Mesmo num quadro de seca, foi possível fazer chover na região da Chapada de Diamantina, na Bahia. A novidade, que se provou eficiente em algumas regiões do País, trouxe um pouco mais de alívio a produtores de abacaxi que sofreram com um longo período de seca.
Este ano, o Estado da Bahia passou pela pior seca dos últimos 47 anos. A Região Nordeste, como um todo, sentiu bastante a queda dos índices pluviométricos, que chegou a uma média mensal de 25,3 milímetros (mm) em julho. Em abril, na Bahia, a média mensal girava entre um a 25 mm, de acordo com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Naquele mês, a média de chuvas do Nordeste ficou em 56,5 mm – 60,52% a menos que a média registrada no mesmo período do ano passado. As causas disso estão relacionadas à persistência de águas superficiais mais frias que o normal nas áreas equatoriais e tropicais do oceano Atlântico. Essas condições comprometem o desenvolvimento de sistemas importantes para a ocorrência de chuvas na região.
No entanto, uma novidade trouxe alento a produtores baianos, especificamente na cultura do abacaxi. Tratou-se da indução de chuvas, técnica na qual uma pequena aeronave, munida de um reservatório de água potável, criava condições de precipitação a partir da dispersão de gotículas de água em meio à nuvem. Dos dias 27 de maio a 24 de junho, foram realizados 17 voos que ocasionaram 14 chuvas. A técnica, além de contribuir diretamente com a precipitação em si, pôde promover um re-estabelecimento do ciclo hidrológico na região com a ocorrência de cerca de três chuvas naturais.
A área contemplada no Estado foi a região da Chapada Diamantina, pelos arredores dos municípios de Itaberaba e Marcionílio Souza – área compreendida como a Zona do Abacaxi. Por lá, a técnica rendeu uma média de oito mm. “Isso, para a pecuária, não é nada, mas para o abacaxi, foi fantástico”, declara Railton Amorim, produtor e vice-presidente da Cooperativa de Produtores de Abacaxi de Itaberaba (Coopaita). Segundo ele, a medida deve salvar parte da produção e diminuir a queda da safra. “Prevíamos, antes da indução de chuva, uma quebra de 50% da safra. Agora devemos ter uma baixa de 20% a 30%”.
A produção de abacaxi na Bahia corresponde a 23% do total produzido no Nordeste – é o segundo maior Estado produtor na região, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir do levantamento da Produção Agrícola Municipal 2010. A quantidade produzida naquele ano foi de 139.324 mil frutos, em 5.325 hectares cultivados. O valor da produção chegou a R$ 122,5 milhões. Já na Coopaita, são 180 produtores que trabalham numa área de 400 ha, na qual saem anualmente uma safra de cerca de quatro milhões de frutos.
Baixa exigência hídrica
O abacaxizeiro é tido como uma planta com necessidades hídricas relativamente reduzidas, de acordo com dados de pesquisa da Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas (BA). Isso se deve a mecanismos existentes na espécie que facilitam a adaptação dela a condições de deficiência de água. Nesse sentido, ele apresenta características de armazenamento d’água na hipoderme das folhas, baixa transpiração durante o dia e coleta de água que permite canalizar o orvalho condensado para a base da planta.
Em média, a cultura exige, em geral, uma quantidade de 60 mm a 150 mm de água por mês. A faixa ideal de precipitação pluviométrica está entre 1.000 mm e 1.500 mm por ano, bem distribuídos. O fato complicador para os produtores baianos foi justamente a longa estiagem que ocorreu. De acordo com Amorim, foram cerca de oito meses sem ter uma boa chuva para o desenvolvimento da cultura, que possui um ciclo de cerca de 1,5 ano – com o período de plantio de dezembro a maio e colheita de maio até novembro. “Precisamos de chuvas logo após o estabelecimento das mudas, e próximo á época de indução da floração, que se dá quando a planta está com um ano. Isso faz com que tenhamos de manejar a lavoura em dois estádios diferentes, o plantio e a indução”, explica o produtor.
