No regime de confinamento, os cuidados com o bem estar animal se mostram ainda mais importantes. Erros podem comprometer toda a rentabilidade do negócio.
Nos campos espalhados pelo Brasil a pecuária vem se desenvolvendo e busca a cada dia melhorar seus níveis de excelência, pensando no bolso do homem do campo e também no produto que chegará à mesa da população. Dessa maneira, aplicar os conceitos embarcados no bem-estar do rebanho confinado tem sido primordial para que ao final do trabalho o produtor e o consumidor se sintam satisfeitos. Um exemplo disso é Rodrigo Carvalho Naves, de apenas 25 anos. Ele é confinador da região Jataí, Goiás, e formado em administração resolveu investir e comprar sua própria fazenda, para realizar este trabalho com o agronegócio brasileiro. “Adquiri esta propriedade de 160 alqueires e venho a intensificando e investindo bastante em tecnologia, adubação e manejo, buscando aumentar minha produção”, declara. Segundo ele, a escolha pelo confinamento se deu devido a ter estratégias interessantes na terminação do animal, como por exemplo, antecipar o ciclo, não tendo que esperar dois anos para levar um bezerro a boi gordo e sim apenas um. “Para isso acontecer, investi bastante em currais, tratores, vagões, barracões para guardar in-sumos e fábrica de ração”.
Naves atualmente tem 1.250 animais, fazendo dois giros de engorda, com o primeiro em 450 e o segundo que será de 800. “São nove currais que trabalham com 100 bois em cada um. Os investimentos não param e agora vou colocar sombrite em confinamento, além de irrigação com aspersor para amenizar o calor e a poeira”, diz. Para ele, o bem-estar animal é uma coisa que cada vez mais busca aplicar e as principais medidas que tem tomado em relação a isso ficam por conta da topografia dos currais, onde não há acumulo de água, trabalhar sempre dentro da metragem que o boi precisa (cerca de 12 metros) e ter espaço correto de coxo, onde hoje trabalha com 45 cm por animal. “É rentável aplicar este conceito, uma vez que quem não o faz no Brasil não consegue desenvolver bem. Um boi bem tratado tem tudo para trabalhar em seu potencial máximo, ficando assim, com índice de perda bastante pequeno”. O confinador recorda que nos primeiros anos deixou de lucrar com isso devido à falta de experiência, mas que hoje já adequou o trabalho e tem o sistema rodando dentro dos conformes. “Em meu primeiro ano o ganho diário era de 1,4 a 1,6 kg. Já hoje consigo ter de 1,8 a 2,0 kg, e a tendência é cada vez mais este número crescer”, comenta. Já Luiz Antônio Chaves Júnior, pecuarista acostumado a trabalhar com cria e recria, a dois anos atrás entrou no mundo do confinamento e desde então tem investido para montar a estrutura em sua propriedade, localiza-da no município de Jussara (GO). Ele conta que no ano passado o primeiro giro foi feito com 1.000 animais e neste ano manteve este mesmo número, com objetivo de em 2019 fechar em dois mil. “Neste pouco tempo vejo que o custo da produção é bastante elevado, por mais que lá na frente se colha os frutos monetários de todo o sistema”, diz. Segundo ele, esta dificuldade varia do aporte que cada produtor possui, e que em seu caso é uma luta diária, na qual insiste visando o lucro futuro.
Diferentemente do habitual deste mercado, que em sua maioria confina bois da raça Nelore, Chaves decidiu trabalhar com o Senepol. “Descobri esta raça em 2015 durante a Exposição Agropecuária de Goiânia, onde buscava alguma novidade para fazer uma mudança na minha vida de pecuarista. E devido a facilidade do trato com o animal, e por ele se enquadrar também à minha propriedade, que é pequena, comecei a trabalhar com ela”, declara. Segundo o confinador, uma das qualidades que vê no bem-estar deste animal é o ganho de rendimento de cada indivíduo, que gera produtividade a mais. “Além de buscarmos melhorias, fazemos uma pré-adaptação do boi no pasto, uma vez que estamos em uma região com temperaturas elevadas”. Ele comenta que a escolha do Senepol também se deu por conta de ser uma raça mais dócil, de mais fácil manejo, com ganho de rendimento no confinamento e eficiência alimentar melhor. “Buscamos alinhar a genética destes animais com o bem-estar e assim realizar nosso trabalho”, diz.
Para aqueles produtores que ainda não entenderam a importância de levar o conceito a sério, Chaves comenta que já está provado que se o produtor não cuidar do bem-estar do rebanho, o animal vai ficar estressado, brigando no coxo, entre outros pontos que irão fazer a diferença negativa ao final do processo. “O confinador tem que se preocupar com os mínimos detalhes, buscando todos os investimentos que lhe é possível e adotando tecnologia, pois assim, o animal irá agradecer e render de uma forma diferenciada, ganhando peso. É o famoso efeito dominó”, declara.
Mercado instrutivo
Não é somente por parte do homem do campo que há preocupação em aplicar o conceito de forma correta. Para as empresas dos setores de saúde e nutrição animal, instruir e participar ativamente dos processos à campo é de grande relevância para o sucesso da atividade.
