Embrapa valida estudos de manejo sustentável para a cultura cafeeira na região do Cerrado. O cultivo da braquiária nas entrelinhas do café, o estresse hídrico controlado e a aplicação de doses mais elevadas de fósforo algumas das opções.
Certa vez um produtor de café de Santa Luzia, a 524 quilômetros da capital Salvador (BA), enviou uma carta a uma grande publicação rural solicitando uma orientação. Em poucas palavras, o pequeno produtor relatava que as braquiárias brizantha e, em menor escala, decumbens e humidicola estavam invadindo a sua lavoura de café. Aflito com a situação, ele pedia ajuda para destruir a malvada praga, que certamente acabaria com o seu lucro.
Para a sua surpresa, os técnicos responsáveis por atender à solicitação disseram que dependendo do manejo adotado, o produtor poderia tirar proveito da situação. A opção dada pelos pesquisadores é a que vem sendo estudada há alguns anos por institutos de pesquisas e, principalmente, pelas Embrapas Cerrado e Café, localizadas no Distrito Federal.
Juntos, os pesquisadores se basearam nas bem-sucedidas experiências de plantio da gramínea em cafezais para produção de biomassa, aumento da fertilidade do solo e o sequestro de carbono. E mais uma vez mostraram que dependendo do manejo adotado, o café ainda pode tirar proveito da associação com a braquiária. “Um dos motivos está na roçagem constante do capim, que cresce na rua do café. Ele promove uma cobertura morta, a qual evitará a exposição do solo e, consequentemente, maior perda de água. Também impedirá a germinação e o desenvolvimento de outras plantas, além de promover maior incorporação de matéria orgânica resultante da roçagem”, explica o pesquisador Antônio Fernando Guerra, que liderou o desenvolvimento da tecnologia e atualmente é gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Café. “Quando necessário, porém, pode se fazer uso de herbicida específico para eliminar o capim e manter a cobertura morta, porém, à medida que a planta de café se desenvolve bem nutrida e ganha altura, o capim vai cedendo área”, diz. Entretanto, adverte o pesquisador, que o contrário ocorre quando o café não passa pelos tratos necessários e o manejo não é o apropriado.
Segundo, Omar Cruz Rocha, também pesquisador da Embrapa Café, o resultado do cultivo da braquiária nas entrelinhas do cafeeiro produziu grande quantidade de matéria vegetal. “E quanto mais matéria orgânica se produz, teremos mais palhada para cobrir a entrelinha e mais material morto para favorecer o incremento de matéria orgânica. O que proporcionou foi um solo coberto por mais tempo e no Cerrado resultou em um solo mais argiloso, entre 8% a 30%. “O manejo com as braquiárias serviu como instrumento interessante, principalmente, no solo do cerrado”, conclui Rocha.
A mesma opinião é a do pesquisador César Elias Botelho, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que aponta que entre outras vantagens está a redução significativa do uso de defensivos, de água, prezando pela conservação do solo e o incremento de material orgânico. “A sustentabilidade e o manejo eficiente foram os principais focos. Os estudos também buscaram um suporte de produção no sistema da cultura do café no cerrado”, diz Botelho.
De acordo com as informações da Embrapa Café, o experimento começou há 12 anos e se fortaleceu ainda mais após o Consórcio Pesquisa Café, que fundado em 1997, por importantes instituições de pesquisa e ensino, congregou o desenvolvimento de tecnologias para todas as etapas da cadeia produtiva do café. Além da introdução da braquiária na cultura cafeeira, uma equipe envolvendo pesquisadores do Instituto Agronômico (IAC), de Campinas, Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), a Epamig e instituições integrantes do Consórcio Pesquisa Café; programa de pesquisa coordenado pela Embrapa Café; conseguiu também o avanço de novas tecnologias para a cultura, como o estresse hídrico controlado e a aplicação de doses mais elevadas de fósforo na cultura. “Todas essas experiências que não são novas, mas agora ganham maior divulgação, levam ao cultivo racional e sustentável”, reforça Botelho.
Ele também lembra que essas tecnologias chegam a uma boa hora, momento no qual a cafeicultura, ou melhor, os produtores estão sendo questionados por sua produção. Historicamente, parte significativa da cafeicultura foi cultivada em encostas de morros, especialmente por pequenos e médios produtores. Segundo tradições e sem o apurado conhecimento técnico, a cultura se adaptou a altitude desses locais. “O café entrou no assunto das áreas de proteção permanentes [APPs] do Código Florestal e as novas ferramentas tecnológicas ajudarão a ser mais sustentável e economicamente viável”, diz Botelho.
