Por Lineu Neiva Rodrigues* – Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que, para atender ao crescimento populacional e às novas demandas por alimentos, a produção mundial de cereais terá que aumentar cerca de um bilhão de toneladas até o ano 2030. Esse aumento previsto dependerá prioritariamente da disponibilidade hídrica para suprir as demandas de irrigação, que será responsável por atender cerca de 80% dessa produção adicional que ocorrerá entre 2001 e 2025.
Segundo Postel, no mundo, a agricultura irrigada é responsável por cerca de 40% de toda produção, viabilizando produzir fisicamente, em uma mesma área, até quatro vezes mais que a agricultura de sequeiro. Para evidenciar a importância da agricultura irrigada na produção global de alimentos, Sojka et al. (2006) comentam que seria necessário expandir a área de sequeiro em cerca de 250 milhões de hectares para se obter uma produção equivalente à produção média adicional que é proveniente de áreas irrigadas.
Embora o Brasil detenha cerca de 12% da água doce superficial disponível no Planeta, 28% da disponibilidade nas Américas e possua, ainda, em seu território, a maior parte do Aquífero Guarani, a principal reserva de água doce subterrânea da América do Sul, o país tem enfrentado problemas hídricos em várias regiões. Segundo relatório da OCDE (2015), a água se tornou um fator limitante para o desenvolvimento econômico do Brasil e fonte de conflitos em várias regiões.
A água é um recurso de grande importância para todos os setores da sociedade e atender a todos os usos e usuários requer um trabalho coordenado de planejamento e gestão de recursos hídricos. Não se pode pensar em segurança alimentar dissociada da segurança hídrica, pois para produzir alimento uma quantidade significativa de água deve ser mobilizada.
Neste contexto, é importante aprender com os erros do passado e aproveitar o momento para planejar um futuro melhor, que consiste necessariamente em tratar a água como um bem estratégico para País. Para isto, é preciso integrar a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) com as demais políticas públicas. É fundamental definir as prioridades de uso da água, levando-se em consideração as necessidades básicas do País e as especificidades de cada região.
Não se pode pensar em agricultura e desenvolvimento sustentável sem que haja um equilíbrio entre oferta e demanda de água. O Brasil é um país de dimensões continentais com grandes diferenças sociais, ambientais e econômicas, o que faz da gestão uma atividade muito mais desafiadora. Fazer a gestão de forma igualitária em todo país, pode levar a conflitos em bacias hidrográficas que já se encontram em estado crítico em termos de disponibilidade hídrica. A gestão deve considerar as desigualdades hídricas regionais e ter um olhar diferenciado para as bacias hidrográficas críticas, onde a disponibilidade hídrica já está comprometida, assim como onde já é realidade a ocorrência de conflitos pelo uso da água.
A vazão média anual de todos os rios do mundo é da ordem de 40.000 a 50.000 km³/ano. No Brasil, os recursos hídricos de superfície correspondem a uma vazão média da ordem de 5.676 m³/ano, ou cerca de 12% do total mundial, podendo chegar a mais de 16% se as vazões dos rios provenientes de países vizinhos forem contabilizadas. O desafio é gerenciar adequadamente essa água, que implica em alocar os recursos entre os diversos usuários, reduzindo os conflitos e trazendo segurança hídrica.
Atender as demandas atuais e futuras por alimento requererá um rápido aumento de produtividade, que precisa ser feito sem danos adicionais ao ambiente. Para que isso ocorra, é fundamental que os princípios de sustentabilidade sejam parte central das políticas agrícolas. Produzir de forma sustentável não é uma tarefa simples. É necessário reduzir o crescimento horizontal (aumento do uso dos recursos naturais), aumentar o crescimento vertical (aumentar a eficiência) e considerar o fato que as tomadas de decisão estão cada vez mais complexas e que a agricultura está cada vez mais pressionada na direção da multifuncionalidade, principalmente, na produção de alimentos, fibras e energia.
Com estimativa atualizada de cerca de sete milhões de hectares irrigados, o Brasil é um dos poucos países do mundo, se não o único, com capacidade de triplicar a sua área irrigada com sustentabilidade, trazendo contribuições efetivas para o meio ambiente, para o desenvolvimento social e econômico do País, com geração de empregos estáveis e duradouros.
