Por Armando Francisco Cardoso* – No mercado mundial do chocolate, que movimenta cerca de US$ 100 bilhões ao ano, o lugar dos produtores de cacau e o dos fabricantes e consumidores de chocolate sempre estiveram muito bem demarcados. Junto com países do continente africano, que hoje concentram cerca de 70% da produção mundial de cacau, o Brasil já foi um grande exportador do fruto, mas com a praga da vassoura-de-bruxa que no final dos anos 1980 dizimou 2/3 da produção do estado da Bahia, que concentrava 90% da produção nacional, o setor encolheu e teve que enfrentar longo período de recuperação.
Nos últimos anos, ao acumular sucessivas taxas de crescimento do consumo, o setor entrou em animadora fase de novos investimentos e inovações, tanto em produtos quanto em processos, com potencial de reconfigurar o setor e alça-lo a um novo patamar de importância. No que diz respeito a investimentos, são ilustrativas as ações de duas líderes do setor no país e de uma “novata” que chegou mostrando saber que pode ir longe.
O grupo CRM que conta hoje com cerca de 800 pontos de venda e receita anual em torno de R$ 1,5 bilhão, desde a aquisição em 2004 da Kopenhagen e em 2009 da Chocolates Brasil Cacau, tem mostrado um apetite para ampliar seus negócios e, sob a direção de Renata Moraes Vichi, vem adotando estratégias orientadas aos diferentes nichos do mercado, sendo disto exemplo a joint-venture firmada em 2014 com a renomada marca suíça Lindt, fortalecendo sua presença no segmento premium.
Com muita determinação a Cacau Show, que tem mais de 2,2 mil unidades e em 2018 faturou R$ 3,5 bilhões mantém uma política de investimentos, em parte financiada pelas franquias, inaugurando a cada ano mais de uma centena de lojas. Também de olho no segmento premium, lançou no ano passado a Bendito Cacau, que promete acirrar a disputa nesse nicho que cresce a taxas animadoras.
Mas é de uma “novata” que tem vindo os sinais mais ousados e despertado atenção. Sem se inibir pelos problemas da vassoura-de-bruxa ainda presentes na região cacaueira da Bahia, o empresário Guilherme Leal, conhecido pelo arrojo com que conduz a Natura, vem nos últimos anos investindo fortemente na compra de fazendas e em estudos sobre o setor cacaueiro da região.
Os investimentos de Leal têm revelado um escopo muito maior que o de mais um projeto de produção de cacau estimulado por bons números do mercado. A entrada do empresário no setor está estruturada por um projeto social, de intervenção para retomada do dinamismo da região e melhora dos processos em cada elo da cadeia produtiva, o que deverá redundar em aumento da renda de produtores, melhora da infraestrutura regional, além da geração de novos negócios. Em sua nova empreitada Guilherme Leal conta com a parceria engajada de Stevan Sartorelli, CEO da Dengo, a nova marca de chocolate que vem se fazendo presente no mercado desde 2018 com lojas em São Paulo e Rio de Janeiro.
Se nos elos da produção e da distribuição a movimentação tem sido grande, o mesmo pode ser observado no primeiro elo da cadeia produtiva, que hoje conta com importantes produtores também em outros estados como é o caso do Pará, que se tornou o segundo maior produtor nacional, logo depois da Bahia.
Como avaliou recentemente o empresário e promotor do setor Marco Lessa “a expansão da cacauicultura no Pará, fomentada pelo governo do Estado e pela Ceplac, jogou luz sobre o potencial da quantidade e da qualidade do cacau da região Norte”.
Na produção do Pará têm sido marcantes os processos de agregação de valor, engajando desde pequenos a grandes produtores, voltados ao aumento da produção do cacau fino que depende, sobretudo, de cuidados especiais no plantio, colheita, fermentação e secagem das amêndoas.
Os bons resultados disso têm sido atestados por eventos como o Concurso Nacional de Qualidade Cacau Especial do Brasil, realizado no começo do ano em Ilhéus (BA) quando Ervino Gutzeit e sua filha Elcy Gutzeit, tradicionais e empreendedores produtores do Pará, ganharam respectivamente o primeiro e o segundo lugar na categoria blends. E de olho no Prêmio Internacional de Cacau (ICA), oito amostras das melhores amêndoas do país já foram enviadas para a comissão avaliadora do Salão do Chocolate de Paris, que ocorrerá em outubro próximo.
Costa do Marfim, Gana e Camarões lideram os rankings mundiais de produção de cacau e exportam a matéria-prima para grandes indústrias de chocolate da Europa, Estados Unidos e resto do mundo, retendo muito pouco da riqueza gerada pelos produtores nacionais. Diferentemente desses países, o Brasil é o único produtor de cacau que conta com todos os elos da cadeia produtiva bem representados, isto é, além de produtor da matéria-prima é grande produtor e consumidor de chocolate.
Com o novo ciclo iniciado, o setor cacaueiro brasileiro pode se tornar exemplo de que a criação de valor econômico não só é compatível como se fortalece com a criação de valor social, e essa compreensão pode levar a significativas transformações.
(*) Arnaldo Francisco Cardoso é professor e pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Higienópolis e Alphaville. Atua nas áreas de Economia, Comércio Exterior e Inteligência de Negócios.