No caminho das pesquisas
No último mês, pesquisadores e produtores realizaram uma excursão técnica à Fazenda Lagoa do Oeste, em Luís Eduardo Magalhães, no extremo oeste baiano. A visita teve o objetivo de conhecer as tecnologias implantadas no campo, entre elas, o estresse hídrico controlado.
Segundo dados da Embrapa Café, em 2006, pesquisadores se propôs a experimentar 904 hectares cultivados com café arábica irrigados por pivô central e gotejamento para produção de grãos especiais, da Fazenda Lagoa do Oeste, do grupo Adecoagro, uma das principais empresas produtoras de alimentos, situada em Luis Eduardo Magalhães. Em 2011, na mesma área, a safra foi de 45 mil sacas e, para este ano, a estimativa é de 60.550 sacas. O potencial é de 65 mil sacas no ano que vem. “Resultado alcançado porque se percebeu que a teoria de que as necessidades fisiológicas das plantas devem ser respeitadas foi confirmada. Caso contrário, tem-se grande variação anual da produtividade (bienualidade acentuada) e desuniformidade na maturação dos grãos, devido à ocorrência de múltiplas floradas”, explica o pesquisador Antônio Guerra. Neste caso, explica ele, o estresse hídrico controlado acaba por educar o cafeeiro para um desenvolvimento equilibrado, com produções médias anuais de 60 a 70 sacas/ha, em condições adequadas de cultivo. “Depois de cinco anos de avaliações, a proposta é a suspensão das irrigações por um período aproximado de 70 dias sem irrigar”, diz. “Enquanto no tratamento com irrigação o ano todo, a produção de frutos cereja gira em torno de 30%, com a utilização da tecnologia de estresse controlado a produção de frutos cereja, no momento da colheita, atinge valores superiores entre 80% a 90%”, afirma Guerra.
Outro ponto positivo do uso deste manejo está, segundo a Embrapa Café, na redução de custos, das perdas na colheita, de pragas, da requeima e da alta incidência de flores tipo estrelinhas. A tecnologia permitiu ainda o controle sobre a floração do cafeeiro, a uniformização da maturação dos frutos, a oportunidade para fazer a manutenção de equipamentos, além de ter garantido repouso às plantas e apontado falhas no programa de fertilização até então utilizado.
Fósforo: agora tem
Outra tecnologia da Embrapa adotada na fazenda desde 2006 foi a fosfatagem. Dados da instituição confirmam que o manejo permitiu a revisão da quantidade de fósforo aplicada, propiciando mais energia, vigor e sanidade às plantas reduzindo os efeitos da bienalidade de produção. “O resultado apontou um melhoramento no trabalho da planta. Até pouco tempo se afastava o uso intenso deste nutriente. Foi possível por meio de estudos, entendermos que a planta requer fósforo em alta quantidade”, diz Guerra.
Segundo o pesquisador, o cultivo da braquiária nas entrelinhas do cafeeiro trouxe o fósforo, um dos elementos especiais para a cafeicultura. “Ela retorna ao solo com um fósforo orgânico”, afirma.
Entretanto, a adubação do café com braquiária tem sido feita da mesma forma que sem ela. Dados da Embrapa Café aponta que o incremento na adubação em caso do manejo com braquiária seria necessário naqueles solos em que os níveis de nutrientes estão abaixo dos níveis adequados (pH, alumínio, matéria orgânica, cálcio, magnésio, potássio, fósforo, entre outros nutrientes). Como a braquiária tem uma alta relação carbono/nitrogênio (plantas de lenta decomposição pelos microorganismos presentes no solo) os microorganismos retiram nitrogênio do solo para fazerem sua decomposição. Como os solos corrigidos de cafezais são, em geral, férteis e com teores médios a altos de matéria orgânica não se necessita incrementar nenhuma adubação para o café porque o estoque de nutrientes no solo suporta a decomposição da braquiária sem desequilibrar o sistema. “A matéria orgânica funciona como um estoque de nitrogênio no solo. Os solos que precisam receber incremento de adubação ou correção são aqueles que têm nutrientes abaixo dos níveis adequados e esses solos precisariam ser corrigidos com ou sem a braquiária”, lembra Guerra.