Iniciativa busca disseminar que a importância da Amazônia para o mundo é proporcional ao seu tamanho. Além disso, produção de cacau de cooperativa paraense se mostra rentável e de qualidade.
A The Nature Conservancy (TNC) em pareceria com o Banco Santander realizou no último mês de setembro, em São Paulo, o evento “A Amazônia tem pressa: Experiências Empreendedoras”, que abordou assuntos, como por exemplo, construir uma política de conservação no País que se alinhe com ações de desenvolvimento sustentável construídas colaborativamente, apesar das diferenças. Ian Thompson, diretor de conservação e diretor adjunto da TNC no Brasil, comenta que a Organização Não Governamental (ONG) tem atuação global em mais de 70 países, e no Brasil a 30 anos e vem buscando soluções para compatibilizar o desenvolvimento em todos os seus sentidos, social, ambiental e econômico. “Acreditamos que todos nós temos dependência com a natureza e há a necessidade mútua entra ela e a sociedade. Então, é preciso trabalhar a seu favor, para depois não correr atrás de corrigir os erros”, declara.
Segundo o executivo, temos diversos desafios na Amazônia e há diversos atores lá com visões diferentes, e por vezes são criadas confusões sobre defende-la. “Queremos com esse nosso evento criar um diálogo e mostrar a necessidade da floresta, dos rios, mas que também as pessoas precisam de renda, de emprego, qualidade de vida para viver com dignidade por lá”. Para Thompson, a ideia é juntar as pessoas, com uma base objetiva para as discussões. “Trabalhamos com outras organizações para trazer informações científicas afim de que as pessoas possam ver que é possível dialogar e ver meios de chegar em condições melhores para todos”, diz.
Pensando pelo lado agrícola, o diretor comenta querer torná-lo mais eficiente no seu lugar, não precisando tomar toda área. “Trata-se de um sistema, então se pensar que tudo tem que virar soja e produção, perde-se o lado da natureza, que está protegendo os cultivos, dando água e clima, por exemplo”. Para ele, é na busca pelo equilíbrio que entende ter forte potencial na melhoria de produção, oferecendo oportunidade, sem ter que desmatar, valorizando mais a floresta. Outro ponto que para Thompson é importante, fica por conta de comunicar ao público urbano dos grandes centros, sobre este trabalho que a Amazônia faz para todos, uma vez que a cadeia é afetada pelo o que lá acontece. “Problemas relacionados à água, por exemplo, saem da floresta e chegam à cidade. Então todos estamos diretamente envolvidos com os problemas da Amazônia”, comenta. Para ele, é necessário aproveitar as crises que já vividas e analisar onde pode-se mexer para melhorar.
Karine Bueno é superintender executiva de sustentabilidade do Santander e comenta que o banco tem compromisso com o desenvolvimento sustentável do País, e por isso que esta é uma das causas que abraçam. “Entendemos que o Brasil só prospera se todos prosperarem e o propósito é ajudar as pessoas e os negócios, e assim não podemos deixar de lado a questão da Amazônia”. Segundo ela, é por isso que o compro-misso com agricultura sustentável, com energia renováveis, com micro finanças, e com educação superior é forte. “Desenvolvimento com conservação para achar o equilíbrio. Temos que buscar harmonizar as diferentes facetas, e quando conseguirmos compatibiliza-las, teremos um desenvolvimento superior”, declara.
A superintendente concorda com Thompson quanto à dificuldade de trazer estas necessidades para o público urbano, e diz que um dos pontos que tem a seu favor é que muitas das coisas são planejadas em grandes cidades, como São Paulo, por exemplo, o que traz novas reflexões sobre a situação lá da região. “Planejando daqui as pessoas descobrem, se interessam e buscam o melhor para a floresta e todos os habitantes destas regiões”.
Quanto ao agronegócio, diretamente falando, Karine revela que o Santander tem grandes planos de expansão, resgatando uma vocação que já vem lá de trás, do próprio Banespa. “Por isso que fazemos isto de forma rigorosa em questões sociais e ambientais, pois além do meio ambiente e ecossistema, queremos ajudar os produtores que querem melhorar suas práticas”, comenta.
Sucesso que “nasce no quintal”
Para lucrar e aproveitar o que a Amazônia dá para a região, e ilustrando a questão das melhores práticas, a Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica (Coopatrans), localizada em Medicilândia (Pará), tem a oito anos a missão de juntamente dos produtores fornecer amêndoa de cacau de qualidade. “Ou seja, aquela que passa por todos os processos desejáveis para atingir um padrão e assim, produzir um chocolate de bons atributos”, explica Hélia Félix de Moura, engenheira agrônoma e agricultora. Segundo ela, este processo é diferente das empresas e indústrias, que absorvem todo cacau, inclusive as suas impurezas. “O chocolate da Cacaway, marca da cooperativa, é feito de amêndoas selecionadas, o que faz toda a diferença no paladar do consumidor”. Atualmente a entidade tem 40 associados e o foco é produzir chocolate de cacau, sem agregar muitos ingredientes que fujam do natural.
