O município de Sorriso, em Mato Grosso, vem se destacando na atividade da piscicultura, apesar dos entraves de licença enfrentando pelos produtores.
Sorriso, localizada a 412 quilômetros da capital Cuiabá, transformou-se, desde 2003, na cidade em que mais produz soja no País, segundo a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Entretanto, além da soja, hoje o que brota no município é a criação do pescado nativo da Amazônia, com espécies de pintando, tambaqui e até de tambacu (híbrido da mistura entre tambaqui e pacu).
A primeira piscicultura de Sorriso nasceu em um tempo em que ninguém pensava em criar peixe profissionalmente, onde os grãos sempre dominaram a atenção do produtor. Mas, foram justamente eles que ajudaram a trazer a atividade para a região. Por mais de 20 anos, o catarinense Eugênio Preima, de 64 anos, é um exemplo desta transformação. Sempre envolvido na criação de peixes na Região Sul do País, quando chegou ao interior de Mato Grosso, há 34 anos, foi no cultivo da soja que o agricultor encontrou uma fonte de renda mais lucrativa. Entretanto, manteve vivo o sonho da piscicultura. “Já fiz de tudo nesta vida, mas minha paixão sempre foi o peixe. Só que, por mais de 20 anos, por mais que tentasse, não conseguia viver disso por aqui”, afirma Preima, um dos pioneiros da região.
Hoje, em sua propriedade, localizada a 12 quilômetros do centro de Sorriso, há um grande espaço para o plantio da soja, mas também há um tanque de lâmina d’água de oito hectares, que tem pintado e tambaqui. “Graças ao clima quente, o ano todo, aproveitamos também as condições favoráveis de alimentação, como a utilização de subprodutos da agropecuária. A criação de peixe pegou por aqui e estamos no embalo”, diz. Neste ano, a expectativa do seu Eugênio é de alcançar entre 75 a 80 mil toneladas de pescado.
Atualmente, um hectare destinado ao desenvolvimento da piscicultura tem um potencial para a produção de 8 a 12 toneladas de peixe ao ano. Esse incremento na produção de peixes virou alternativa de renda e diversificação da fonte primária, para muito produtores da região.
Com o ciclo de produção fechado, seu Eugênio, assim como outros produtores da região receberam o apoio de grandes empresas, que vieram atraídas pela oportunidade de investimentos. A Nativ, empresa de pescados de aquicultura, é uma delas. Hoje, uma das maiores de Mato Grosso, com sede no município de Sorriso. “Forneço para eles desde 2009. A chegada deles por aqui foi uma bênção”, afirma.
Fundada em 2006, a Nativ começou produzir dois anos depois, mas foi somente após a inauguração de sua planta industrial, que suas atividades se intensificaram. O modelo utilizado pela companhia é o da integração, semelhante ao usado na criação de frango. Ao invés, de cuidar de todas as etapas da produção, ela se concentra na ponta do processamento e industrialização, oferecendo garantia de compra aos criadores asociados, que bancam a ração, a manutenção e a despesca.
Dados além da soja
Mato Grosso lidera o ranking na produção de peixe de água doces do Brasil, com 36 mil toneladas/ano e figura em quinto lugar no ranking da produção de peixe de água doce no Brasil, segundo dados secretário de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (Sedraf). Hoje, o Estado conta com três frigoríficos de peixe com o Serviço de Inspeção Federal (SIF), incluindo a Nativ (em Sorriso), Irineu de Carvalho (em Nova Olímpia) e Casa do Peixe (Nossa Senhora do Livramento) e o entreposto Frigo Pesca (Nossa Senhora do Livramento).
De acordo com o presidente da Associação de Aquicultores de Mato Grosso (Aquamat), Jules Ignácio Bortoli, são 950 piscicultores e cerca de quatro mil pessoas que dependem da produção como fonte de renda. Ele conta ainda que desse total, são apenas 105 associados à Aquamat, mas que juntos são responsáveis por 80% da produção de pescado em Mato Grosso.
As metas do setor, segundo Bortoli, são desenvolver e estruturar as unidades produtivas em termos de legislação e licenciamentos ambientais. Problemas apontados pelo seu Eugênio e por todos que estão inseridos na atividade. Segundo o presidente, o pequeno produtor, abaixo de cinco hectares, ele é pequeno e não por opção. “Ele necesita mesmo de mecanismos como o licenciamento ambiental, precisa de recurso, de capital, necessita investir em maquinários e nos alevinos. Mas, em geral, ele esbarra na questão da licença ambiental”, explica.
