Diante de todas as polêmicas acerca do novo Código Florestal, Carlos Roberto Micheline, engenheiro agrimensor formado pela Faculdade de Engenharia de Agrimensura (FEAP), em Pirassununga (SP), e pós-graduado em Consultoria em Agronegócios e Gestão Empresarial, traçou um panorama da situação na tentativa de elucidar algumas questões. Baseado na recente republicação de sua obra “Legitimidade da propriedade rural”, ele fala com o repórter Fábio Moitinho sobre os problemas que ainda afligem os produtores rurais e o papel que se espera do governo.
Revista Rural – Quais os reais riscos para a produção do País a partir do que se discute com a aprovação ou revisão do novo Código Florestal? Há o que temer?
Carlos Roberto Michelini – Bem, não se pode falar em riscos para a produção maiores dos que há hoje, quando persistem indefinições inconciliáveis entre ambiente e agricultura. Muito melhor que tudo isso, com certeza, será um ambiente de definição, com regras definidas para podermos cumpri-las e planejar as atividades produtivas.
Rural – Como o senhor descreveria o produtor rural de hoje? Ele está mais preocupado com a gestão de negócios, resultados e com uso maior de tecnologia?
Michelini – Sim, os produtores estão mais antenados com a gestão de seus negócios dentro e fora da porteira, haja vista os níveis de tecnologia atingidos em maquinários e insumos. Mas, pode-se dizer que ainda estamos abrindo mão de uma tecnologia que está aí, plenamente disponível, faz tempo, e ainda existe muita gente que insiste em não ver: a tecnologia da administração, a profissionalização, o ajuste formal dos negócios, coisa que temos preconizado, em nosso livro. Não há como adentrar um mundo competitivo e corporativo, como o que vem chegando, sem definições formais das propriedades rurais.
Rural – Nesse sentido, ele está apto a se adaptar as mudanças que estão por vir?
Michelini – O produtor rural está se conscientizando dessas questões, participando das mudanças e assimilando-as com responsabilidades.
Rural – O que se percebe é que há muita burocratização para se fazer todos os estudos de dimensões das propriedades e identificação das áreas desmatadas, que eram legais anteriormente. Isso ocorre de fato? Que medidas têm de ser adotadas para melhorar isso?
Michelini – Infelizmente isso tem acontecido, pois o que estava legal quando firmado e respeitado as normativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Hoje, ou melhor, há alguns anos o governo tem exigido novos projetos com novas regras fundiárias e ambientais, agravando essas com as inúmeras mudanças de normativas técnicas e administrativas. Para se conseguir a solução dessas questões, há a necessidade de maior clareza e de diretrizes concretas para que tenhamos segurança jurídica e assim, desenvolver produtividade com sustentabilidade.
Rural – Que tecnologias têm de ser mais exploradas para ajudar o País mostrar ao mundo que efetivamente temos implantado um agronegócio sustentável?
Michelini – Uma palavra sintetiza tudo isso: produtividade, em seu mais amplo sentido. Não somente sacas por hectares, mas a rentabilidade da propriedade, evidentemente, falando de atividades que cumpram os limites éticos socioambientais.
Rural – Quanto custaria para o bolso do produtor estar legalizado? Muitas pesquisas apontam um preço muito alto a se arcar, sendo que o governo poderia compartilhar essa conta. O senhor também concorda com isso?
Michelini – Esse custo poderia ser justo se gasto uma só vez. Porém, com as mudanças de regras como disse anteriormente, e a insegurança jurídica, os retrabalhos acabam ultrapassando todo e qualquer projeto físico financeiro da propriedade rural. Não vejo a necessidade do governo compartilhar essa conta, mas sim, a necessidade do governo não atrapalhar o desenvolvimento da regularidade e produtividade, como tem acontecido com a falta de definições claras nas questões técnica e jurídica.
Rural – Em qual região do País essa conta seria mais cara e porque? Qual seria o caminho viável nesse caso?
Michelini – Toda e qualquer região do País que tem produção agropecuária, está prejudicada na legalidade e assim ultrapassando os cronogramas financeiros da propriedade rural. O bom senso seria uma ótima iniciação para uma produção rural com sustentabilidade.
Rural – A falta de entendimento ou comunicação entre os segmentos ambiental e rural tem refletido muito na técnica das discussões sobre a aprovação no novo Código Florestal. Qual a saída possível para fazer esses dois grupos se entenderem?
Michelini – Não há saída para isso fora da mediação da sociedade! O que precisamos ter é discussão, mas sem a politização excessiva que tem marcado o debate. Não adianta tratar limites de preservação como se fosse um cabo de guerra. Isso teria de permear mais a sociedade, com o necessário comprometimento das universidades. Mas, como fazer isso, num país em que elas estão em contínua greve, e desprestigiadas pelo governo e sociedade?
Rural – O que se percebe também, em todas as discussões, toda uma interferência externa – que acabam refletindo ideias que nem dizem respeito sobre o sistema de produção brasileiro. Na opinião do senhor, isso chega a agravar a situação?
Michelini – É agravante sim, porém, a interferência externa faz parte do jogo. Vivemos numa aldeia global, como antecipava o velho Chacrinha. Somos pressionados com relação ás nossas florestas e cerrados. É natural. O que não podemos é deixar que a liderança disso caia nas mãos alheias, por pura incompetência nossa. Devemos decidir firmemente nossos rumos, pensando globalmente.
Rural – Que modelo de produção o Brasil tem de se ater daqui para frente para dinamizar a produção sem perder de vista a proteção tanto social quanto ambiental?
Michelini – Desenvolver produção com sustentabilidade, e para isso, precisamos de regras claras e com segurança técnica e jurídica. Lembrando sempre que o ser humano também faz parte do meio ambiente. Temos de nos espelhar na espiritualidade de São Francisco de Assis, que em tempos primórdios já respeitava o Universo como irmão.