Neste ano, a passarela do samba de São Paulo foi coberta pelo aroma e sabor do vinho gaúcho. O Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Vai-Vai, fundado por um grupo de sambistas do bairro do Bixiga (SP), foi o responsável por mostrar o porquê a bebida de “Baco”, o Deus do Vinho, harmonizava perfeitamente com o ritmo do samba.
Com o enredo: “Sangue da Terra, Videira da Vida, Um brinde de Amor, Em plena Avenida! – Vinhos do Brasil”, a Vai-Vai trouxe a saga da bebida tradicionalmente gaúcha, para os paulistanos verem, beberem e sentirem.
Porém, não foi a primeira vez que o tema “vinho” sacudiu à avenida. No ano passado, ele embalou o Carnaval de Porto Alegre (RS) e garantiu o bicampeonato à escola de samba daquela cidade, Estado Maior da Restinga. Foi o primeiro ensaio rumo à intenção do setor em se vincular à maior festa popular brasileira e mostrar os benefícios, para além do setor do agronegócio. Para Carlos Raimundo Paviani, diretor-executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), a ação fez parte de uma estratégia promocional da instituição. “Fazemos chegar aos consumidores que a mensagem, aparentemente simples, de que o Brasil produz vinhos de qualidade. E ela foi transmitida de forma alegre, lúdica, por meio das alegorias criadas pelos carnavalescos da Escola Vai-Vai, que fez um excelente trabalho”, afirma.
E que rendeu bons resultados. Dados do Ibravin apontam que já pela exposição na mídia, pela mobilização das equipes de vendas, a cadeia da vitivinicultura já obteve uma ampla visibilidade e motivação para gerar novos negócios. A vitivinicultura enxergou na folia uma estratégia para popularizar o consumo de vinhos e espumantes no Brasil, além de provar que Carnaval não combina apenas com cerveja e caipirinha. “Outra vantagem foi o aprendizado que fizemos, com perspectivas futuras, de utilizar recursos de incentivos das leis de apoio à cultura, para promover outras ações e eventos que possam unir a cultura do vinho a outras manifestações artísticas e culturais”, diz.
Em contrapartida, para desfilar no Sambódromo do Anhembi (SP), a Vai-Vai contou com a parceria financeira do Ibravin. A instituição não revelou, para a Revista Rural, o quanto foi investido, mas Paviani disse que o instituto aportou uma pequena parte dos recursos. “A grande maioria foi obtida por meio da Lei Rouanet, pelas empresas Tetra Pak, Cereser, Belesso, Góes &Venturini, entre outras”.
Além do suporte financeiro, o Ibravin levou informações junto às equipes de criação da Vai-Vai, que visitou a região produtora para conhecer o setor, identificar suas relações e assim construir o “briefing” que deu suporte à construção do enredo e do samba-enredo. Para Paviani, temas relacionados à agricultura estão ganhando cada vez mais espaço pela importância socioeconômica que o agronegócio está tomando. “Nossa balança comercial tem nos produtos agrícolas uma importância absoluta, que faz com que o Brasil, dê valor cada vez mais ao agronegócio”, diz.
Na opinião de Ciro Antonio Rosolem, membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS) e professor titular da Faculdade de Ciências Agrícolas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCA/Unesp Botucatu), o agronegócio abriu novas frentes de manifestações para se promover. Neste caso, o Carnaval, uma das mais importantes festas do País. “O que nos desperta mais a atenção neste momento e que neste ano o tema foi enredo para diversas agremiações carnavalescas”, afirma. Segundo Rosolem, por diversas razões o agronegócio acabou ficando esquecido, durante anos. “Historicamente falando essa conduta iniciou ainda no governo do JK [Juscelino Kubitschek], quando houve uma mobilização para o desenvolvimento das indústrias, consequentemente, a cidade se reergueu e a agricultura se afugentou no campo esquecido, virou sinônimo de algo sujo e pobre”, diz o professor responsável pelo artigo “O Agro chegou na Avenida”.
Ainda de acordo com ele, essas características ganharam mais ênfase após ser retratado nas telenovelas, sempre mostrando o papel do coronel, dono dos cafezais, ou do nordestino e, por fim, elas não retratam o empresário rural, como ele é hoje. “Quando uma escola de samba aceita o patrocínio é um grande passo para mostrar a evolução do setor, mostrar as tecnologias, além da produção do arroz e do feijão”, afirma.
