O Brasil está voltando a viver um ciclo de vacas gordas no campo. A safra atual poderá atingir o recorde de 170 milhões de toneladas até o final deste ano.
Quando a edição de abril da Revista Rural foi publicada, havia uma especulação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), sobre a safra brasileira. No seu sétimo prognóstico da safra de grãos 2011/2012, a projeção era de que a produção nacional da safra 2011/2012 chegaria a 159,20 milhões de toneladas, número 2,2% inferior em relação à safra 2010/2011, quando foi atingida a marca de 162,84 milhões de toneladas. As condições climáticas que afetavam, sobretudo, as lavouras de soja e milho nas regiões Sul e parte do Sudoeste eram as principais vilãs para o recuo da safra. Eram.
Cinco levantamentos depois, o cenário é outro. A produção nacional de grãos divulgada no início de setembro mostra que a estimada é de 165,90 milhões de toneladas, o volume produzido na safra 2011/12, é 1,9% (3,09 milhões de toneladas) superior a produção recorde na safra 2010/11. Este resultado se deve exclusivamente ao extraordinário crescimento da cultura do milho safrinha (segunda safra) que apresentou expansão de 23,1% na área cultivada, que aliado às condições climáticas favoráveis e ao pacote tecnológico, propiciou a produção de 38,86 milhões de toneladas, representando um crescimento de 73,0%, ou 16,40 milhões de toneladas superior à produção da safra 2010/11. Apesar de que na safra, 2011/12, as condições climáticas, sob os efeitos do fenômeno La Niña, foram bastante desfavoráveis às principais culturas de verão de primeira safra, sobretudo às de milho primeira safra e soja nos estados da região Sul do país de Mato Grosso do Sul.
Com a superssafra, outro dado relevante é que o País exportou um recorde de 2,76 milhões de toneladas de milho, só durante o mês de agosto. Um recorde anterior da exportação mensal havia sido registrado em setembro de 2010, quando o Brasil exportou 1,93 milhão de toneladas. Especialistas do mercado acreditam que o País poderá fechar o ano com exportações recordes de 15 milhões de toneladas de milho.
“A alta da exportação foi favorecida pelos bons preços alcançados no mercado internacional. O cenário ainda foi favorável pela forte quebra na safra dos Estados Unidos, diga-se de passagem, o maior produtor e exportador global, que vêm sofrendo recentemente uma das piores secas em mais de meio século e também quebra de safra na Argentina”, aponta Eledon Oliveira, técnico de avaliação de safra da Conab.
Para Oliveira, analisando a situação dos Estados Unidos, houve uma ainda preocupação em relação à redução de estoques mundiais e o que fizeram com que aumentasse os preços no mercado internacional. Com isso, só houve ganhos. A notícia elevou a cotação da soja na Bolsa de Chicago para 17,57 dólares o bushel (equivalente a 27,2155 quilos), com aumento de 15% no acumulado do mês. “Os preços recordes chegaram a R$ 80, o bushel. O normal e que se mantivessem a média dos R$ 30 a R$ 32”, diz.
Só a China importou 17,08 milhões de toneladas de soja do Brasil entre janeiro e julho, e o País passou a liderar a lista de fornecedores da oleaginosa para o maior importador global do produto. Os desembarques de soja brasileira na China em julho somaram 3,8 milhões de t, alta de 10,5% na comparação com o mesmo período do ano passado. Na opinião de Eledon Oliveira, sem dúvida, a superssafra brasileira advindo das principais commodities, o milho e a soja foram as portas de exportação brasileira.
“Apesar da quebra da safra no Rio Grande do Sul, ocorrida no ano passado e que ocasionou uma perca lavoura da soja, no ano passado. Em 2012, o milho e a soja, em contrapartida, superou a marca de 16 milhões de t e nove milhões de toneladas, respectivamente. A safra deste ano compensou a quebra dos outros”, diz. “Vivemos a segunda maior safra do ano em decorrência, é claro, das boas condições climáticas”, afirma Oliveira.
Para José Mário Schreiner, vice-presidente de Finanças da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), essa é a grande oportunidade do Brasil em ser o maior produtor de soja do mundo, “mas é sempre bom ressaltar que a safra 2012/2013 já está com 65% de sua totalidade, antes dos preços menores de mercado. Em contrapartida, o custo dos insumos que chegaram a 18% a 20% em relação ao ano passado e a 10% e 12% dos defensivos”, diz. “É bom lembrar que os preços elevados das commodities repercutiu negativamente na suinocultura, na avicultura e até no confinamento”, ressalta.
De acordo com Gesmar Santos, técnico em planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a supersafra é a resposta do mercado brasileiro. “O Brasil aprendeu aumentar a produtividade. Só o continuamos com o calcanhar de Aquiles que são os insumos. A crescente ascensão dos preços e da dependência externa dos fertilizantes são os vilões do cenário mais positivo”, diz. “Outro ponto da superssafra e da demanda do mercado internacional são os insumos para a suinocultura e avicultura que têm ficado cada vez mais caro”, afirma Santos. Entretanto, aponta o técnico do Ipea, a tendência é a gangorra dos preços atinja o consumidor. “No caso dos suinocultores, eles poderão reduzir os preços e vender os animais mais magros para não perderem dinheiro”, diz.
“Não vejo nada de negativo, pelo contrário, o momento os jornais anunciam a questão da avicultura e a suinocultura, por causa do preço. “Desde Sinop, em Mato Grosso, ao outro lado do mundo, o que se fala é o preço do bushel. Não temos como reverter, a política de preços internacionais. Porém, o governo já agiu nos casos isolados”, afirma Sávio Pereira, da Secretaria de Política Agrícola (SPA) do Ministério da Agricultura.