O processo de indução se faz para antecipar e, principalmente, homogeneizar a época de florescimento e colheita do abacaxizeiro. Essa técnica é feita através da aplicação de produtos indutores sobre a roseta foliar (olho da planta) ou mesmo a partir de uma pulverização na lavoura.
A época mais adequada para a indução depende de vários fatores, principalmente, do planejamento da data de colheita, uma vez que, após cinco a seis meses depois da indução, os frutos estão aptos para a colheita. Em geral, recomenda-se que a indução seja feita em plantas de oito a 12 meses de idade.
Os indutores mais usados são o carbureto de cálcio e os produtos a base de ethephon (ácido 2-cloroetil fosfônico). A eficiência no processo de indução é aumentada executando-se a prática à noite ou nas horas mais frescas do dia, de preferência em dias nublados.
Medida emergencial
Amorim já tinha ouvido falar nessa tecnologia para “fazer chover” e pôde acompanhar muito de perto de todo o processo. Ele e demais produtores tiveram de aprender algumas técnicas para poder observar as nuvens, para identificar as quais realmente são as que serão “semeadas”. “É uma técnica bem simples, limpa e que não afeta o meio ambiente. Em cerca de 20 minutos pude ver o resultado no céu”, declara.
Os responsáveis pela semeadura de nuvens são os profissionais da ModClima, empresa paulista que detém a patente de sete itens, entre instrumentações e procedimentos que criam as condições para a precipitação. “Usamos esse termo de semeadura, pois os jatos d’água que são liberados dentro da nuvem vão desencadeando um processo de condensação das gotículas de água”, explica Ricardo Raiji Imai, um dos proprietários da empresa. “A quantidade de água liberada servirá tão somente para que haja um favorecimento da captação das demais partículas existentes na nuvem. A partir daí, ela começa a se expandir e pode se fundir a outras que estiverem próximas. Cresce até uma determinada altura e depois se desaba – está aí, a chuva”.
Este, de fato, é o processo final de uma força tarefa que tem de ser executada a partir do solo. A equipe da ModClima tem de estar apoiada a olheiros de nuvem, que dizem sobre a existência e a localidade da nuvem e a direção para qual ela segue. “Tivemos de fazer com que esses participantes realmente soubessem identificar a nuvem adequada para repassar aos pilotos”, diz Majory Mie Imai, diretora comercial da empresa e irmã de Ricardo. A mais apropriada é a denominada cumulus (ou nuvem cumuliforme – as com formato de uma couve-flor).
Alfredo Bezerra, presidente do Sindicato Rural de Itaberaba, juntamente com Hernandes Medrado, do Sindicato Rural de Marcionílio Souza, promoveu a reunião entre a Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária do Estado da Bahia (Seagri) e a ModClima este ano. “Li uma reportagem num jornal que falava sobre a tecnologia de indução de chuvas e logo fizemos essa reunião”, lembra Bezerra. “Foi um acordo muito rápido, por parte do governo estadual, em já contratar os serviços da empresa, pois estávamos em meio a uma crise nos campos, em função da falta de chuva”, ressalta. O investimento nesse projeto chegou a R$ 200 mil.
O representante da classe produtora de Itaberaba também foi um dos olheiros durante as operações de indução de chuva, ou seja, era ele quem passava informações sobre a presença de nuvens que estivessem a caminho das áreas importantes a serem atingidas pela chuva.
A partir dessas informações, ainda são verificadas as condições de tempo, direção de ventos e temperatura – além da utilização de imagens via satélite para dinamizar a caça às nuvens. “A tecnologia é nova, e podemos dizer que estamos num processo de validação dela. Mas, não se trata de uma tarefa simples, existem muitas variáveis que interferem e influenciam no processo do desencadeamento de uma chuva. Fazer chover no Nordeste, para nós, foi um desafio e tanto, mas, no final das contas, pudemos validar nossa tecnologia”, pondera Majory.
A ideia partiu do pai dos diretores da ModClima, o senhor Takeshi Imai, engenheiro mecânico que se atreveu a mexer com a “mecânica da natureza”. De acordo com Ricardo, ele quis um dia entender como funcionava um furacão, o que o desencadeava, que tipo de força estaria ali presente capaz de acelerar os ventos. Entre tantos estudos e invenções, saiu um sistema de pulverização para nuvens que funcionou.
