de uma árvore de Esteio, começou a produzir frutos em apenas quatro anos”, conta Gilson.
Além da precocidade, estas árvores estão gerando frutos maiores do que o normal, com grau brix – que atesta se a fruta é mais doce ou não – mais elevado. “Elas agregam vários fatores importantes do ponto de vista agronômico. Outro aspecto positivo é que, depois de 10 anos, todas as progênies avaliadas já possuem pelo menos uma planta em fase produtiva”, avalia.
Demanda maior que a oferta
O butiazeiro pode ser explorado comercialmente para a venda da fruta in natura, o suco de butiá e a polpa, além de artesanato. Mesmo com uma produção de até 29 quilos por árvore sem trato cultural, o número de plantas em áreas naturais e em pomares instalados ainda é muito inferior à demanda atual, em algumas regiões. “Em Pelotas, por exemplo, tem uma empresa que produz sorvete, e todos os anos eles precisam de polpa, nunca tem o suficiente. A demanda é grande, e a produção atual da fruta não consegue atender”, constata o pesquisador Adilson Tonietto.
Para algumas localidades do Estado, o fator limitante para a produção do butiá é de outra ordem. “Em regiões como Tapes, existem extensos palmares naturais de butiá, onde a produção de frutos não é um problema. A questão é a necessidade de licenciamento ambiental e a elaboração de estratégias de manejo nestas áreas”, complementa Gilson.Além de todo o potencial para produção de frutos e seu beneficiamento em sucos ou polpas, o butiá também se apresenta como uma ótima opção para a Reposição Florestal Obrigatória, que alguns produtores devem cumprir a título de compensação por corte de árvores nativas ou recuperação de áreas degradadas. “O butiá é uma espécie nativa que pode ser explorada economicamente, então seu plantio para medidas compensatórias desperta muito interesse”, destaca Schlindwein.
Futuro da pesquisa
O próximo passo é desenvolver um programa de melhoramento, plantando este material selecionado em outros locais do estado para poder chegar a uma cultivar de butiá, um processo que levará mais alguns anos. “Por enquanto, a caracterização destas matrizes e a multiplicação de progênies já vão permitir a produção de mudas com procedência, sobre as quais é possível prever média de produção, época de frutificação, entre outras qualidades”, detalha Gilson.
Outra ramificação do projeto de pesquisa é aplicar a metodologia de quebra de dormência e produção de mudas em espécies diferentes de butiá, uma vez que a espécie pesquisada, Butia odorata, é mais prevalente na parte leste do Estado. “A região Noroeste tem muito interesse no butiá, mas lá tem outra espécie – o Butia yatay. A pedido dos produtores da região, estamos começando a desenvolver uma pesquisa para multiplicar as plantas de lá”, revela o pesquisador.
Texto: Elaine Pinto • Fotos: Fernando Dias