De acordo com o último relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, da Agência Nacional de Águas (ANA), a irrigação é a atividade responsável por 72% do consumo de água no Brasil. O primeiro estudo em escala nacional sobre o tema identificou aproximadamente 18 mil pivôs centrais ocupando uma área de 1,18 milhão de hectares – área que representa um aumento de 32% em relação ao Censo Agropecuário de 2006.
Segundo o trabalho, quatro estados concentram quase 80% da área ocupada por pivôs centrais no País: Minas Gerais (31%), Goiás (18%), Bahia (16%) e São Paulo (14%). Estes estados contribuem para uma concentração de uso de pivôs nas bacias dos rios São Francisco, Paranaíba, Grande e Parana-panema – cerca de 350 mil, 300 mil, 100 mil e 90 mil hectares respectiva-mente. Estas regiões ficam em áreas densamente povoadas e com alto índice de industrialização, o que resulta num maior consumo de água. Considerando regiões hidrográficas, a do Paraná concentra quase 530 mil hectares (nela estão as bacias do Paranaíba, Grande e Paranapanema) e a do São Francisco acumula 350 mil ha.
O estudo foi realizado pela ANA e pela Embrapa Milho e Sorgo (MG), levando em consideração a crescente expansão da agricultura irrigada no Brasil, os conflitos pelo uso da água, a carência de dados atualizados sobre as áreas irrigadas e a necessidade de planejamento e ordenamento da atividade em bases econômicas e ambientais sustentáveis. A técnica de pivô foi escolhida como objeto do levantamento por ser o método de maior expansão no País nos últimos anos. A parceria entre as duas instituições vai até o fim deste ano e está sendo realizado o levantamento referente a 2014. Assim será possível fazer um comparativo quantitativo dos pivôs a curto prazo, entre 2013 e 2014.
Com os resultados, os principais polos de expansão da irrigação poderão ser monitorados mais amplamente e o restante do País poderá ser monitorado com periodicidade bienal ou trienal. Com o levantamento, que utilizou imagens de satélites e a análise delas, é possível aperfeiçoar as estimativas de demandas da água e os dados podem ser utilizados na elaboração de planos de recursos hídricos, em estudos de bacias críticas e em publicações, como o relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil.
Com a necessidade de racionalizar o uso da água pela a crise hídrica vivida em algumas regiões do Brasil, é natural que os olhares se voltem para a agricultura, onde estão os maiores usuários da água no Brasil.
A partir do cruzamento das bases de dados referentes à agricultura irrigada com as bases de bacias hidrográficas (da ANA) e de municípios (do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os gestores públicos poderão ter informações para gestão do uso da água na irrigação e a avaliação da safra agrícola.
Outra possibilidade para utilização dos dados obtidos pelo estudo é o cruzamento com cadastros e outorgas de recursos hídricos, apontando o nível de regularização nas sub-bacias. Assim, é possível planejar campanhas de regularização e fiscalização de usuários de água.
Agricultura: vilã ou heroína?
De acordo com Hiran Medeiros Moreira, engenheiro agrônomo e diretor da Irriger Gerenciamento e Engenharia de Irrigação, uma empresa do Grupo Valmont, “com a maior necessidade de racionalizar e economizar o uso da água perante a crise hídrica vivida por algumas regiões do Brasil, é natural que os olhares sejam voltados para a agricultura, onde estão os maiores usuários da água no Brasil. No entanto, de maneira geral, o Brasil acompanha a distribuição de uso de água que ocorre no mundo. Então, pergunta-se, será a irrigação a vilã de toda esta situação? Seguramente, não”, afirma.
Alguns números ajudam a entender: 18% das áreas de produção são irrigadas, sendo responsáveis por 44% da produção mundial de alimentos. Especificamente no Brasil, tem-se cerca de 5,8 milhões de hectares irrigados, correspondendo a 8,3% da área de produção agrícola e superando 40% do valor econômico gerado. Considerando o crescimento da área irrigada dos últimos dois anos, estimado pela ABIMAQ-CSEI – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas – Câmara Setorial de Equipamentos de Irrigação, projeta-se cerca de 6,2 milhões de hectares irrigadas, atualmente. Os levantamentos oficiais coordenados pela ANA e SENIR – Secretaria Nacional de Irrigação, de acordo com Hioran Moreira indicam que o potencial de irrigação no Brasil é de 29 milhões de hectares, “ou seja, utilizamos apenas 21% do potencial de que o país dispõe e muito temos que expandir nos próximos anos”, garante. Estudos da Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem e ABIMAQ-CSEI indicam que cada hectare irrigado gera cerca de um emprego direto e um emprego indireto, gerando cinco vezes mais empregos que a agricultura de sequeiro (realizada sem a utilização de irrigação). Assim, a irrigação é responsável por geração de cerca de 12 milhões de empregos no Brasil.
Segundo o engenheiro é importante mencionar que o Brasil dispõe de leis adequadas para realizar a gestão do uso da água. Entre estas leis, a principal é a lei 9.433 de 1997 – conhecida como “Lei das Águas”, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, incluindo instrumentos para definir o acesso à água, como a outorga de direito de uso de recursos hídricos. “O artigo 1º nos traz o entendimento do espírito desta lei, elencando os principais fundamentos da Política Nacional. Ali há a compreensão de que a água é um bem público e não pode ser controlada por particulares, e recurso natural limitado, dotado de valor econômico, mas que deve priorizar o consumo humano e de animais, em especial em situações de escassez. A água deve ser gerida de forma a proporcionar usos múltiplos (abastecimento, energia, irrigação, indústria) e sustentáveis, e esta gestão deve se dar de forma descentralizada, com participação de usuários, da sociedade civil e do governo”, conclui.
