Numa estatística simples, 80% da produção agrícola nacional estão nas mãos de 20%, no entanto, é justamente nos 80% de produtores, que representam com os 20% restantes, que está o problema – o repasse do que há de melhor e mais adequado ao desenvolvimento da atividade agrícola brasileira. Para falar um pouco mais sobre as condições do repasse de informações no meio rural, José Annes Marinho, gerente da área de Educação da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) – a Andefedu – , conversou com o repórter Fábio Moitinho. O trabalho tem sido de formiga, mas já tem ganhado mais representatividade nacional.
Revista Rural – A exemplo do que ocorre com o sistema de retorno de embalagens vazias, no qual o Brasil se destaca mundialmente, o que se pode falar sobre o correto uso dos defensivos agrícolas no País?
José Annes Marinho – Acredito que somos exemplo para o mundo também nesta área. Não conheço trabalho feito com tamanha dedicação para nossos heróis, mas não somos auxiliados como deveríamos, ou seja, não temos um líder. Isso é plenamente visível, pois nossa extensão rural está desestruturada. Tomara que a nova lei da extensão possa vir a ajudar mais pessoas do campo. Alguns exemplos que divulgamos recentemente, somente a indústria (cooperativas, revendas e empresas) já capacitaram mais de 12 milhões de pessoas no Brasil.
Isso tem sido possível devido a um prêmio que Andef promove, visando divulgar a boas práticas. Imagine se o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), ou uma Empresa Municipal de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), ou uma organização não governamental, ou mesmo órgãos estaduais divulgassem seus números a um único órgão que multiplicasse e consolidasse estas iniciativas. Não seria diferente? Infelizmente nos falta isso. Mas, olhando para o futuro, nosso maior desafio, ainda é levar informações e chegar aos pequenos produtores. Temos muitos trabalhos no campo, mas ainda individualizados, e neste setor, com pequenos produtores, a informação muitas vezes não chega com facilidade, até mesmo pela cultura e modelo agrícola. Como sou brasileiro e não desisto nunca, acredito que estamos no caminho certo para tornar nossa agricultura cada vez mais sustentável.
Rural – Diante desse problema no repasse de informações a pequenos agricultores, como vocês têm lidado com essa classe que congrega importantes personagens na produção de alimentos no País?
Marinho – Nosso maior desafio além de chegar aos pequenos produtores está no repasse dessas informações. Vejo que nossa cultura e aversão a novas tecnologias são barreiras difíceis de serem quebradas. Ainda estamos muito aquém, pois nos falta a gestão, pois precisamos trabalhar pensando que nossa fazenda é uma empresa que precisa dar lucro. Nosso papel é produzir informações, e gerar projetos que possam ser difundidos por outros parceiros. Não temos a cultura de ler, mas precisamos mudar esse cenário. Temos usado materiais, direcionados tanto a técnicos como a produtores, que despertam o interesse em saber mais, através de dicas e orientações de fácil entendimento. Usamos um personagem simpático, que é técnico e ao mesmo tempo é produtor, que sabe das dificuldades que é produzir – o Andefino. Nossa dificuldade é ter parceiros, além das empresas associadas á Andef, que levem estes materiais, que façam extensão até recuperarmos os 20 anos que perdemos com as iniciativas do governo Fernando Collor. Temos um projeto direcionado para pequenos produtores no Estado do Espírito Santo, chamado Agro+ “por uma agricultura mais sustentável”. Este projeto consiste em diagnosticar a situação de 300 propriedades nos aspectos sociais, ambientais e de adoção de boas práticas. Esses estabelecimentos rurais serão classificados de acordo com um índice de maior ou menor sustentabilidade. Após isso, será feito a capacitação dessas pessoas em todos os aspectos. Por fim, passados 12 meses, essas propriedades serão reavaliadas para comprovar as mudanças.
Rural – No geral, como a entidade tem trabalhado para promover o melhor planejamento de controle fitossanitário na lavoura? Em quais delas há maior índice de problemas?
Marinho – Temos gerado informações e materiais que possam chegar ao produtor tanto do ponto de vista impresso como digital, além de gerar palestras e fóruns para discutir os temas que são mais sensíveis e que necessitam de novos recursos para melhorar as técnicas de aplicação. No entanto, identificamos que nossos gargalos ainda continuam os mesmos, como a falta de consciência por parte de alguns produtores e até mesmo vendedores, que geram alguns problemas. Exemplos disso são a falta de uso de equipamento de proteção individual (EPI), a falta de informação quanto á calibragem e regulagem de pulverizadores – nesse caso, nos baseamos ainda em aumento de volume e aumento de pressão, quando o correto é focarmos na ponta (bico) ou tamanho da gota. Outra questão cultural é a falta de leitura de bulas e rótulos, e, por fim, ainda não fazemos amostragem de pragas visando determinar o nível de dano para realizar a aplicação. Esses são alguns problemas, do ponto de vista fitossanitário, mas outros que fogem deste aspecto, como gestão e planejamento. De fato, estes problemas estão na grande maioria em pequenas propriedades, ou seja, na chamada agricultura familiar. Minha esperança está no incentivo á educação no campo para mudarmos ainda mais esse quadro.
