No futuro, o pecuarista poderá saber sobre as ocorrências patológicas no próprio ambiente da criação, com possibilidade de aplicação de medicamento que combaterá a região exata da infecção. Na fazenda São Lourenço das Barcas, no município de Coxim (MS), o gado é mantido numa área de pasto bem manejado. Logo pela manhã, os tratadores do rebanho juntamente com o médico veterinário fazem uma vistoria rotineira num lote de recém-desmamados e coletam amostras de sangue de algumas rezes. Um pequeno aparelho, munido de uma pequena agulha, faz a retirada do fluído e o analisa.
Em questão de segundos sai o resultado – o animal SISBOV 10535009761234-2 apresenta o estágio inicial de infecção por uma proteína alterada, (prion), a qual acarretará a encefalopatia espongiforme bovina (EEB), comumente conhecida pelo mal da Vaca Louca. Em questão de instantes o animal é separado dos demais numa área reservada a tratamento e recebe a medicação. Logo o garrote estará apto a retornar ao lote, totalmente curado.
Os nomes da fazenda e da rês são fictícios, servem apenas de pano de fundo para ilustrar como pode ser o futuro do tratamento sanitário bovino daqui a uns, pelo menos, 15 a 20 anos. Os estudos para isso já estão sendo conduzidos na Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande (MS), nas áreas de Proteômica e Nanotecnologia aplicadas.
Proteínas
O exemplo descrito pode ser uma inovação saída da área chamada Proteômica – ciência que descreve o conjunto de proteínas produzidas pelas células e revela seus papéis nos processos biológicos. “Fazendo-se uma analogia entre a célula de um organismo vivo e uma habitação”, explica o pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Newton Valério Verbisck, “pode-se explicar que o projeto arquitetônico da casa corresponderia ao seu DNA (genoma). Por sua vez, todos os constituintes da casa edificada (paredes, pisos, encanamento, rede elétrica, móveis, vidros, etc) seriam as diferentes proteínas, sendo que estas definem um Proteoma. No entanto, os processos biológicos são bastante complexos e dinâmicos. As células dos organismos vivos respondem a sinais do ambiente e ao longo do tempo ocorrem mudanças significativas quanto ao tipo e número de proteínas presentes nas células. Assim, diferentes estágios do desenvolvimento de um organismo, ainda que possuam sempre o mesmo genoma, podem variar o seu Proteoma”.
Um exemplo bem prático disso pode ser observado pela maciez da carne, segundo Verbisck. Quanto mais jovem essa qualidade é mais expressiva se comparada a indivíduos mais erados. “Não é uma tarefa fácil identificar a estrutura e função dos constituintes das células, tecidos e organismos vivos, porém atualmente dispõe-se de conhecimentos e técnicas sofisticadas, que têm permitido grandes avanços, inclusive na área de Sanidade Animal”.
Atualmente, os grupos de pesquisa em Sanidade Animal trabalham em projetos com foco em agentes patogênicos de importância para a cadeia produtiva da bovinocultura de corte, além de linhas voltadas à ovinocultura. Entre esses estudos destacam-se os causadores da brucelose e tuberculose bovinas, além de parasitos e vetores de doenças hematológicas (relativas ao sangue), tais como o carrapato do boi e a mosca dos estábulos.
A partir da Proteômica será possível obter novos conhecimentos em ciência básica, tais como identificar proteínas marcadoras de susceptibilidade a uma doença, visando melhoramento animal, ou, ainda, em ciência aplicada, como no desenvolvimento de novos medicamentos. “Há grupos que estudam, por exemplo, proteínas alvo de resposta imune animal contra patógenos, que podem ser chave para a defesa contra doenças. Eu lidero um grupo de pesquisa que lida com, entre outros projetos, um método diagnóstico inovador para a detecção de prions, causadores da doença da vaca louca em bovinos e de Scrapie em ovinos”.
Para o pesquisador, o campo o qual ele estuda é fundamental nesse processo, pelo fato de as doenças vaca louca e Scrapie. ) – não são de origem genética, mas sim causadas, ao que tudo indica, pela infecção com uma proteína (prion) alterada. Essa proteína está presente nas próprias células dos animais sadios e o que dispara esse processo da doença ainda é um mistério. O que se sabe é que uma vez presente essa proteína alterada pode ser transmitida para os outros animais contaminando todo o rebanho.
No futuro, essas pesquisas poderão desenvolver uma ferramenta de diagnóstico dessas doenças a partir do sangue dos animais e que possibilite a detecção antes mesmo da manifestação dos sintomas delas, muitas vezes consideradas infecções incuráveis e fatais. De acordo com Verbisck, o objetivo final é gerar um instrumento de controle sanitário eficiente que possa diminuir significativamente o prejuízo do pecuarista por surtos de doenças. A aplicação dessa promissora tecnologia ao campo ainda é um dado incerto, pois a pesquisa não tem um prazo para apresentar resultados. No entanto, de acordo com o pesquisador, a unidade está aberta a parcerias com colaboradores externos, quer sejam empresas ou produtores interessados em colaborar e fomentar os estudos, o que garantirá maior agilidade na obtenção dos resultados.