Segundo ele, não há falta de produto, o que ocorre é o excesso de produção, por exemplo, no Mato Grosso, e os preços, mas, sobretudo falta logística para distribuir os grãos. De acordo com ele, o Brasil está vivendo o melhor momento de todos os tempos. Inclusive quando se fala em alta dos insumos, “uma vez que os produtores anteciparam suas compras”, diz. “Hoje 80% das exportações brasileiras são milho e soja. Com o advento da tecnificação, o Brasil passou a ser olhado com mais interesse pelos outros países. Até por que a recuperação dos Estados Unidos, se ela acontecer se dará em setembro do ano que vem, até lá o Brasil será o celeiro do mundo e abastecerá os estoques mundiais”, aponta. “Hoje, a soja virou negócio meio que ouro”.
Situação favorável
Além de desbravar novos mercados no mundo e aprimorar suas relações comerciais com antigos clientes, outros fatores impulsionam o otimismo com o agronegócio brasileiro. O Brasil continuará sendo o País com a maior disponibilidade de área para plantio mundial – e pode ampliar sua agricultura nos próximos anos, colaborando no combate à escassez de alimentos no mundo. Outra razão que alimenta as perspectivas no campo é a maturidade tecnológica na agricultura nacional, em função de seus recentes investimentos no desenvolvimento em pesquisa e inovação tecnológica.
Tão importante quanto os resultados da safra atual é a projeção para o próximo ano. “O que pode ocorrer é o aumento da área de soja, com a ajuda das condições climáticas no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No Paraná, o plantio de milho poderá haver uma redução, de acordo com as condições climáticas e os preços desta segunda safra. Com a superssafra, o papel do Brasil será a de manter os estoques mundiais. Porém, o que não podemos esperar é que ocorram dois ciclos seguintes. Eles não se repetem”, diz.
Sinais nessa direção parecem claros. Em agosto, a venda de adubos e fertilizantes cresceu 44,8% no Brasil, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Isso significa que os agricultores estão confiantes e já estão apostando alto no plantio da próxima safra.
O setor brasileiro de fertilizantes planeja investir US$ 18,9 bilhões até 2017 para diminuir a dependência da agricultura do país das importações. Dados apresentados durante o II Congresso Brasileiro de Fertilizantes, mostram que a produção nacional de nutrientes – nitrogênio, potássio e fósforo – deve saltar de 3,427 milhões de toneladas para 9,353 milhões de toneladas, entre 2012 e 2017.
Entre os investimentos que devem alavancar o setor, destacam-se o da Vale Ferlizantes, que planeja investir US$ 8,8 bilhões até 2017, passando a ter uma capacidade de produção de 30 milhões de toneladas por ano. Outros grandes projetos da Vale são: o Carnalita, em Sergipe, com a perspectiva de produzir 1,2 milhão de toneladas por ano de cloreto de potássio, com um investimento de US$ 1,8 bilhão e o Salitre, em Patrocínio (MG), que projeta investimento de US$ 1 bilhão, com início para o 1º semestre de 2016, com o objetivo de produzir 1,1 milhão de toneladas de rocha fosfática por ano e 500 mil toneladas de material supersimples (SSP).
É evidente que um crescimento tão forte também reflete a crise dos últimos anos, em que o mercado ficou parado. A confiança do produtor rural também se reflete em outros aspectos. De acordo com levantamento da Conab, área plantada no exercício 2011/12, teve fixada sua estimativa em 50,86 milhões de hectares, superior em 2,0% (982,2 mil hectares). Comparativamente ao mês anterior, o levantamento atual apresentou um incremento de 47,1 mil hectares, fruto de ajustes realizados nos plantios em alguns estados da região Nordeste.
O crescimento físico da produção tem sido significativo, mas a renda dos agricultores seria maior se o real não estivesse tão valorizado. O dólar a R$ 1,85, como se viu no fim de setembro, é um pesadelo para os produtores – o que atenua os prejuízos é a tendência de alta das commodities agrícolas. Além disso, há um outro “porém”. Ao contrário do plantio ocorrido no ano passado, em que o clima foi o melhor amigo do produtor, o “tempo” dá mostras de que poderá pregar algumas peças no futuro breve.
Segundo dados da Conab, uma das apostas do setor diz respeito ao crescimento da produção de soja, baseada na grande comercialização de fertilizantes para a sojicultura, cujo plantio começa por agora. Com crédito à disposição e estimulados pelo aumento dos preços internacionais, os sojicultores brasileiros sinalizam aumento da área plantada para 27 milhões de hectares, suficientes para colher 82 milhões de toneladas de soja.
As vendas de máquinas e implementos agrícolas registraram um crescimento de 15% no primeiro semestre deste ano comparativamente ao mesmo período do ano passado. A informação foi divulgada pelo presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas – CSMIA – da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Celso Casale, durante a realização da Expointer 2012, no Parque de Exposições de Esteio, no Rio Grande do Sul.
Segundo Casale a alta registrada se deve aos preços favoráveis das commodities agrícolas no mercado internacional e à disponibilidade de crédito em boas condições em termos de taxas de juros e prazos dos financiamentos.
Em contrapartida
A União Brasileira de Avicultura (Ubabef) projeta queda de 10% na produção de carne de frango este ano por causa da alta dos preços do milho e do farelo de soja, principais ingredientes da ração. “Pequenas empresas estão sem crédito bancário para competir com importador (de milho), que paga à vista e em dólar”, afirma Francisco Turra, presidente da entidade.
De acordo Turra, faltou ração, e a que está disponível ficou cara. “É um processo natural reduzir a oferta, e absolutamente lógico repassar aumentos de custos para os preços dos produtos”, diz.