Rural – Como a indústria, a pesquisa e o próprio governo têm ajudado nesse trabalho?
Marinho – Ainda necessitamos de um maior envolvimento do governo. O processo em geral é lento. Precisamos de novas tecnologias no campo com produtos mais seguros, que estão na fila de espera. A indústria, além de gerar novas tecnologias, também precisa do governo para aprová-las. Nosso processo é burocrático e demorado. Isso, em geral, tira a competitividade do Agro. É um processo que precisamos evoluir. No entanto, fazemos capacitações para tentar minimizar o impacto da falta de uma extensão rural no País, mas estamos muito aquém do que poderíamos fazer se unirmos esforços.
Rural – A falta do uso dos EPIs são efetivamente os maiores problemas encontrados nas propriedades? Quais outros problemas também podem ser listados?
Marinho – Acredito que seja um deles. Não temos a cultura de nos proteger, é um elemento que precisamos ter consciência. Comparo o EPI ao cinto de segurança, não sei, mas nós brasileiros somos impactados quando punidos, não saberia dizer se é a melhor forma. Velhos paradigmas ainda precisam ser quebrados, como os altos volumes de aplicação, a introdução do monitoramento nas lavouras, a gestão, o controle do fluxo, a análise de solo e a escolha de produtos duvidosos. Tudo isso ainda são gargalos a serem vencidos. Infelizmente os bons pagam também pelos maus gestores, mesmo assim, já evoluímos muito.
Rural – O fator cultural revela-se ainda um componente muito forte para a adoção dos procedimentos mais adequados para o trabalho no campo?
Marinho – Sem dúvida, ainda é um fator que prejudica o campo. O famoso “meu avô fazia assim e eu continuarei fazendo”… Ouvimos muito isso numa visita ao Estado do Maranhão, recentemente, de um produtor… Felizmente, os outros o corrigiram. Talvez, na cabeça das pessoas, imagina-se que se está dando certo, por que mudar? Minha grande esperança é que novas gerações quebrem paradigmas de 1970 e adotem inovações, técnicas de gestão e empreendedorismo.
Rural – Para minimizar essas situações, quais os programas desenvolvidos pela entidade mereceriam então um maior destaque e por quê?
Marinho – Temos alguns programas, como o Agro+, voltado para pequenos produtores, e o Simpósio sobre Sistema Integrados na Agricultura (Simpas), focado em grandes produtores, técnicos e influenciadores. Também tem de ser destacado o Prêmio Andef, que une revendas, centrais de embalagens, cooperativas, indústria e jornalistas com o objetivo de visar a prestação de serviços através da educação no campo. A entidade também tem relação com programas de pós-graduação e Master of Business Administration (MBA) com universidades e institutos, além de promover congressos, cursos e capacitações para diversos produtores e multiplicadores no Brasil.
Rural – Como tem sido a receptividade do personagem Andefino pelas feiras e eventos por onde tem passado? Que tipo de ações está por trás do trabalho desse mais novo ícone da Andef?
Marinho – Demoramos dois anos para que o Andefino nascesse. É um plano muito sólido, pois temos visto que ele é muito simpático e, ao mesmo tempo, incisivo em suas convicções. É o nosso elo com todos os públicos. O que notamos é que as pessoas gostam disso, se sentem bem quando ganham atenção. O personagem traduz isso – é nosso produtor, simples, humilde e simpático, por isso nos identificamos, e nos achamos parecidos com ele (muitas pessoas já comentaram isso). Além de estar estampado em nossos materiais, ele participa de eventos, premiações e logo teremos materiais para nossos futuros profissionais do campo, fazendo-o exemplo de dedicação, serenidade e compromisso para com as futuras gerações e com nosso Agro.
Rural – Agora, um verdadeiro outdoor móvel cruzará Brasil afora levando uma mensagem sobre as boas práticas na lavoura. Trata-se de um caminhão que foi todo personalizado pela transportadora Lutf com uma mensagem aos produtores rurais. Essa iniciativa busca garantir maior visibilidade às preocupações com desempenho das propriedades na adoção do melhor manejo possível. Que projetos mais ainda estão em estudo para multiplicar as ideias propostas da Andefedu?
Marinho – Sem dúvida, temos ideia de gerar um livro para aluno e professor usando o Andefino como interlocutor para escolas. Talvez, no futuro, uma peça teatral itinerante possa viajar pelo Brasil inteiro transmitindo mais mensagens, assim como mais caminhões com outros parceiros. A missão do Andefino e nossa é levar informações aos diversos cantos do Brasil, para o Agro sem limites. Como digo e acredito que sempre, o melhor está por vir.