Agricultura

Jovem produtor: a redenção do campo

Com foco no investimento social, projeto resgata o espírito empreendedor a produtores rurais. As opções de mercado de trabalho que regiões tradicionalmente rurais possuem se diferem muito das de muitos polos urbanos, como São Paulo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir do Censo Demográfico 2010, o valor médio do rendimento mensal total domiciliar per capita nominal no País ficou em R$ 668. Em relação ao Estado do Piauí, a média averiguada pela pesquisa foi de R$ 367 – se for considerada apenas a população rural, o rendimento cai para R$ 174 por pessoa.

Na capital paulista, a média do rendimento da população urbana foi de R$ 1.186. No entanto, nem sempre a promessa de prosperidade ocorrerá na metrópole. Renato de Oliveira Rodrigues, 27, soube na pele como foi trocar a realidade que vivia com a família, em Pedro II (PI), a 205 quilômetros da capital do Estado, Teresina, por uma oportunidade melhor em São Paulo.

A promessa ficou só no sonho mesmo, e ele teve de voltar para terra natal. Mas, naquela época – em meados de 2006 a 2007, um projeto já apresentava sinais de mudança para a mão de obra agrícola daquele município. Era o Projeto Jovem Produtor, financiado integralmente pela Pfizer do Brasil, companhia que este ano faz 60 anos de presença no País, com atuação nas áreas de saúde humana e animal.

A iniciativa ainda conta com o apoio gestor da Care Brasil, uma organização não governamental (ONG) que atua no País desde 2001. A entidade congrega a Care Internacional, uma federação de 12 países-membros (Alemanha, Austrália, Áustria, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Holanda, Japão, Noruega, Reino Unido e Tailândia) com sede em Genebra, na Suíça, e que atua no combate à pobreza em 87 países.

No início, o Paraíso

O combate à miséria foi feito ao mostrar como é possível garantir a sustentabilidade da mão de obra no campo. Esse foi o ponto de partida no Assentamento Paraíso. Assim como os demais incluídos no projeto, este não tem nada a ver com o programa de redistribuição de terra desenvolvido pelo governo federal. Trata-se de uma área de 240 hectares (ha) que foi adquirida por um grupo que recém saía da Escola Família Agrícola (EFA) Santa Ângela, que atua naquela região. Ao todo, 13 pessoas formaram o assentamento e fundaram a associação de produtores.

Dionísio Uchôa de Oliveira, 28, Edivaldo Pereira Chaves, 28, e Sidney Gomes de Oliveira, 27, são alguns dos integrantes da propriedade – Renato, que não participou da EFA, acabou fazendo parte do grupo em função da desistência de outro integrante, e agora percebe que a volta para o interior foi mais recompensadora. Juntos, eles puderam aplicar o conhecimento à prática, com todo o suporte técnico necessário para fazer o negócio vingar.

O assentamento fez parte da primeira fase do projeto, iniciada em abril de 2006 e que foi até março de 2008. Naquela época, o Jovem Produtor beneficiaria os 120 alunos da escola agrícola. Além de atividades ligadas às reformas e ampliação das estruturas da Fazenda Santa Ângela e capacitações de manejo de aves e suínos, os alunos receberam um lote de 33 aves e quatro suínos (sendo um macho e três fêmeas). “O impacto maior foi ter de lidar com a diferença de manejo da criação dos animais”, lembra Dionísio, que atua como presidente da associação. “Nossos pais e familiares não acreditaram, na época, no jeito como estávamos conduzindo o trabalho. Deixamos de lado o estilo de criação familiar para o profissional, e isso causou o choque cultural. Agora podemos mostrar os resultados e saber medir os nossos custos produtivos. Hoje somos vistos como exemplo na região”, destaca o produtor.

Cada integrante tem um papel bem definido nas criações de aves, suínos e, em menor número, caprinos. De 2006 para cá, a transformação dos negócios foi bem desempenhada. O grupo tem firmado, desde 2011, um contrato de venda direta de aves com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No primeiro ano, foram comercializados 600 quilos (kg) à empresa estatal. Este ano já são mais 1.000 kg, com valor fixo de R$ 7 por quilo. “Nunca imaginamos possuir um cliente como o próprio governo federal e, agora, nós temos. Nesse momento, esperamos a decisão das prefeituras locais sobre a compra dos animais para compor o cardápio da merenda escolar”, diz Dionísio.

Com a obrigatoriedade da administração municipal ter de gastar 30% do orçamento que compete à merenda escolar com produtos vindos da agricultura familiar, a esperança de mais lucratividade é bem certa. Mais certo ainda é o fato de que o profissionalismo na atividade agrícola é muito possível no interior do Brasil. A estrutura que se vê no assentamento hoje se destaca perante a realidade vista nos grandes centros urbanos. Todos os integrantes já estão formando famílias e dinamizam cada vez mais a produção, com novas estruturas de criação. Até a experiência de um biodigestor foi implantado por lá através do Programa Energia do Produtor, realizado pela Care do Brasil com financiamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e da empresa americana de transporte expresso e entrega de pacotes, United Parcel Service Inc. (UPS). Nessa estrutura, os resíduos da caprinocultura mais a água abastecem um tanque. Daí, a fermentação gera gás que alimenta um fogão de uma das casas do Paraíso. A ideia é transferir futuramente tecnologia semelhante à criação de suínos, e de lá produzir energia servir ao próprio assentamento.

