Agricultura

Dedo de prosa: um bate papo com Carlos Alberto dos Santos

Neste ano em que comemora quatro décadas de conhecimento e experiência no apoio e fomento aos pequenos negócios, em todo o país, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) aponta seus resultados e suas empenhos com relação ao agronegócio brasileiro, em especial a agricultura familiar. Em entrevista a repórter Fátima Costa, o diretor-técnico da entidade, Carlos Alberto dos Santos fala sobre os novos desafios envolvendo a Copa 2014, a agricultura orgânica e as agroindústrias brasileiras.

Revista Rural – Como o sr. analisa o desempenho do agronegócio brasileiro?

Carlos Alberto dos Santos – O agronegócio é um dos vetores do nosso desenvolvimento, em termos de mercado externo, contribuição ao PIB e avanços tecnológicos verificados em alguns setores. Mas não se pode esquecer que ainda há um enorme potencial e espaço para melhorias de desempenho na agricultura familiar, grande geradora de ocupação e renda, além de ser uma redutora da pobreza e da violência urbana, pois ao fixar sua moradia e trabalho no campo, as pessoas reduzem a pressão social, ambiental e econômica sobre as cidades. Os empreendedores rurais de pequenos negócios também têm uma lacuna tecnológica, de mercado e de gestão que precisa ser conhecida e trabalhada; e aí entra o apoio do Sebrae e de mais de 6,3 mil parceiros por todo o nosso país.

Rural – Há quase 40 anos atuando no apoio aos micro e pequenos empreendimentos brasileiros, o Sebrae tem como principal missão atualmente levar inovação para dentro das micro e pequenas empresas. Qual é a parcela desses pequenos empreendimentos voltados para o agronegócio brasileiro?

Santos – Vamos completar 40 anos em outubro deste ano. São quatro décadas de conhecimento e experiência no apoio e fomento aos pequenos negócios, em todo o país. A busca pela melhoria da competitividade, que passa pela sustentabilidade, além do fomento ao empreendedorismo, é a nossa missão. Do mesmo modo que há alguns setores dinâmicos e avançados no agronegócio, como o complexo soja, carnes e etanol, há outros que precisam da inovação e da tecnologia para melhorar a qualidade de seus produtos e processos, aumentar a produtividade ou a diferenciação, dependendo do caso e, sobretudo, aumentar a renda do produtor rural integrante de nossos projetos (são mais de 600) e parcerias.

Rural – E por qual motivo nos últimos anos o setor agropecuário despertou para ações junto com o Sebrae?

Santos – O Sebrae iniciou seu apoio ao setor em meados dos anos 90, quando se verificou a grande capacidade do mundo rural em gerar ocupação, renda e riqueza e aliado a isso, a grande lacuna existente entre os setores dinâmicos e os pequenos negócios e a agricultura familiar. Para entrar em contato com o Sebrae basta telefonar para nossa central de relacionamento – 0800 570 0800 – ou recorrer a um dos quase 800 pontos de atendimento instalados em todo o país.

Rural – Em uma entrevista realizada em outubro passado, a entidade mencionou que em 2012, devem ser formalizados mais 700 mil trabalhadores e, até 2014, o número pode chegar a 4 milhões. Quais são os números destinados ao agronegócio?

Santos – A formalização de trabalhadores autônomos, que obtém CNPJ e direitos previdenciários, como aposentadoria, de forma simples, rápida – via internet – a um custo mensal relativamente baixo é uma iniciativa de grande impacto socioeconômico. Começamos 2011 com quase 800 mil empreendedores formalizados e chegamos ao final do ano com mais de 1,8 milhão. O mundo rural, porém, é um pouco diferente em função da questão do CNPJ – alguns estados exigem do agricultor familiar, da parcela de povos e comunidades tradicionais (índios, ribeirinhos e quilombolas entre outros) e do pescador, que possui um registro próprio, diferente da inscrição do produtor rural, documento mais usual em praticamente todo o país. Por ser diferente do empreendedor urbano, optamos por não ter uma meta numérica específica. No entanto, o Sebrae apoia e estimula a formalização de agricultores familiares e a legalização e certificação dos produtos, a exemplo do selo SIF e de outras como IG – Indicações Geográficas e de origem, orgânicas, sociais e de comércio justo.