Paralelamente, houve forte evolução tecnológica da indústria de irrigação, havendo motores elétricos e bombas que operam com maior rendimento, emissores com maior uniformidade de distribuição e que atuam sob menor pressurização, resultando em significativa economia de água e energia. Além disso, há sistemas de automação que permitem programar, controlar e otimizar o funcionamento dos sistemas irrigados. Assim, sistemas de irrigação do tipo pivôs centrais e gotejamento alcançam níveis de eficiência de aplicação de 92 a 95%, sucessivamente.
Outro fator importante a considerar é que a água, quando utilizada pela Indústria e pelo consumo humano, se torna insalubre. Já quando utilizada pela irrigação, o que é aplicado na superfície do solo e armazenado até a profundidade onde estão as raízes é absorvido pelas plantas ou evaporado à atmosfera. Mesmo que haja excedentes de aplicação irão recarregar o lençol freático, retornando em todos os casos ao ciclo hidrológico.
O potencial de dano ambiental se dá, principalmente, pela possibilidade deste excedente lixiviar fertilizantes e pesticidas para camadas profundas do solo, contaminando mananciais. Para tanto, a adoção de sistemas de gerenciamento de irrigação podem mitigar este risco.
Em vários polos de irrigação no Brasil, como o altiplano de Brasília, sudoeste de Goiás, noroeste de Minas, triângulo mineiro e sudeste de São Paulo há extensa implantação de bar-ramentos (represas) de pequeno e médio porte por parte dos produtores, para su-prir a demanda de projetos de irrigação. Neste contexto, o irrigante passa a ser “produtor” de água, uma vez que ele reserva a água da chuva, que iria para o oceano, para ser utilizada no período seco.
É importante frisar que o uso de barramentos promove pequeno impacto ambiental, permite regularização da vazão de rios, multiplica o potencial de irrigação, aumenta a recarga de aquíferos e preserva o fluxo original de água do manancial. Quando vemos uma área irrigada, saibamos que ali se realiza uma atividade nobre e que contribui de maneira estratégica para a produção de alimentos, geração de emprego e geração de renda. Assim, o irrigante não só não é responsável pela crise hídrica, como desempenha importante função econômica e social.
Gotejamento também é boa alternativa
O atual cenário na agricultura do Brasil é de crise hídrica, mas, de acordo com Carlos Sanches, gerente agronômico da Netafim “o racionamento na agricultura, além de prejudicial, pode não ter efeito prático, pois algumas regiões já não tem água para irrigar, com as nascentes comprometidas pela estiagem. Outro agravante, segundo Sanches é como a sociedade está vendo o setor: “A população acha que os produtores não tem consciência do uso correto da água. E isso não é verdade. Mas claro que podemos melhorar, principalmente com o uso de tecnologias que ajudem a economizar os recursos naturais”, acrescenta.
O sistema de irrigação por gotejamento deve ser o grande aliado nesse período de crise. Dados da Neta-fim, empresa israelense que já viveu este período de crise hídrica em Israel, mostram que a economia no volume de água proporcionada pelo gotejamento varia entre 30% e 50% quando comparada com a irrigação por aspersão. O saldo de economia de água para consumo humano pode variar de 20% a 40%. “A economia do recurso hídrico na irrigação por gotejamento acontece através da disponibilização de água junto ao sistema radicular da planta, enquanto que no sistema mais usado no país (por aspersão) a água é distribuída por toda a extensão da planta, necessitando de um volume maior de água para atender a demanda da cultura”, detalha Sanches.
Um exemplo é a cultura de café: A planta do café necessita de cerca de cinco litros de água por dia para ter pleno desenvolvimento. No método tradicional de aspersão são gastos entre sete e oito litros para que a planta absorva cinco litros necessários. Com o método do gotejamento, portanto, a economia é de 33%.
Outros benefícios são evidentes ao adotar o sistema de irrigação por gotejamento como a fertirrigação, que é o método de aplicar os nutrientes necessários direto na raiz da planta fazendo com que ela cresça mais rápido que as demais. “O sistema aumenta a produtividade. Exemplo: temos um cliente de tomate que colhe 120 por hectare. A média do produtor é de 50 a 60. É muito mais eficiente. Outro caso interessante é o café. Enquanto que numa cultura tradicional o rendimento varia de 19 a 20 sacas por hectares, com a fertirrigação já registramos casos em que o cafeicultor colheu 55 sacas por hectare. Diante disso, o produtor consegue ter retorno de investimento já na primeira safra”, explica o gerente agronômico.
Vale destacar também que ao adotar essa tecnologia, o produtor ganha em qualificação profissional já que precisa reter profissionais capacitados para trabalhar com os sistemas adotados. “Tem um mito de que a tecnologia é cara. Ela tem um custo mais alto, porém o retorno financeiro é garantido. Na cultura de café, por exemplo, o investimento para a implementação vai de R$ 3,5 mil a R$ 7 mil por hectare. Porém, o retorno é obtido em até dois anos, sem contar o ganho em produtividade”, afirma.