A qualificação de mão de obra se transformou em um desafio para o campo. Iniciativas para capacitar foi a saída encontrada pelos produtores, entidades e empresas para suprir o déficit.
Com o aumento da safra, o campo prospera e as oportunidades de emprego também. Recentemente, dados do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) mostra que o Brasil vai precisar de mais de sete milhões de trabalhadores qualificados nos próximos três anos.
Funções como operadores de máquinas, técnicos em controle da produção, eletrônica, eletricidade e eletrotécnica são as mais solicitadas.
De acordo com Marcelo Martins, superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, Regional Goiás (Senar-GO), há boas oportunidades de emprego e bons salários para os profissionais. “Mas, para se inserirem no mercado de trabalho efetivamente, eles precisam de qualificação”, afirma.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no dia 19 de outubro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que a falta de mão de obra qualificada não afeta apenas o agronegócio, mas muitos outros setores da economia do País. Com a profissionalização de toda a cadeia produtiva, o mercado passou a exigir um novo perfil dos empregados dos empreendimentos rurais, que precisam de capacitação contínua, revela também a pesquisa.
Embora não exista uma estimativa precisa sobre a falta de mão de obra especializada, para atuar nas diversas produções agropecuárias brasileiras, especialistas destacam que em algumas regiões e Estados, esta carência é preocupante.
Lázaro Nei de Freitas, secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Verde (GO), aponta que a mão de obra no campo vem se esgotando. “Estou há seis anos no sindicato e é essa realidade que temos percebido com o passar do tempo”, diz.
Na região do sudoeste goiano, cidades como Acreúna, Caçu, Jataí, Montividiu, Paraúna, Quirinópolis e Serranópolis tiveram seus campos invadidos pela cultura da cana-de-açúcar. Com isso, houve uma demanda de contratação de pessoas para operarem colhedeiras. O que originou um imenso problema. “São máquinas que valem mais de R$ 1 milhão”, diz Martins. “Colocar na mão de uma pessoa algo tão caro para ensinar o manuseio é algo inconcebível. Diferentemente do passado, hoje as máquinas agrícolas não exigem força. Até porque a quantidade de instrumentos à disposição do operador lembra uma cabine de avião. Não tem como fingir conhecimento”, afirma.
Outro fator é que um trabalhador que não está preparado traz uma série de prejuízos nas funções desempenhadas diariamente no campo. Um exemplo é o tempo gasto para cumprir tarefas, o que resulta em maiores despesas. “A falta de mão de obra qualificada cada vez mais se torna é um dos principais gargalos que atingem o agronegócio brasileiro”, afirma Martins.
Entretanto, essa realidade está mudando, fruto da mobilização de empresas, entidade e produtores, que estão buscando formas de capacitar um número maior de profissionais. As empresas, por exemplo, para não perderem a venda de máquinas e equipamentos agrícolas de alta tecnologia, fornecem aos clientes cursos de formação de operadores. Em alguns casos, há até mesmo a parceria com entidades que prestam serviços de capacitação para dar mais segurança ao produtor que deseja adquirir as máquinas.
Nos cursos de capacitação, os trabalhadores aprendem a operar até mesmo os equipamentos por meio de simuladores. Um caso inédito de capacitação utilizando dessa tecnologia aconteceu no mês de outubro, na Usina Santa Adélia, localizada em Jaboticabal (SP). A unidade adquiriu da Case IH o simulador operacional de colheita mecanizada de cana. A cabine da colhedora projeta todos os comandos reais e com alta precisão. Para Fábio Botta, analista de recursos humanos da usina, o simulador representa um divisor de águas. “Primeiro, por sermos os únicos a adotar essa tecnologia e, segundo, por facilitar o trabalho de treinamento”, conta.
“O simulador permite grande imersão do usuário, por exibir imagens da colheita. Na cabine, o usuário possui um ângulo de visão de mais de 180º, acompanhando, além da área que está colhendo, todos os arredores e, é claro, o transbordo, trator que armazena o produto da colheita”, diz Fábio Balaban, especialista de marketing do Produto da Case IH.