A conquista mais recente do grupo ocorreu em maio deste ano, com a inauguração da Unidade de Beneficiamento de Aves e Suínos (UBAS). A instalação, com um total de 137 metros quadrados de área construída, servirá como abatedouro para todos os produtores ligados ao Jovem Produtor, além da produção de cortes especiais e embutidos, que deverão garantir maior valor agregado. A ideia saiu do próprio grupo do Paraíso e teve, na Pfizer, uma grande financiadora. A empresa arcou com cerca de R$ 91 mil e em contrapartida, os assentados desembolsaram os R$ 35 mil restantes para a conclusão das obras. Ao todo, a estrutura ficou pronta em cinco meses e deve também receber o abate de caprinos e ovinos da região. O estímulo é ter um produto beneficiado que certamente terá um valor agregado maior e garantia de melhor renda.

A vez da experiência

A partir da terceira fase do projeto – de agosto de 2010 a dezembro 2012 – o espírito jovem se tornou um pouco mais experiente no quesito de atuação no trabalho agrícola. Isso é o que se nota no Assentamento Cruzeiro do Sul, também no município de Pedro II. Francisco Martins de Souza, 67, Antônio Fernandes de Souza, 63, José Antônio Rodrigues, 46, e Luiz Gonzaga Chaves, 57, são alguns dos representantes das 12 famílias que vivem numa área de 234 ha que foi adquirida através de um financiamento que o grupo fez com o Banco do Nordeste.

Os integrantes do assentamento, que estão há um ano e dois meses no projeto, aos poucos veem que se tornou mais fácil o retorno financeiro a partir do incentivo e de um trabalho apurado na gestão da atividade rural. “Com o projeto, tivemos uma assistência permanente para pormos em prática nossas atividades”, relata seu Francisco. “Antes não tínhamos muito como criar, não sabíamos como manejar corretamente os animais. Com a orientação que a gente recebe, ficou mais fácil e tudo já é calculado da maneira certa”.

A estrutura, apesar de muito recente, tem aspectos muito bem trabalhados, desde o tipo de construção do berçário dos pintos, por exemplo, até às celas dos suínos, todas de concreto e muito bem cuidadas. Neste último caso, o esquema que se desenhou para a criação dos porcos foi o consorciamento com bananeiras que absorvem parte da água dos dejetos dos animais e vão servir tanto de conforto por sombreamento como na produção das próprias bananas. Hoje, o maior centro de vendas da produção vai para as feiras feitas pela região. A promessa maior está justamente com o início da atividade da UBAS, no Paraíso. “A cada dia que passa, acreditamos mais no nosso potencial”, avalia seu Luiz, “e, com a vinda desse abatedouro poderemos ganhar mais do que com a venda do animal vivo”.

Um passo de cada vez

Em outro assentamento vizinho, Salobro, o projeto está bem recente, cerca de três meses, mas o grupo já percebeu o resultado, com a venda do primeiro lote de aves que chegou a R$ 5 mil – um negócio que até então jamais tinha remunerado tanto o grupo, de acordo com José Raimundo da Silva, 24, integrante do assentamento e que tem participado ativamente do projeto. “No início, tivemos uma certa dificuldade com o tratamento dos pintinhos. Tínhamos pouca experiência nesse tipo de criação. Mas, com ajuda das mulheres do assentamento, o trabalho foi mais tranquilo”, afirma.

Numa área de 535 ha, onde apenas 23 ha são produtivos, o grupo de 20 famílias atua na produção de mandioca, feijão, milho, caju e maracujá. “Nossa intensão era poder intensificar mais a produção de frutas e hortaliças, mas aí dependeríamos muito de subsídios do governo, pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), para instalarmos um projeto de irrigação. Com o apoio da Care, a melhor maneira era começarmos mais devagar, e este conselho agora mostra os resultados”, avalia o jovem.

O rapaz é um exemplo do que o trabalho de incentivo à mão de obra no campo pode chegar. Ele também já trabalhou na cidade, só que próximo ao município de Pedro II. Com o resultado obtido pelo projeto, José Raimundo percebe o quanto é bom ser dono do próprio negócio. Até mesmo o investimento em mais estruturas para a criação já são os projetos ambicionados pelo grupo. Nesse sentido, o aprendizado de mais técnicas agrícolas agrega mais valor ao trabalho da população que ali vive e dali retira o próprio sustento.

Um exemplo disso foi uma técnica repassada por Renato, do Assentamento Paraíso, e que está testes no Salobro. Um cova de cerca de 1,5 metro de profundidade é aberta. Passa-se cal em toda área do buraco e depois é moldada uma lona plástica.