“Apesar de algumas escolas durante esses anos [ele se refere aos enredos desde 1956) mostrarem a figura do Jeca Tatu, apesar de mostrarem uma quadrilha dançando na frente de uma igreja, ainda um sinal de atraso, eles estão levando de alguma forma o agronegócio, para a cidade. Há temas ricos e de diferentes maneiras que podem despertar o interesse da mídia. Mas, isso não é um fenômeno brasileiro, vivemos uma situação contrário da realidade. Há uma queda de interesse dos filhos dos produtores em permanecer na terra”, conclui.
O Nelore como tema
No ano de 2006, a raça Nelore chegou à avenida como tema do samba: “Do Boi Mítico ao Boi Real – De Garcia D’Ávila na Bahia ao Nelore – O Boi que Come Capim – A Saga da Pecuária no Brasil para o Mundo”, levado pelo Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Império de Casa Verde, para o carnaval de São Paulo.
Na época, Junior Marques, diretor de carnaval e responsável pela escola, comentou que o feito era porque no ano anterior, o tema já havia sido discutido, falaram um pouco da crise da vaca louca, no ano de 2005, e na época era a vez de falar do gado saudável. Outra justificava da Império era que no ano de 2006 comemoravam-se os 100 anos da importação do primeiro casal da raça nelore diretamente da Índia para Bahia. Diga-se de passagem, a primeira importação oficial com fins técnicos e comerciais, anteriormente o Nelore já havia chegado ao País.
A escola Império de Casa Verde com o enredo, que foi dividido em cinco partes – com destaque para a 4ª parte, na qual apresentava a realidade atual, onde o Brasil além de detentor do maior rebanho comercial do mundo era comprovadamente a última fronteira agrícola do planeta terra, capaz de responder geometricamente em incrementos de produção pecuária – levou o título de campeã paulista daquele ano, com a figura do boi valorizada nas alegorias. Em nota, a Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB) comentou que não possui mais o contato do carnavalesco responsável daquele ano e que entidade apenas participou artisticamente, com contribuição de pesquisas, e que não houve aporte financeiro para a escola.
Para Coriolano Xavier, membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS) e professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing, neste momento há um interesse maior de grandes grupos em levar o agronegócio fora do setor. “A exemplo da Basf que promoveu um feito neste ano. Há uma tendência no mercado que aponta para o desenvolvimento de grandes campanhas das marcas e não de produtos”, diz. Segundo Xavier, o Carnaval é o local propício para isso, por conta do potencial de mídia e a oportunidade no sentido emocional. Responde positivamente ao homem do campo e os valores do Brasil. Com tudo isso, a marca sai fortalecida. “Em contrapartida, durante o Carnaval há uma movimentação das escolas de samba em serem patrocinadas”, diz. “Uma fórmula que deu certo e pode ser repetida. Hoje, com a força do agronegócio, diria que esse tipo de marketing não deverá ser restrito apenas às conotações de telenovelas ou teatros, poderá haver outras ações neste sentido”, afirma.
Escolas de Samba do Rio de Janeiro que já levaram o agronegócio
1956 – Portela. Enredo: “Riquezas do Brasil” – Autores: Candeia e Waldir 59 – 2ª. Colocado do Grupo 1
1964 – Beija-Flor de Nilópolis. Enredo: “Café, Riqueza do Brasil”.
1964 – Mocidade Independente de Padre Miguel. Enredo: “O Cacho da Banana” – Autor: Ari de Lima
1971 – G.R.E.S Unidos de Vila Isabel. Enredo: “Ouro Mascavo”. Autores: (Arroz, Djalma Fernandes da Silveira e Jonas Rodrigues)
1973 – G.R.E.S. Unidos da Tijuca. Enredo: “Bom dia, Café!”. Autor Jorge Machado.
1990 – G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense. Enredo: “o Que Se Plantou Deu”. Autor: Terra Brasilis
1991 – G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense. Enredo: “O que é que a baiana tem?”
2001 – Acadêmicos do Salgueiro. Enredo: “Salgueiro no Mar de Xaráyés, é Pantanal, é Carnaval”. Autores: Augusto, José Carlos da S.A.A.R.A, Nêgo e Rocco Filho
2001 – G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense. Enredo: “Cana-caiana, Cana Roxa, Cana Fita, Cana Preta, Amarela, Pernambuco…quero Vê Descê o Suco, Na Pancada do Ganzá”. (DESTAQUE 1º.LUGAR)
2004 – Acadêmicos do Salgueiro. Enredo: “A Cana Que Aqui Se Planta Tudo Dá, Até Energia… Álcool, O Combustível Do Futuro”
2005 – G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio. Enredo: “Alimentar o corpo e a alma faz bem”. Autor: Roberto Szaniecki
2011 – G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel. Enredo: “Parábola Dos Divinos Semeadores”.