Água e saúde são duas questões automaticamente ligadas. Água de boa qualidade leva à saúde das pessoas e do meio ambiente. Já a de má, contaminada pelo esgoto doméstico, pode levar à uma série de doenças. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o acesso a fontes confiáveis e melhores condições de saneamento são fatores fundamentais para prevenção da cólera, diarreia, disenteria, entre outras infectocontagiosas.
“Água de qualidade não se obtém gratuitamente. Para tê-la, precisamos ter consciência de que não devemos contaminar o ambiente”, diz o pesquisador da Embrapa Instrumentação, localizada na cidade de São Carlos (SP), Wilson Tadeu Lopes da Silva. Assim, sistemas de saneamento básico vão exatamente nesta linha, e visam a diminuição de contaminação ambiental com consequente melhoria das condições de saúde das pessoas. “Outras ações, como preservação de nascentes e matas ciliares são aspectos também importantes”.
No campo, a preocupação também acontece, visto que diversas propriedades não têm solução para descarte de resíduos humanos, do cultivo, ou mesmo para uso de fontes de águas contaminadas. Pensando em ajudar o meio rural, a empresa criou tecnologias prontas para adoção do pequeno produtor com foco na solução desses problemas. Trata-se da Fossa Séptica Biodigestora, o Clorador Embrapa e o Jardim Filtrante.
O pesquisador comenta que a ideia para criar estas tecnologias surgiu inicialmente do conhecimento acumulado do Dr. Antonio Pereria de Novaes, pesquisador já falecido. “Ele tinha vasta experiência em biodigestores e uma sensibilidade social que o fez perceber a necessidade de trabalhos que conciliassem biodigestores e saneamento básico. Daí surgiu a ideia da Fossa Séptica Biodigestora e na sequência, do Clorador”, declara. Já sob a coordenação de Lopes, o Jardim Filtrante surgiu mais tarde para o tratamento da água cinza – esgoto da residência que não seja do vaso sanitário (pias, chuveiro, lavanderia, entre outros). “Em todos os casos, aspectos como simplicidade de projeto, instalação e manutenção, eficiência no tratamento e custos acessíveis permeiam o trabalho”.
Fossa já conhecida no campo.
Desenvolvida há mais de uma década, é utilizada por mais de seis mil usuários no País. Sua função consiste em tratar o esgoto doméstico, gerando adubo orgânico rico em micro e macronutrientes para as plantas e matéria orgânica para o solo. “Ela concilia simplicidade e eficiência no tratamento. É um pequeno biodigestor sem ar construído com caixas d´água de 1000L ou maiores, que podem ser compradas em lojas de materiais de construção”, diz Lopes.
O restante é composto por tubos e conexões de PVC e guarnição esponjosa para vedar o sistema. Segundo ele, a facilidade de instalação já atrai adeptos. “A questão da saúde da família também é muito importante”. Mas, o aspecto que mais chama a atenção, geralmente, é a possibilidade de reciclar de maneira segura o efluente tratado como biofertilizante líquido, a ser utilizado no solo, em culturas perenes. “É a melhoria da saúde com segurança alimentar proveniente da maior fertilidade do solo”. Lopes revela que esta é a tecnologia mais adotada, principalmente pelo fato dos agricultores ficarem bastante animados com a produção do biofertilizante.
Por ser fermentado em ambiente sem ar, resulta num líquido tratado, com cor marrom, sem odor desagradável e capacidade fertilizante. O custo muda conforme a região do País, mas fica entre R$ 1.200,00 e R$ 1.600,00.
Completando o saneamento básico rural
Para completar e agregar valores aos trabalhos desenvolvidos pela Fossa Séptica, o Clorador foi desenvolvido em parceria da Embrapa Instrumentação e Embrapa Pecuária Sudeste, e é uma alternativa para agricultura familiar, com custo de instalação entre R$ 50,00 e R$ 100,00. Instalado entre a tubulação que recolhe a água de minas ou poços e o reservatório, a tecnologia desinfeta a água em 30 minutos depois de colocado o cloro, ficando isenta de germes e pronta para o consumo.
“Também pode ser construído com tubos e conexões de PVC, ou seja, todo o material é comprado em lojas de construção”, declara. A cloração da água garante que as pessoas não serão contaminadas por microrganismos que transmitem doenças e que estão presentes na água. “Como são microscópicos, não podemos vê-los a olho nu. Assim, água límpida não significa que não esteja contaminada”. Geralmente a fonte de contaminação vem justamente de fossas negras, onde o esgoto não tratado é jogado e penetra no solo, contaminando o lençol freático e as nascentes.
