O professor do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Everardo Mantonovani, traçou para a Revista Rural um panorama da irrigação agrícola no Brasil. Ele é autor de quatro livros e publicou cerca de 300 trabalhos científicos e técnicos relacionados a irrigação, culturas irrigadas e gestão da irrigação.
Revista Rural – Como o senhor vê a irrigação agrícola em nosso país?
Everardo Mantonovani – Diante do cenário atual, em que passamos sérios problemas de distribuição das chuvas e abastecimento de água, que preocupam toda a sociedade e que têm trazido grande prejuízo a inúmeras regiões do país, um ponto importante a ser considerado é que a demanda de alimentos no mundo não para de crescer. Estudos divulgados pela da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) estimam uma população de cerca de nove bilhões de habitantes para 2050 e uma necessidade de expandir a produção de alimentos entre 60% e 70%, sendo que 90% desse valor deverão vir do aumento de produtividade e apenas 10% do aumento da área plantada. Nesse contexto, existe o consenso de que a expansão da agricultura irrigada brasileira e mundial é a base para que estas demandas sejam atendidas. Assim, o trabalho dos profissionais dedicados ao agronegócio no Brasil atinge uma dimensão maior, onde a comprovação de que é possível uma agricultura irrigada sustentável é fundamental.
Rural – É possível altos níveis de produtividade na agricultura de larga escala sem a irrigação?
Mantonovani – Produção de alimentos exige água, seja na agricultura de sequeiro, seja na irrigada, e isso faz parte da natureza em que vivemos. Costumo fazer uma comparação: os humanos adultos dependem do sono para sobreviver, assim, seria um absurdo criticar uma pessoa por passar 1/4 ou 1/3 da vida dormindo considerando o normal de 6 a 8 h/dia de sono. O tempo normal que uma pessoa passa dormindo não é um desperdício ou falta de compromisso, e sim uma demanda fisiológica e emocional que permite que ela tenha uma vida saudável. Fazendo um paralelo entre a necessidade de sono e a de alimentos, podemos concluir que o uso da água dentro de limites adequados na agricultura irrigada é condição de sobrevivência, e não um luxo. Isso porque sem a agricultura irrigada não há como atender às demandas atuais e futuras de produção de alimentos, fibras e agroenergia.
Rural – A irrigação garante um uso eficiente da água, sem desperdícios?
Mantonovani – A agricultura irrigada mundial ocupa cerca de 17% da área plantada e gera entre 40 e 50% da produção mundial. Dentro de certos limites específicos para cada região e época do ano, existe uma lâmina ou volume de água adequados sem os quais a produção de alimentos, fibras e bioenergia ficaria comprometida, assim como a sobrevivência de todos nós. Essa quantidade, que conseguimos estimar de maneira segura, é parte essencial do sistema de produção e não faz parte de nenhuma forma de uso indevido, o que muitas vezes não é compreendido pela sociedade e pelos meios de comunicação. Ela possibilita produções adequadas, e seu uso é tão legítimo e importante quanto as 6 ou 8 horas de sono diário. Em 30 anos de trabalho, o foco tem sido pesquisar, entender a dinâmica, gerar e aplicar tecnologias que possibilitem o uso eficiente da água na agricultura irrigada. Muito mais que uma estratégia básica de ensino, pesquisa e extensão, os trabalhos desenvolvidos complementam-se, promovendo soluções para grandes, médios e pequenos produtores irrigantes, que permitam a continuidade da produção de alimentos em níveis aceitáveis de uso de água, energia, mão de obra e outros insumos.
Rural – Quais os maiores desafios para ampliar o uso da irrigação na produção agrícola do país?
Mantonovani – Todos os que trabalhamos com este foco estamos envolvidos com um dos pontos essenciais do momento atual, que é a produção de alimentos de forma sustentável. A água usada eficientemente para produzir é uma demanda legítima e fundamental. O problema é o uso excessivo e desordenado, que não interessa a ninguém, muito menos ao produtor irrigante.
Analisando os ganhos específicos de economia de água do trabalho de gestão de algumas empresas nacionais, conclui-se que são muito significativos e importantes, mas existem outros benefícios que merecem ser considerados. São eles: aumento da produtividade, uso eficiente da energia, eliminação ou diminuição das contaminações das águas superficiais e subterrâneas, melhoria das condições de fitossanidade das culturas e dos tratamentos, comprovação em grande escala de que é possível produzir alimentos de forma sustentável, exposição dos sistemas e componentes de irrigação mais eficientes. Assim, acredito que possamos falar sobre a água de cabeça erguida e continuar nosso trabalho em prol de uma agricultura irrigada eficiente na produção sustentável de alimentos e agroenergia.