Marcos Sampaio Baruselli, gerente da categoria confinamento da Tortuga, uma marca da DSM, investir em bem-estar animal no confinamento é de extrema importância hoje para garantir o resultado zootécnico e financeiro da atividade. “O gado quando está com conforto, bem alojado, bem manejado e respeitando as condições de bem-estar, produz mais, por estar menos estressa-do”. Isto reflete diretamente nos indicadores financeiros, porque o boi tem mais peso, ganha carcaça de melhor qualidade e gera uma melhor carne.
Já o lado oposto é que quanto mais o animal se estressa, seja por conta do manejo ou da instalação, além de engordar menos, irá fisiologicamente começar a produzir cortisol e adrenalina. “Isso reduz a imunidade do animal, expondo-o a doenças e deixando-o mais enfermo. A partir daí o confinamento começa a ter uma série de desordens que traz prejuízos ao confinador”, declara Baruselli.
O gerente diz que hoje os confinamentos brasileiros são bem atentos aos fatores necessários para o bom desenvolvimento do conceito, mesmo que os confinadores saibam que terão que colocar a “mão no bolso” para tal. “Em relação a espaço, por exemplo, se trabalha com 10 a 14 m² por animal na estação da seca e a área dobra na estação das águas, provendo mais conforto a eles”. Na área de coxo, o espaço indicado é entre 40 e 50 cm por indivíduo, para não haver conflitos na hora do ali-mento do gado. “Já quando se fala em investimento para se obter isso tudo, penso que o caro é não o ter na propriedade, porque aí vem os prejuízos com a queda de produtividade. Os investimentos quando bem feitos se pagam com a qualidade que os animais irão prover”, comenta.
Mateus Marinho, gerente de produto da linha gado de corte da Bayer Saúde Animal, declara que o bem-estar tem que começar desde a chegada dos animais, com o desembarque, aplicação correta de medicamentos e a condução dentro dos currais. “Isso facilita o processo de adaptação no confinamento, impactando no ganho de peso diário deles”. Uma vez que o produtor vacile e não tome cuidado com estes e outros pon-tos, dores de cabeça como por exemplo, abscessos por erro de aplicações e perdas locais quando se agride e utiliza força excessiva no animal, irão impactar na qualidade final da carne. Segundo Marcos Buso, gerente executivo do departamento técnico da Ouro Fino, todo aspecto que melhore o índice zootécnico, principalmente na fase de terminação, é importante para que o gado tenha a conversão de tudo aquilo que está ingerindo em proteína animal. “Para se obter lucros dentro deste processo, há aspectos que são importantes até previamente ao processo de terminação, como a escolha da genética, da nutrição, e também do manejo para que o animal seja bem servido”, diz. Já em sanidade, promover o bem-estar dos animais desde o aspecto do aparelho digestório até o respiratório, é importante para o desenvolvimento total do gado.
Impacto sentido no paladar
Com maior ganho de peso e conforto, menos estresse e melhor giro de negociação entre produtor e frigorífico, a ponta da cadeia, ou seja, o consumidor de carne bovina também faz parte deste processo que engloba o conceito do bem-estar. Quem é que não quer uma carne macia e suculenta para seu almoço ou jantar? Pois é também pensando neste cliente final que o confinador trabalha todos os detalhes a seu alcance, para a satisfação de todos os elos. Daniel Rodrigues, gerente técnico da MSD Saúde Animal, diz que é importante que a sociedade busque cada vez mais um produto com maior qualidade e que tenha passado pelos melhores processos. “Dessa forma, este conceito é vital para que o capital gire no mercado e atraia cada vez mais novos consumidores que prezem por excelência em seu consumo”, comenta.
Marinho segue a linha de pensamento do gerente e diz que é uma tendência em bem-estar animal o público consumidor estar se atentando a estes fatores, ou seja, passar a ter a exigência de saber por onde aquela carne passou e de que maneira foi tratado o animal, até que chegasse a sua mesa. “Isso só nos dá maior necessidade de atenção e trabalho sério em nosso dia a dia, para oferecer o melhor para quem está lá na outra ponta”.
Baruselli diz que o que o consumidor tem que saber é que o confinamento é um sistema intensivo de produção de carne animal que leva em conta o bem-estar, também pensando nele. “Os confinadores estão atentos a este aspecto e os animais são bem tratados, bem alimentados, recebem suplementos vitamínicos na ração, dieta balanceada e conseguem dar respostas zootécnicas de até 2 kg por dia de ganho de peso, aumentando a qualidade final da carne”. Neste sentido, o produtor Luiz Chaves comenta que hoje a preocupação do cliente é saber se o animal tem qualidade de vida, e busca saber a origem daquele alimento que está consumindo. “É desta forma que eles saberão se irão degustar uma carne diferenciada, de características elevadas”, diz.