Bortoli diz que após o anúncio do Plano Safra da Pesca e Aquicultura, anunciado, em outubro passado, (veja box: Promessa para a piscicultura), há expectativa de melhoras para o setor. Entretanto, ainda é muito cedo para afirmar. “São iniciativas que estão apenas começando”, diz.
Só em Cuiabá, segundo ele, há uma expectativa de crescimento na atividade em torno entre 10% a 15%. “Isto se deve a vocação agrícola da região. O produtor que tem uma área de terra, ele planta, cria gado e encontra nos peixes, uma nova alternativa de renda. Em geral, são produtores de commodities que resolveram diversificar”.
Diversificação. Essa foi a aposta do produtor e veterinário Welligton Willem Nogueira Souto, também situado no munícipio de Sorriso. Quando ingressou na atividade foi buscar crédito para investir. “Muitos dos investimentos foram baseados nas instruções da Nativ, buscando atender aos mercados mais exigentes”, afirma.
Em uma propriedade arrendada, já na primeira safra 2011/2012 foram produzidas mais de 230 toneladas de pescados, com faturamento um anual superior a R$ 1,2 milhão. “Hoje os números são outros, apesar dos altos preços das commodities interferirem no custo da produção”, diz o empresário, que possui 31 hectares de lâmina d’água, local onde cria as espécies de tambaqui e o pintado amazônico.
Na visão de Souto, a piscicultura na região está engatinhando, pois ainda esbarra nas questões ambientais, mas reconhece que a atividade deu um salto importante nos últimos anos para economia da região. “Quando iniciei, a atividade na região era um pouco extrativista, tínhamos um esqueleto e não havia ‘musculatura’. Hoje, com o fomento de linhas de crédito e conhecimento da atividade, a piscicultura está ganhando novos investidores que atuavam em outras áreas”.
No ano que vem, o empresário pretende aumentar em 20% a sua produção, favorecida pelo aumento da área de criação. A atividade da piscicultura e da aquicultura é muito nova no Brasil, mas é um segmento que mais cresce no agronegócio. “Ela é lucrativa. A criação pode render até R$ 10 mil de lucro por hectare. O desafio é apenas o investimento inicial com, equipamentos, genética, ração, tecnificação e qualificação de mão de obra”, diz Souto.
Ele conta que apesar de mais lucrativa que outros segmentos de proteína animal, a criação de peixes tem outros desafios, que estão além da tecnologia de criar frango ou gado. Atualmente, além da parceria que fez com a Nativ, Souto é um dos fornecedores da empresa Mar & Terra, situada na cidade de Itaporã, a 230 km de Campo Grande (MT).
O Brasil quer se fortalecer com a pesca, fraca nas águas brasileiras por causa das correntes marinhas, mas com a aquicultura, a criação de pescado tanto em rios e represas quanto em tanques rede no mar. No final de outubro, o governo anunciou estudar em diversas frentes para fomentar a atividade no País, segundo o ministro da Pesca e Aquicultura (MPA), Marcelo Crivella.
Dados do próprio MPA revelavam que o plano visava aumentar os prazos de carência e pagamento, além de qualificar os critérios para obtenção de crédito, desonerar a cadeia produtiva, garantir assistência técnica e extensão pesqueira e aquícola, ampliar a capacidade de compras institucionais para apoiar o pescador artesanal e o aquicultor familiar, fortalecer o cooperativismo, disponibilizar infraestrutura e equipamentos, modernizar e renovar embarcações e investir em ciência, tecnologia e inovação. “A produção está abaixo do potencial por falta de planejamento. Além disso, um dos principais objetivos é incentivar e aumentar a produção em tanques-rede ou em reservatórios”, afirmou Crivella.
Pelos dados do MPA, o crescimento da criação de peixe em cativeiro, no Brasil, com destaque para a tilápia, mas incluindo também a carpa, o tambaqui e o curimatã, tem sido de 6,6% ao ano nas últimas décadas, o dobro do crescimento médio mundial. Pela lei atual, de 2008, pode ser utilizado para aquicultura 1% dos 218 reservatórios federais, o equivalente a 55 mil hectares de lâmina d’água.