Luis Marcelo Spadotto, diretor agrícola da Usina, conta que a Santa Adélia, com unidades em Pereira Barreto e Jaboticabal (SP), situada dentro do polo de cana-de-açúcar, tem hoje 85% da sua capacitação de obra mecanizada. Em 2013, serão 90% e em 2014 a meta é alcançar 100%. “Desde 2007, a usina vem capacitando novos profissionais, a fim de propiciar um melhor salário, reduzir as perdas da colheita e, por fim, cumprir o que será estabelecido pelo Protocolo Agroambiental entre o setor sucroenergético e a Secretaria do Meio-Ambiente do Estado”, afirma.
A usina é um exemplo do que as demais farão pela frente. Por lei, a queima da cana no Estado de São Paulo deve ser praticamente eliminada até 2021. Em 2014, deve se extinguir o corte manual da cana em áreas planas e até 2017 em áreas com inclinação superior a 12%, consideradas não-mecanizáveis. Para enfrentar este cenário, as empresas associadas à União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica) vem desenvolvendo diversas iniciativas de capacitação profissional, para viabilizar, principalmente, a transferência dos atuais cortadores de cana para funções mais complexas ligadas à mecanização.
Mecanização na cana: Eis a questão!
O Protocolo Agroambiental, inicialmente assinado pelas indústrias e pelo governo, recebeu em 2009 a adesão de 14 mil fornecedores de cana do Estado de São Paulo. Com isso, surgiram ações em prol a incentivar o setor, como o Projeto Renovação, fruto de entendimentos da Unica com suas associadas e entidade representante dos trabalhadores, desenvolvido com o apoio das empresas, Case IH, John Deere, Syngenta, Fundação Solidaridad, Iveco e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “O objetivo deste trabalho é requalificar cerca de 3.500 trabalhadores por ano, funcionários e ex-funcionários do corte de cana”, esclarece Maria Luiza Barbosa, gerente de Responsabilidade Social Corporativa da Unica.
Os cursos profissionalizantes específicos para o setor vão desde motoristas, canavieiros, operadores de colhedora, eletricistas, mecânicos até soldadores. Também há uma disponibilidade de cursos de qualificação para outros setores, como produção de mudas, fabricação de calçados, construção civil, horticultura, costura, entre outros. “A ação tem como beneficiar cerca de 120 usinas associadas à Unica, que estão localizadas nas seis macrorregiões no Estado de São Paulo, centradas em Araçatuba, Bauru, Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto”, conta Maria Luiza.
De acordo com a gerente, o investimento de cada empresa não tem como mensurar, mas cada parceiro contribui com a sua parte. As usinas entram com o investimento do funcionário (uniforme, alimentação e transporte) e o pagamento de outro trabalhador na função, enquanto o primeiro está afastado, se profissionalizando em tempo integral. “Em decorrência deste fato, cada funcionário em treinamento chega a custar algo em torno de R$ 2 mil. Um investimento que vale a pena, uma vez que ele sai totalmente capacitado”, diz. Para atuar no campo, são necessárias 320 horas, com 220 horas de aula prática. “O nosso interesse é que todo o investimento volte para nós, porém, é possível que ele não permaneça nas usinas, mas faça outros trabalhos”, conta.
Para Maria Luiza, o objetivo também é formar e capacitar mão de obra no lugar onde há falta. As demandas são levantadas regionalmente, e é diferente em cada região. “Por isso, quando se fala que as máquinas substituirão a mão de obra braçal, isso acaba sendo uma inverdade”, afirma.
Em dois anos e meio, o projeto já requalificou mais de 4,5 mil trabalhadores no setor. “Do total de alunos formados, 80% já estão empregados e/ou exercendo novas profissões”.
Demanda ambulante
Os cursos técnicos e profissionalizantes, que em consórcio com o dia a dia rural, suprem, perfeitamente, as necessidades das propriedades agropecuárias, também deu origem ao projeto “Parceiros da Tecnologia”, uma parceria entre Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), o concessionário Agrosul da John Deere, e que conta com o apoio do Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão (Fundeagro). O projeto resultou na construção do Centro de Treinamento de Mecânicos, em Luís Eduardo Magalhães, no oeste baiano.
Os “Parceiros da Tecnologia” busca desenvolver profissionais para dar suporte aos cotonicultores. “Afinal, muitas regiões rurais são deficitárias em instituições que qualificam o profissional para o campo, por não ser viável a trabalhadores e produtores que se ausentem por grandes períodos de tempo para cursar, por exemplo, um curso técnico ou uma faculdade”, diz Isabel da Cunha, presidente recém-eleita da Abapa.