Tecnologia nanométrica
Outra área muito promissora não só na área de sanidade animal é a nanotecnologia. Para os não acostumados com essa nomenclatura, o ideal é explicá-la a partir de escalas de tamanho, ou seja pelo Sistema Internacional de Unidades (SI), no qual o metro (m) é a base de referência. Numa régua, por exemplo, encontramos unidades em centímetros (cm), ou 10-2 m (um metro dividido por cem unidades) e milímetros (mm), ou 10-3 (um metro dividido em mil partes).
Ambas as escalas podem ser vistas facilmente a olho nu, no entanto, as subsequentes tornam-se imperceptíveis ao olho humano, como o micrômetro (µm), ou 10-6 m (um metro dividido em um milhão), e o nanômetro (nm), ou 10-9 m, que corresponde à bilionésima parte de um metro. É justamente nessa escala que se trabalha a nanotecnologia. “Diferentemente da nanociência, que estuda os fenômenos ou propriedades dos materiais nessa escala tão reduzida, a nanotecnologia tem o foco em soluções comercializáveis”, diz a pesquisadora da Embrapa Gado de Corte, Marlene de Barros Coelho.
Pode-se dizer a revolução tecnológica ocorreu com o surgimento da microeletrônica, campo no qual foi possível reduzir a escala de tamanho de diversos produtos com o incremento de eficiência por parte desses materiais. Agora se abre espaço para pesquisas que vão além disso, e com um ponto a favor, pois a nanotecnologia pode oferecer um maior poder de eficiência em relação a ferramentas micrométricas. “Isso ocorre porque nessa escala os materiais se comportam de maneira especial, devido às suas propriedades químicas e físicas que são dependentes do tamanho”, pontua Coelho. “Por exemplo, uma barra de ouro, tal como visualizamos a olho nu, é amarela, o ouro é amarelo. Se subdividirmos essa barra em partes muito pequenas, em alguns nanômetros, teremos esferas tão diminutas que só serão visíveis com microscópios especiais. Esse pó finíssimo é armazenado na forma de um líquido (suspensão coloidal), grosseiramente falando, que pode ser azul, violeta ou vermelho, dependendo do tamanho das nanopartículas de ouro presentes. Essas suspensões coloidais já estão sendo aplicadas no desenvolvimento de muitos dispositivos médicos para melhorar a qualidade da imagem de uma ressonância magnética num exame para detectar o câncer e, também, no tratamento dessa doença”.
Na área de sanidade animal, essa tecnologia pode contribuir no desenvolvimento de nanobiossensores para o diagnóstico de diversas doenças como tuberculose, brucelose, neosporose e anaplasmose bovina. “Nesse caso, espera-se um dispositivo simplificado, que possa ser utilizado fora dos laboratórios, por pessoas minimamente treinadas e que a resposta seja dada imediatamente após se gotejar o soro de um animal sobre uma superfície preparada para detectar proteínas ou DNA do agente patogênico, da mesma forma que temos hoje os dispositivos para controle do diabetes”, ilustra a pesquisadora.
De modo geral, a nanotecnologia poderá revolucionar amplamente as áreas onde possui aplicação como o setor industrial, de saúde humana e animal, e a própria agricultura. De acordo com Coelho, a partir dessa área de pesquisa, será possível ampliar a acurácia em diagnósticos laboratoriais numa escala menor de tempo. Nesse caminho, os nanobiossensores, como são chamados os dispositivos para detecção de patógenos, seriam a solução para o diagnóstico rápido de um elevado número de amostras de soro de animais, processadas ao mesmo tempo, e diversos tipos de doenças analisadas em uma única amostra.
É justamente nessa inovação que está baseada a pesquisa de Coelho, a qual busca o diagnóstico rápido de doenças em bovinos, capaz de detectar em soros de animais baixas concentrações de antígenos dos agentes causadores de doenças, contribuindo assim, com o controle da sanidade dos animais. “Um dispositivo como esse deverá ser de baixo custo para permitir que médicos veterinários ou técnicos agropecuários tenham acesso a mais uma ferramenta de apoio à rotina diária de lidar com o rebanho. Se um animal é diagnosticado com alguma enfermidade o mais cedo possível, este pode ser separado do resto do rebanho e tratado, se for o caso, diminuindo-se assim as perdas tanto com medicamentos quanto com o sacrifício de animais”, ressalta.
Esse trabalho já está em andamento na Embrapa Gado de Corte. Entretanto, considerando que a área de nanobiotecnologia é nova para o setor agropecuário e grande parte das pesquisas relacionada à nanossensores está direcionada à saúde humana ou detecção de bactérias, vírus ou contaminantes na atmosfera, na água ou em alimentos industrializados, pode-se dizer que uma projeção realista é de no mínimo cinco anos para termos um produto o qual deveremos submeter à validação de acordo com a legislação, antes de lançar no mercado.
Outra linha de pesquisa que trará um grande benefício para a agropecuária brasileira é o estudo e desenvolvimento de nanocarreadores de medicamentos e vacinas. Estas ferramentas, constituídas por partículas manométricas, seriam capazes de transportar moléculas diversas em sua estrutura, até o local no organismo do animal onde deverá ocorrer a liberação e posterior ação farmacológica.