Rural – O Sebrae, por intermédio de suas ações, está conseguindo levar a inovação para dentro de pequenas propriedades rurais?

Santos – Sim, por meio de diversas formas, com soluções como o SebraeTec, programa nacional que dispõe de um serviço tecnológico com várias linhas de ação, ligadas a consultorias , design de embalagens, certificações e melhorias nos processos produtivos e desenvolvimento de produtos, visando adequar ao mercado que se busca. Também na propriedade rural é importante fazer diferente para fazer melhor. Além da qualidade garantida, a tendência é de produtos sustentáveis. Essa é uma perspectiva inovadora no mundo rural brasileiro. Na nossa página www.sebrae.com.br há temas de interesse – Inovação e Tecnologia – com informações mais detalhadas.

Rural – Em relação à agricultura orgânica, em sua opinião o Brasil tem condições de produzir em alta escala?

Santos – Esta é uma boa reflexão! Em todo o mundo, os produtos orgânicos ainda representam uma pequena parcela sobre o total consumido… varia entre 0,5% e 5% no máximo, dependendo da categoria de produto. Alguns produtos, como alimentos para bebês, que em alguns mercados chega próximo a 20% são exceções e podem servir de aprendizado e de oportunidades. Já estamos trabalhando essa questão em um dos estados da Região Sudeste; logicamente existem algumas poucas experiências e empreendimentos que já atingem uma escala maior e que podem ancorar o esforço e a produção de pequenas propriedades. Em todos os estados onde os produtores integrantes de projetos do Sebrae participam de feiras de orgânicos, a venda dos produtos é de praticamente 100% do que levam para comercializar. Mas falar em escala talvez ainda seja prematuro. Transformar em um empreendimento em negócio cada vez mais profissionalizado, lucrativo e competitivo aí sim, é um grande desafio!

Rural – A Copa do Mundo de 2014 poderá beneficiar o agronegócio brasileiro, principalmente, a gastronomia?

Santos – Com certeza, porém, de modo seletivo; seletividade tanto geográfica, pois serão 12 cidades-sedes e algumas subsedes próximas dessas capitais, mas seletivos, sobretudo, na definição do mix de produtos a serem oferecidos. Temos um programa nacional, o Sebrae 2014, que busca desenvolver e qualificar as micro e pequenas empresas, urbanas e rurais. Estamos na expectativa da definição da Fifa no tocante aos requisitos para o fornecimento de produtos alimentícios, agrícolas e de origem animal (carne, leite e derivados) para afunilar e aprimorar esse esforço. Além disso, há setores, como floricultura e plantas ornamentais, que já estão se preparando para estar presentes nos negócios de turismo e produção associada. O importante é criar e deixar um legado de riqueza e prosperidade às micro e pequenas empresas do país, tanto rurais quanto urbanas.

Rural – Projetos do Sebrae ao longo dos anos ajudaram as agroindústrias e a agricultura familiar. Qual foi o papel do Sebrae no desenvolvimento?

Santos – Creio que conseguimos suprir algumas lacunas no desenvolvimento dos pequenos negócios rurais e na agricultura familiar. Sabemos que a dispersão, as longas distâncias e os baixos orçamentos destinados à agricultura e pecuária nos municípios são fatores inibidores do desenvolvimento do agronegócio no país. O Sebrae atua em todos os setores e, no agronegócio investimos em mais de 600 projetos com cerca de 6,5 mil parceiros. Na agroindústria, a demanda por gestão e por tecnologia é grande, e estamos trabalhando esse questão, seja num pequeno laticínio, num alambique, numa torrefadora de café ou numa pack house de frutas, legumes e verduras, entre outros micro e pequenos negócios. O programa nacional SebraeMais é uma das soluções de gestão genéricas que temos, além de outras mais específicas para alguns setores como o NCR – Negócio Certo Rural, o QT – qualidade total rural e o PAS – Programa Alimento Seguro, em produtos como leite e derivados, uva para processamento, mel e açaí e outras sendo negociadas ou desenvolvidas.