Tecnologia joga a favor
Cada vez mais sendo aceita na pecuária brasileira e tendo maior adoção por parte dos pecuaristas, a tecnologia vai a campo para ajudar a disseminar o conceito do bem-estar animal nas propriedades rurais brasileiras. Segundo Baruselli, hoje temos uma variedade grande à disposição, como por exemplo, a Alfa Amilase, enzima que ajuda na digestão do milho que o animal está consumindo. “Os confinamentos es-tão trabalhando com maiores níveis de concentrados, como soja e milho, e abaixando alimentos volumosos, como a cana-de-açúcar. Nesse sentido, estamos tratando melhor o trato digestivo do animal, que por sua vez produz de maneira mais sus-tentável”, declara. O executivo da Tortuga crê que a pecuária de cor-te vem passando por uma mudança intensa, com a tecnificação dos confinamentos e toda a questão que engloba produzir carne sustentável. “A intensificação da pecuária brasileira com certeza torna isso mais possível e palpável”. Para Marinho, da Bayer S.A, de fato a tecnologia está chegando forte na pecuária e cada vez ela ajuda a produzir melhor. “Trabalhamos com sensores e balanças que fazem pesagens diárias dos animais, com monitoramento das doenças, entre outros pontos. E com esse advento conseguimos tratar os animais doentes de maneira mais rápida, descobrindo cedo a doença e impactando positivamente no bem-estar e na qualidade do produto final”, diz. Porém, para ele, de nada adianta adotar e tecnificar a fazenda se não houver a preocupação em capacitar os funcionários que lidam no dia a dia com o gado. “Acredito que onde temos que investir é na mão de obra, com treinamento e capacitação das equipes, para entender o porquê das mudanças no modo de agir dentro do rebanho”. O gerente diz que de nada vale investir milhões em estrutura se a equipe não estiver preparada para a nova realidade de trabalho. Isso vai de encontro com a opinião de Marcos Buso, que declara que é preciso investir nas pessoas que tomam conta dentro do sistema de terminação, haja visto que algumas pesquisas apontam que a dificuldade de diagnosticar desde um problema de casco, a um respiratório, afeta o produtor na hora de tomar atitudes para otimizar e melhorar a produção.
Rodrigues, da MSD, diz que o homem do campo quer usufruir da tecnologia na hora de realizar diagnósticos, para melhorar utilização dos insumos e na relação das equipes das fazendas com o gado, onde ajudará a identificar problemas mais rapidamente e assim, tratar com maior eficácia. “Quando pensamos em bem-estar animal, às vezes nos cegamos em pensar somente nos animais, mas o maior bem que se deve causar são nas pessoas. Então, a primeira ferramenta que modifica o processo são os funcionários das propriedades”, declara.
Fernanda Macitelli Benez é professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e participou do desenvolvimento de uma pesquisa que já dura dez anos e que mostra que determinados manejos melhoram o bem-estar dos animais e melhoram a produtividade em até 25%. Trata-se do uso do sombreamento artificial, familiarizar os animais antes de fazer o confinamento, reduzir o tamanho de lotes e aumentar a densidade de espaço por animal. “Durante este período tenho notado as mudanças na pecuária, como por exemplo as margens de lucros, que tem ficado mais estreitas”, diz. Assim sendo, qualquer 50 gramas a mais fazem a diferença para o produtor no final. Observando isso, os pesquisadores foram procurar estratégias para melhorar o desempenho dos animais e atualmente resultados chegam a melhorar 150 gramas por dia. “É preciso investir no bem-estar como um todo, e não escolher algum dos pilares apenas”. Em cima disso, ela percebe que o produtor ainda não entende este fato, de início, mas em todas as fazendas onde levaram o estudo e focaram nas mudanças em um ou dois ciclos, os resultados renderam e a percepção por parte do pecuarista passou a ser outra.
Desta pesquisa nasceu um manual, e Fernanda diz que o foco não é ensinar a montar confinamento, mas sim mostrar onde o produtor pode melhorar para aumentar o desempenho dos animais. “Além disso, quisemos focar num ponto que poucas pessoas focam que é o indivíduo e não no lote. É preciso se preocupar com cada animal que está lá”, comenta. Segundo ela, o guia traz também estratégias de monitoramento diário de saúde, alimentação e de comportamento, entre outros.
A professora conta que nas andanças pelas fazendas brasileiras, aplicando os pontos de mudanças que o estudo sugere na utilização de sombras, por exemplo, a maioria era de gado Nelore, onde os produtores diziam que não era preciso a utilização de sombra. “Nesses locais conseguimos um ganho de 80 a 120 gramas a mais por dia”. Um outro exemplo vivenciado fica a cargo da questão da densidade, onde o produtor dizia que aumentar espaço não iria gerar mais ganhos, e no fim viu que isso dava uma diferença de quase 140 gramas a mais por dia numa mudança de área de 6 para 24 m². “Isso mostra que eles acabam se surpreendendo em coisas que parecem óbvias, que é dar melhores condições aos animais”, declara.
Para Fernanda estas questões apontam que daqui para frente na pecuária como um todo, podemos esperar bastante intensificação e pensar que o bem-estar animal será cada dia mais relevante para o sucesso econômico do processo.
Texto e Fotos: Bruno Zanholo