Hélia conta que já nasceu agricultora, pois seu pai era produtor da região de Santarém (PA). “Bem nova fui morar em Manaus, onde estudei, fiz alguns cursos e casei com um agricultor da Transamazônica. Em 1997 vim para esta região e descobri minha vocação de ser agricultora”, conta. Segundo ela, a partir daí uma coisa puxou a outra e o curso que escolheu tinha tudo a ver com a agricultura. “Esse é meu caminho e o que proporciona a minha felicidade”. A produtora diz que a produção geral do município de Medicilândia está em torno de 1 kg a 1,2 kg por planta, distribuído durante o ano com uma safra e uma entressafra, entre dezembro e janeiro. “Na safra é quando temos o montante expressivo da amêndoa de cacau seca. Hoje tivemos safra recorde que deve ir para as 54 mil toneladas. A dois anos atrás estávamos em 45 mil”, declara. Mesmo com tais números considerados expressivos, ela diz que a atual realidade do produtor da região se destaca basicamente pela falta de assistência e uma acomodação de si mesmo. “Não basta ficar acomodado, temos que ser empreendedores, ser empresário, até porque todo proprietário de uma propriedade agrícola é um empreendedor. É preciso ter a visão de que se pode fazer sempre mais”, declara Hélia. Para ela, os apoios são bem-vindos, mas também são bem ausentes. “Precisamos de mais apoio dos órgãos governamentais para estas pessoas que colocam um alimento, como o chocolate, na mesa do povo brasileiro. O chocolate não nasce no supermercado, dentro da caixinha, ele nasce lá na árvore”.
Nesse sentido, a questão é ter valorização, pois as vezes as coisas ficam ocultas aos olhos do consumidor, e a mente bloqueia pensar no “além da prateleira”. “O interessante é ter a visão da porteira para dentro, como todos nós que moramos na região temos, com nossas dificuldades e sabendo o quanto podemos fazer, e fazer bem feito”, diz. Hélia comenta que o que a cooperativa oferece para o mercado é um produto de qualidade, focado na questão da saúde, e a Cacaway vem para trazer esta mudança no dia a dia na alimentação.
Comercialização e expansão
Em 2010 quando a cooperativa começou, os associados foram aprender como se fazia o chocolate, buscando as melhores técnicas, pensando em produzir um produto de qualidade que pudesse ser vendido, e assim gerar lucros para todos. Dessa maneira, logo de início foi instalada uma loja dentro da própria indústria, onde o visitante chegava e deva de cara com ela. “Digo que esta unidade foi providencial em exibir o que nós estávamos produzindo e a partir daí as pessoas foram visualizando e nós com a necessidade de expandir, fomos indo para os municípios vizinhos, pingando pequenos pontos de venda para ver como se comportavam”, declara a produtora. Além disso, segunda Hélia, a ideia é não ter os produtos nas prateleiras dos supermercados, para não se tornar mais um em meio a muitos, e como grande parte dos consumidores não conhece, acabaria não sendo comprado. “A nossa mídia foi o boca a boca, com a inserção de pontos de vendas. Mas, com o passar do tempo vimos que estes não eram viáveis e não se mantinham, mal gerando renda para pagar o próprio aluguel”. Assim, resolveu-se diversificar os produtos, agregando embalagens artesanais, entre outros pontos. Atualmente, com o sucesso atingido, a Cacaway tem nove lojas, com a maioria localizada no Pará. “As que não estão lá ficam em Goiânia, uma pequena no Ceará e em Macapá, e em São Paulo temos uma dentro do Hospital Albert Einstein”, conta.
A produção da Coopatrans ainda é pequena, pois produzir toneladas de chocolate para uma mini-indústria é difícil. “Nossos equipamentos são pequenos e trabalhamos com seis colaboradores na área de produção, mais cozinha e serviços de administração, que somados dão 15 pessoas ao total trabalhando na indústria”. Hélia explica que estas pequenas máquinas conseguem processar de 80 a 100 kg atualmente e no processamento de amêndoas, o montante está em cerca de duas mil toneladas/mês. “Para se ter noção do nosso crescimento, em 2007 processamos no ano inteiro 27 toneladas”.
Para os próximos passos, a produtora diz que o plano é continuar expandindo, vender e dar retorno financeiro aos produtores. “Queremos ganhar muito dinheiro fazendo chocolate, pois quando se pensa em regiões amazônicas não basta termos apenas a parte sócio-ambiental, a econômica é bastante importante também”, diz Hélia. Segundo ela, o desejo é compensar financeiramente todo trabalho realizado pelos produtores da região, que recebem bônus de até 60% em cima da qualidade da amêndoa que está sendo processada. “Da maneira que trabalhamos com o cacau, afirmo que a Amazônia se torna uma fonte inesgotável, porque só estamos ali agregando espécies que vão fazer bem a biodiversidade do bioma”, declara a agricultora, que complementa dizendo que é viável e dá dinheiro ser produtor de cacau. “Só é preciso adotar algumas técnicas que irão favorecer o homem do campo com uma melhor produtividade”.
Texto: Bruno Zanholo • Fotos: Bruno Zanholo e Arquivo Revista Rural