Não há uma definição universal sobre agricultura familiar, embora algumas sejam mais amplamente aceitas. Em muitos casos, como o brasileiro, há uma associação entre o espaço explorado pelos pequenos produtores, que considera o espaço da família, com referencial básico de Unidades Produtivas (quatro módulos fiscais). Mas isso é muito diferente da definição utilizada nos Estados Unidos, por exemplo, onde são incluídas fazendas de todos os tamanhos, desde aquelas com baixos níveis de renda ou produção até propriedades que são multimilionárias, mas todas conduzidas pelas famílias, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. As chamadas chamadas small family farms representam 21% da produção agrícola norte-americana. Pode-se dizer, portanto, que a interpretação utilizada em cada pais não tem ajudado a compreender o universo da agricultura familiar. Este é um dos desafios, especialmente neste ano dedicado ao tema pela FAO. Como desdobramento dessa dificuldade de precisão que vai além do conceitual é igualmente complexo se chegar a um consenso sobre as estatísticas da agricultura familiar. A literatura econômica agrícola oferece várias estimativas sobre o número de pequenas propriedades e mostra, da mesma maneira, o desequilíbrio entre a agricultura de base familiar e as de outros modelos de exploração da terra enquanto fonte de renda.
Dados das rodadas do Censo Mundial da Agricultura mostram a existência de cerca de 570 milhões de unidades produtivas dedicadas a agropecuária, em todo o mundo. Demonstram, ainda, que mais de 500 milhões podem ser consideradas típicas do modelo de base familiar. A maioria das unidades agrícolas mundiais são muito pequenas e a produção que realizam não é expressiva em volume, mas de alta relevância social e cultural, de acordo com os estudos. Os dados dos censos agrícolas nos ajudam a compreender que a realidade brasileira não é diferente daquela observada na maior parte dos países do mundo situados no mesmo compasso de desenvolvimento. Dados do Instituto Brasileiro de geografia e Estatística (IBGE) de 1996 mostravam que em universo de 5.175.489, as propriedades típicas de agricultura familiar somavam 4.367.902, enquanto a não familiar chegava ao total de 807.587. Registra-se, portanto, uma profunda desigualdade pois apesar de a agricultura familiar ter 84,4% do total de estabelecimentos, ocupa apenas 24,3% da área das propriedades agropecuárias do país (ou 80,25 milhões de hectares). É interessante observar que, mesmo ocupando apenas parte da área ocupada para produção agrícola, a agricultura familiar emprega sete de cada 10 pessoas ocupadas no campo. A realidade brasileira não é muito diferente do restante do mundo. Dados da FAO mostram que em 111 países 72% das propriedades têm menos de um hectare; 12% tem entre 1 a 2 hectares e 10% 3 entre 2 e 5 hectares. As propriedades com mais de cinco hectares representam apenas 6%. Ou seja, existem mais de 410 milhões de propriedades com menos de 1 hectares e mais de 475 milhões com menos de 2 hectares. O grande número de pequenos, como se observou, não ocupa a parte mais expressiva das terras agricultáveis, pois há amplo uso de áreas extensivas pelos médios e grandes negócios agrícolas. Embora todas as observações mostrem que a agricultura familiar vive esta contradição, a atividade é por todos considerada expressiva em termos de produção de alimentos estratégicos para as populações. Essa re-alidade aparece ainda mais forte nos países mais pobres ou em desenvolvimento, onde a agricultura de pequena escala é decisiva para a segurança alimentar, preserva os alimentos tradicionais, contribui para a proteção da agrobiodiversidade para o uso sustentável dos recursos naturais e fortalece a economia e cultura local. Bem típico é o caso brasileiro. No país, a agricultura familiar produz 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 34% do arroz, 58% do leite, 59% da carne suína e 50% das aves produzidas no campo. De forma geral os agricultores familiares, mesmo ocupando pequenas áreas de terra, são os principais fornecedores de alimentos básicos no Brasil e aqueles que mais geram empregos no campo.
* Antônio Luiz Oliveira Heberlê é jornalista e pesquisador em comunicação, lotado no Departamento de Transferência de Tecnologia da Embrapa (DTT), em Brasília.