As primeiras experiências foram feitas em 2001, a partir de um contrato com a Sabesp, empresa de economia mista responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos do Estado de São Paulo. A necessidade era de se desencadear chuvas no sistema Cantareira, o qual abastecia o reservatório do Estado. De lá pra cá, demais projetos foram sendo fechados para produção de chuvas em Toledo (PR) e em outros Estados nordestinos, como Maranhão e Pernambuco.
O senhor Imai foi quem desenvolveu os bicos especiais capazes de dispersar gotículas com diâmetro controlado. Na aeronave são distribuídos quatro desses bicos pulverizadores, instalados nas asas e na fuselagem. Estes são alimentados por um tanque com capacidade de 300 litros d’água. Os jatos são lançados em regime de turbulência no interior das nuvens, o que favorece o processo de colisão e coalescência natural (formação de gotas maiores a partir da união de partículas menores) que ocorre no interior das nuvens.
Em 2005, a tecnologia de chuvas artificiais foi laureada com medalha de ouro da ciência no 7º Symposium International de L’eau em Cannes, na França, e comprovada pelos hidrologistas da Sabesb e hidrometeorologistas do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia, da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri/Ciram).
A intenção, segundo Majory, seria não apenas se utilizar dessa tecnologia como uma ferramenta emergencial, mas sim, como uma tarefa preventiva, pelo fato de a tecnologia ser capaz de antecipar ou estender os períodos de chuva. Aliada a demais técnicas de aproveitamento de água, a indução poderia fazer até parte de um programa do governo federal no combate á seca, em diversas regiões do País.
Tecnologias antisseca
Não só fazer chover seria a saída para que produtores rurais não mais perecessem em função das adversidades climáticas. O interessante seria unir quanto mais tecnologias para melhorar a distribuição de água pela lavoura, ou mesmo suprir as necessidades de cada cultivar. Luiza Teixeira de Lima Brito, pesquisadora da Embrapa Semiárido, situada em Petrolina (PE), é uma das especialistas nesse tema e fala de três tipos de tecnologias que poderiam ajudar os produtores. Duas se referem ao que se compreende por irrigação de salvação – barreiro e cisternas de produção – e a terceira – barragem subterrânea – está ligada a técnicas de captação e armazenamento de água da chuva na própria área a ser agricultada.
Barreiro. Ou também barreiro trincheira. Trata-se de um reservatório de água chuva que é abastecido por gravidade (sistemas de canais levariam as águas até o reservatório) ou por bombeamento. Levando em conta a qualidade da água obtida, o uso pode ser estritamente para a agricultura. Nesse tipo de reservatório que pode comportar de três mil a cinco mil metros cúbicos de água. Outro sistema de encanamento levaria a água para as áreas agricultáveis, complementando as necessidades hídricas de cultivos anuais.
Cisternas de produção. Estruturas semelhantes ao sistema de captação de água de chuvas para o consumo humano – neste caso, a cisterna de produção ficará mais próxima das áreas agricultáveis e podem receber águas de reservatórios ou as que ficam acumuladas á margem de estradas. O abastecimento também pode ser por gravidade ou bombeamento. Esse tipo se encaixa bem na cultura de hortaliças e em pequenos pomares. Em unidades que comportam 50 mil litros dá para manter 20 fruteiras, ou uma área total de 12 metros quadrados, no caso de horta.
Barragem subterrânea. Aproveita as águas das enxurradas e de pequenos riachos disponíveis na região, armazenando-a no solo. A umidade do solo adquirida no período chuvoso permanece por um tempo maior no solo, onde podem ser plantadas fruteiras, hortaliças e culturas anuais. Contudo, essa tecnologia tem de ser muito bem avaliada sob os aspectos de tipo e declividade de solos adequados até a necessidade do produtor. Solos arenosos são os mais indicados – os argilosos não garantem boa infiltração de água e acabam deixando a água escoar da área. A declividade tem de ser de 3% a 4%.