Já com custo um pouco mais elevado do que as demais tecnologias, o Jardim Flutuante foi desenvolvido para tratamento da água de pias, chuveiros e tanques, não tratada pela Fossa Séptica. “A tecnologia é similar a um lago impermeabilizado com geomembrana de borracha sintética (EPDM). Nele são colocadas plantas macrófitas aquáticas, como papiro, copo-de-leite e lírio-do-brejo, que depuram a água cinza, retirando dela os nutrientes e separando os contaminantes”. A manutenção é simples e a tecnologia tem custo variável a depender da região onde for adquirida, ficando em torno de R$ 2 mil.
Uso apropriado…
Para que os produtores saibam exatamente o que fazer para ter o sistema de saneamento básico bem executado, algumas recomendações são importantes sobre quais tecnologias devem ser instaladas em determinadas regiões, e determinados tipos de propriedade. “As três podem ser usadas simultaneamente, aliás, recomendo que isso aconteça. Mas, se não for possível por questões financeiras, recomendo, na ordem, o Clorador, a Fossa Séptica Biodigestora e o Jardim Filtrante”, declara o pesquisador.
Ele explica que o Clorador serve para qualquer região, desde que a água seja límpida. Se não for, deve-se pensar em um tratamento prévio para eliminar argilas e matéria orgânica. Já a Fossa Séptica Biodigestora é recomendada para locais onde exista água suficiente para uma descarga hidráulica, não sendo recomendada, portanto, na região do semi-árido nordestino onde as famílias têm maiores dificuldades quanto a isso. “Também é preciso o acesso ao esterco fresco de bovino ou de outro ruminante, que é colocado na quantidade de cinco litros, uma vez por mês”, diz. Em relação ao Jardim Filtrante também é preciso água, mas é possível a construção de pequenos sistemas para tratar menores quantidades, sempre com o intuito de utilizar o reuso após o tratamento.
A visão do produtor
Flávio Roberto Marchesin, é produtor rural e tem sua propriedade, o Sítio São João, localizada também em São Carlos. Lá produz hortaliças, legumes, mudas florestais nativas e trabalha com piscicultura. Ele conta que antes de conhecer as tecnologias da Embrapa, não sabia da importância de se tratar o esgoto. “Ele era todo jogado no rio e pegávamos a água poluída para abastecer os tanques de peixes e regar as plantações”, diz. Já hoje a situação é diferente, e, inclusive o rio que passa no sítio abastece quase metade da população da cidade. “Estamos beneficiando também a população”.
Com a Fossa instalada a dozes anos, e o Jardim a três, o produtor diz que ficou sabendo através de uma reportagem do Dr. Novaes em uma rádio da cidade. Ele afirma que a facilidade foi um ponto importante na decisão de adquirir tais produtos. “Não tive nenhum problema nem na aquisição, e nem na instalação. Isso é muito bom para nós, produtores”.
Quanto ao custo-benefício, Marchesin declara que usa o efluente da fossa na produção das mudas de árvores, já que é rico em nutrientes e deixa de gastar com adubo químico. “Pretendo usar o efluente do jardim filtrante na lavagem de máquinas ou galpão também”. Segundo ele, vem sendo produzido na propriedade alguns tipos de plantas ornamentais, como o copo de leite e o papirus.
Para não ficar somente no Sítio São João, o produtor diz que recomenda as tecnologias para outros produtores e espera que ela se multiplique por todo Brasil. “Estamos passando por um momento muito crítico em relação aos recursos hídricos, temos que procurar reusar as águas e destinar corretamente os resíduos que nós mesmos produzimos”, completa.
O futuro do saneamento rural
Pensando no que vem pela frente, segundo Lopes, à Embrapa, como empresa pública de pesquisa agropecuária, cabe o desenvolvimento e validação de soluções que sejam aplicadas à melhoria da agricultura como um todo, dentro do contexto de sustentabilidade. “No caso do saneamento básico, as tecnologias estão aí para serem apropriadas por toda a população brasileira que vive na área rural”. Para ele, o foco do trabalho neste momento está em mostrar estas novidades para técnicos, formadores de opinião, gestores públicos, políticos, gestores de bacias hidrográficas e multiplicadores no geral, visando a transferência das tecnologias e consequente elaboração de políticas públicas.
O Programa Nacional de Saneamento Rural, parte integrante do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), prevê recursos da ordem de R$ 24 bilhões para serem investidos para os próximos 30 anos. “O órgão gestor destes recursos é a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), do Ministério da Saúde e estamos em tratativas para participar do comitê que fará a elaboração das diretrizes do programa”. O pesquisador declara que esse é o caminho, trabalhar no desenvolvimento tecnológico levando em consideração que tanto o beneficiário direto quanto os formadores de leis e ações públicas deverão estar convencidos de que este é um tema que não pode mais ser colocado no segundo plano. “O saneamento ambiental da propriedade rural é do interesse do público urbano, pois água de melhor qualidade e quantidade se revertera em alimentos de melhor qualidade e em menores custos de tratamento nas companhias de saneamento urbano”.