A terra extraída é retornada, posteriormente. O extrato então pode ser regado e nele instalado algum tipo de gramínea. O plástico impede a absorção da água pelo solo, permitindo a produção de um pasto para as aves, por exemplo. A tecnologia é simples e foi adaptada de outra ideia. Pelo que se nota com o experimento em Salobro, tem tudo para dar certo, pois permite contornar um problema muito frequente na região que é a absorção quase de completa da água, tanto para camadas mais inferiores do solo como pela própria evaporação por causa do clima muito quente que se registra por lá.

Investimento social

De uma simples ideia como essa da cova saem tantas outras que vão resolvendo os problemas de uma região que carece por recursos naturais e incentivos do próprio governo para a manutenção de uma atividade agrícola sustentável. “Sabemos que sem esse incentivo privado, nada do que foi conquistado até hoje seria possível”, atesta João Martins de Oliveira Neto, coordenador regional da Care Brasil, no Programa Piauí, no qual está inserido o Projeto Jovem Produtor. “Nas reuniões, fazemos questão de lembrar aos participantes de que uma hora, tanto a Pfizer quanto a Care, não participarão mais das tomadas de decisão do grupo, por isso eles têm de ir aprendendo como lidar com a atividade, desde a compreensão das técnicas agrícolas até o gerenciamento da atividade como um todo”.

A partir dessa compreensão do que está sendo passado a eles que estará sustentada a maneira com a qual esse grupo de produtores guiará o próprio negócio. Para Francisco Barreto Júnior, analista de Programas da Care Brasil, que atua basicamente no acompanhamento do Jovem Produtor, mais do que transmitir os conhecimentos da prática agrícola o projeto busca fomentar a transformação da mentalidade da cabeça do produtor rural da região, com apelo às noções de mercado, quanto custa produzir e como é possível agregar mais valor à mercadoria que sairá dos assentamentos.

“Muito do que se fazia anteriormente estava mais ligado à prática agrícola em si, agora o apelo é mais mercadológico, pois não basta só produzir, os envolvidos tem de identificar o que é mais viável ser feito e se há compradores interessados na hora da venda. Tudo isso garantirá a sustentabilidade do negócio e futuro das atividades como um todo”, enfatiza Barreto Júnior. Se um dos entraves que o Brasil deverá enfrentar futuramente é justamente a deficiência na área da mão de obra agrícola, o Jovem Produtor tem todo o potencial para criar condições de se reverter esse quadro e ainda manter a população do campo onde está, com perspectivas de renda tão mais interessantes do que as oferecidas nos grandes centros urbanos.

As fases do projeto

Além de Pedro II, também fazem parte da iniciativa produtores dos municípios de São João do Arraial e Matias Olímpio – incluídos na segunda fase (de abril de 2008 a julho de 2010). Em São João do Arraial, por exemplo, a experiência com a fase I foi repassada para a EFA dos Cocais. Lá foram feitos diagnósticos para a identificação dos grupos de famílias que estariam aptos para o recebimento dos animais e as capacitações sobre empreendedorismo. A partir daí o projeto começou a trabalhar com a participação dos jovens estudantes auxiliando os grupos em suas comunidades.

Formaram-se nessa fase cinco unidades produtivas de suínos. Cada qual recebeu o repasse de cinco fêmeas e um macho. Da recria desse sistema, cada família participante recebia duas fêmeas e um macho para iniciar a própria produção. Com as galinhas caipiras, o processo foi o mesmo, porém, as famílias decidiram trabalhar conjuntamente no mesmo local. Um total de 13 mil pintos de um dia de vida foi repassado para oito unidades produtivas de galinha caipira, mais a EFA dos Cocais, assim como para algumas famílias da região, o que atingiu 14 municípios do Território dos Cocais Aglomerado III.

Já na fase III (de agosto 2010 a dezembro 2012), foram incluídos no projeto os assentamentos do Cruzeiro do Sul, Salobro e Riacho Tamboril, além da Comunidade Palmeira dos Soares. Esta etapa também consistiu na construção e inauguração da UBAS e, também, na implantação de quatro novas unidades produtivas coletivas de aves, no modelo das encontradas nos assentamentos Salobro e Cruzeiro do Sul, e duas unidades coletivas de produção de suínos, como a encontrada no Assentamento Cruzeiro do Sul e Paraíso. Desde o seu início, o programa beneficiou 655 famílias participantes e, indiretamente, cerca de 3.300 pessoas, contribuindo para o aumento da renda mensal das famílias de 25% a 50%, até o final da fase II. Durante a fase I, os integrantes atingiram um incremento total de R$ 261.800 com a comercialização de aves e suínos. Na fase II, esse valor passou para R$ 334.000. A fase III ainda se encontra em andamento, sem números fechados por enquanto. A convite da Pfizer, a Revista Rural pôde conhecer de perto o trabalho desenvolvido por lá no Piauí, e mostrar um Nordeste hospitaleiro, de muita riqueza cultural, de belezas naturais únicas e de prosperidade na atividade agrícola, nada comparado às mazelas recorrentes, tão divulgadas por outros veículos de comunicação.

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