Rural – O alto índice de sobrevivência no Brasil é o resultado de vários fatores, quais deles?

Santos – Do ponto de vista macro, a estabilidade econômica, a distribuição de renda e um maior grau de previsibilidade parecem estar consolidados, apesar de turbulências provenientes do cenário internacional. Mas a disseminação da cultura de gestão, empreendedorismo e planejamento, sobretudo planejamento, gera um salto qualitativo considerável na criação, na condução e no desenvolvimento dos pequenos negócios, rurais e urbanos. Lembrando que no mundo rural os fatores climáticos e de pragas e doenças também são pontos nevrálgicos e sensíveis.

Rural – Quais sãos as regiões que mais crescem no país no desenvolvimento da agricultura familiar?

Santos – O Sul parece mais consolidado no tocante ao desenvolvimento de produtos e sua qualidade; entretanto, graças a ações estruturantes dos governos federal e estaduais e à política de aquisições governamentais (PAA, PGPAF, PNAE entre outras) temos a oportunidade de dar um salto significativo na agricultura familiar. Hoje, há 30% de obrigatoriedade na aquisição de alimentação escolar junto à agricultura familiar, o que representa quase R$ 1 bilhão por ano. São 47 milhões de refeições por dia em 200 dias letivos. Mas ainda são poucas as prefeituras que conseguiram esse índice; a maioria alega que os agricultores familiares ou não produzem o suficiente ou produzem sem cumprir as exigências mínimas de segurança alimentar. Estamos atentos e trabalhando parceiras estratégicas para esse importantíssimo tema.

Rural – Do seu ponto de vista, quais são os principais gargalos da produção agrícola no País?

Santos – A agricultura brasileira avançou muito em escala, produtividade e tecnologia. Mas ainda um descompasso em relação à agricultura familiar. Ainda há uma cobertura insuficiente da assistência técnica e extensão rural, a Ater oficial, além do desconhecimento de linhas de crédito específicas, bem como a questão de logística e de infraestrutura, estradas pavimentadas para agilizar o escoamento da produção e falta um seguro agrícola mais efetivo nos pequenos negócios rurais. Soma-se o grau de escolaridade no campo que precisa avançar muito e a falta de atratividade para juventude permanecer no campo (sucessão rural) são alguns desafios a superar, além é claro, daqueles decorrentes de problemas climáticos.

Rural – Ações como a Indicação Geográfica (IG), a Responsabilidade Social, e o Programa Talentos para o Brasil são do Sebrae para elevar e registrar a cultura brasileira. Quais são os benefícios desses programas?

Santos – Importante destacar que o Programa Talentos do Brasil é uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), onde o Sebrae é um dos parceiros. O principal benefício que o produtor rural, por meio de suas associações e cooperativas tem, é o de aumentar sua renda a partir do desenvolvimento de produtos e de mercados. É importante conhecer o programa e perceber como ele é interessante no sentido de emancipar e melhorar o nível de resultados do agricultor familiar participante. Quanto às IG e a responsabilidade social, prosseguiremos no esforço apoiar a obtenção de certificações e de buscar um processo socialmente justo na distribuição da riqueza do mundo rural.

Rural – Podemos esperar novas ações em 2012, destinado ao agronegócio e principalmente a agricultura familiar?

Santos – Continuaremos investindo no que vem dando certo e, sobretudo, buscaremos desenvolver a qualidade, a inovação, a certificação e a diferenciação dos produtos, além dos esforços de formalização e legalização do produtor rural e de melhoria de seus processos de gestão, de tecnologia e de acesso a mercados.

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