A irrigação, principal usuária de recursos hídricos, apresenta características de uso bastante diferente dos demais usos. A demanda de irrigação é muito variável de ano para ano. Isso dificulta a gestão e deixa o irrigante com a impressão de que a alocação de água não está sendo feita de forma correta. Essa falsa impressão ocorre pelo fato de as outorgas serem fixas e as demandas serem variáveis, fazendo com que, nos anos de baixa demanda, haja água em excesso nos rios, trazendo ao irrigante a percepção de que ele poderia ter mais água para sua irrigação.
O desenvolvimento de uma agricultura sustentável passa, necessariamente, pelo uso sustentável dos recursos hídricos, que por sua vez, depende de uma gestão que incorpore os usos múltiplos da água e considere os fundamentos e diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos. É importante fortalecer os mecanismos que contribuem para aumentar a oferta hídrica na bacia hidrográfica.
O desafio atual da agricultura irrigada é garantir um suprimento adequado e regular de alimentos para a sociedade com o menor consumo de água possível. A alocação de água para fins agrícolas gera benefícios sociais, econômicos e ambientais que não são apropriados somente por um usuário, mas por toda a sociedade. É importante que os agricultores estejam atentos aos avanços tecnológicos, uma vez que as novas tecnologias podem contribuir para melhorar a eficiência do sistema, facilitar o manejo e beneficiar o ambiente.
A irrigação precisa de uma gestão com olhar ampliado. O produtor precisa ter uma visão além de sua propriedade e de sua área de produção. É preciso, sempre, uma visão macro, da bacia hidrográfica. A irrigação tem que ser feita olhando a bacia hidrográfica. O rio é na verdade reflexo daquilo que acontece na bacia como um todo. Ou seja, é preciso olhar a bacia de forma mais integrada, considerar estratégias de conservação de água e solo, que vão refletir diretamente na quantidade e na qualidade das águas.
Rodrigues et. al (2017)* destacam que agricultura irrigada terá que se adaptar a uma sociedade cada vez mais dinâmica, exigente quanto à alimentação e quanto às questões sociais e ambientais e que, para isso, terá que enfrentar desafios institucionais, políticos, ambientais, estruturais, científicos, de capacitação, de comunicação, técnicos, tecnológicos e climáticos.
São vários os desafios a serem enfrentados para se produzir alimento com sustentabilidade, mas sem dúvida alguma os principais e de mais difíceis soluções são aqueles que não dependem somente do agricultor, tais como: (i) a gestão de recursos hídricos, que é peça chave no processo de ordenamento do uso de recursos hídricos e de segurança hídrica. Uma gestão adequada deve ser capaz de considerar as especificidades inerentes a cada setor usuário e as estratégias a serem adotadas para se alcançar o uso sustentável; (ii) integração efetiva e verdadeira das ações institucionais e das políticas públicas setoriais.
Essa integração parece simples de ser feita, mas é muito difícil de ser operacionalizada. Como, por exemplo, pensar em segurança alimentar sem se pensar em segurança hídrica e energética? Como pensar em segurança alimentar sem considerar, por exemplo, um trabalho integrado dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente? Como pensar em segurança alimentar sem que o produtor tenha segurança na sua atividade?
O fato é que utilizamos muito pouco dos nossos recursos hídricos. É preciso criar mais valor e bem-estar com os recursos disponíveis. Isso não significa, é claro, incentivar a cultura do desperdício de água. É importante definir as prioridades de uso nas bacias e lançar um olhar mais atento para aquelas bacias que já enfrentam problema de disponibilidade hídrica. Com uma gestão de recursos hídricos competente, é possível trazer segurança hídrica e atender a todos os usos e usuários sem comprometer a disponibilidade. Água é sinônimo de dialogar, de compartilhar e de integrar. Não é geradora de conflitos, mas sim de oportunidade para produzir alimento e desenvolvimento.
(*) Lineu Neiva Rodrigues é pesquisador da Embrapa Cerrados