Darci Teixeira, gerente de treinamento de marketing da John Deere, diz que a proposta é evitar que o produtor se desloque do campo para a cidade, já que a maior parte das revendas está nos grandes centros urbanos. “A capacitação vai além do treinamento operacional, mas inclui ensinar a manutenção de máquinas, uma vez que máquina parada no campo é prejuízo certeiro”, diz.
Os cursos são semanais e têm o calendário fixando. No ano de 2011, foram treinadas 33 turmas, chegando a um total de 447 pessoas, cada uma com um número médio de 14 alunos qualificados nos cursos de manutenção de tratores agrícolas, operação de plantadeiras, colheitadeiras de algodão, pulverizadores e tratores.
No local, são ministrados cursos na busca de sanar as necessidades de trabalhadores da área de mecânica de máquinas e equipamentos agrícolas, sendo dividido em três ambientes: o teórico (sala de aula), demonstrativo (salas específicas para as atividades fins) e prático (contato com as máquinas).
Outra marca que resolveu apostar na capacitação dos funcionários de seus clientes foi a AGCO Company, dona das marcas Massey Fergusson, Valtra, Challenger e Fendt. Em março deste ano, em parceria com o Senai/MS, implantou a Unidade Móvel de Treinamento.
A unidade integra o “Projeto Semear Conhecimento”, que desde junho de 2011 promove a formação de profissionais. O pontapé inicial foi nas agroindústrias do Estado do Mato Grosso do Sul. “Entretanto, esta iniciativa pretende se estender a outros Estados, contando para isso com novas parcerias com as unidades do Senai de cada região. Demanda não falta, principalmente, em áreas de cana”, diz Giancarlo Godoy, supervisor AGCO Academy.
De acordo com ele, algumas agroindústrias já manifestaram interesse em conhecer o projeto e os primeiros treinamentos estão planejados para acontecer em uma unidade do setor sucroalcooleiro, para capacitar 355 pessoas, nos cursos de operação e manutenção de máquinas agrícolas. “Preparamos profissionais para qualquer área, desde a formação básica até operadores de máquina e de manutenção de equipamentos hidráulicos”, diz.
A carreta, equipada com motores AGCO SISU Power e componentes de mecânica, elétrica, hidráulica e transmissão de máquinas AGCO, foi projetada especialmente para percorrer as agroindústrias, atuando como uma escola itinerante. Ela tem condições de receber todos os componentes necessários para a realização de cursos completos de tratores agrícolas, podendo também ser utilizada em módulos, de acordo com o tipo de treinamento necessário. “A equipe responsável pelos cursos é formada por três pessoas, um motorista, um instrutor e um coordenador”, diz Godoy.
Iniciativas, como o sistema “S”, Senai e Senac, não dão conta sozinhas de preparar profissionais de nível técnico, por exemplo. Qualificar funcionário foi à saída encontrada por 78% das grandes empresas, segundo dados do Senai.
Com o pé na faculdade
O curso superior de mecanização em agricultura de precisão é o primeiro do gênero do Brasil e ele surgiu da parceria a Faculdade de Tecnológica de Marília (Fatec) – Campus Pompeia (SP) e a Fundação Shunji Nishimura de Tecnologia. Hoje, transformada por um decreto do Governo do Estado em Fatec Shunji Nishimura. “A fundação é mantida pelo grupo Jacto, fabricante de equipamentos agrícolas. Pelo acordo, em 2009, a Fatec é responsável pela didática, pedagogia e corpo docente e a Fundação dispõe do espaço físico, dos laboratórios e dos técnicos”, explica o engenheiro agrônomo Fábio Pernassi Torres, gerente de produtos da agricultura de precisão da Jacto.
Para Torres, as tecnologias da agricultura de precisão representa um triunfo para o campo. “Hoje, são inúmeros benefícios, porém, ele não ocorre em larga escala, não por falta de tecnologia, mas pela falta da qualificação de mão de obra. Novamente o gargalo do agronegócio”, diz Torres.
A meta da fundação é chegar a 400 mil profissionais capacitados. A parceria já tem três anos e são mais de 80 alunos por semestre, sendo que em dezembro se dá a primeira formação. “Atualmente, toda a máquina tem mais eletrônicos do que qualquer outro veículo. Em meio à agricultura de precisão, mecânico de tratores e colhedoras, colheitadeiras e eletrônicos em softwares são profissionais que terão sempre uma vaga garantida. A tecnologia no campo é um caminho sem volta”, afirma.