Pecuária

Coelho: rei em fertilidade

Alto ciclo reprodutivo, oito filhotes por ciclo, pouco espaço para a criação e ainda uma ótima resistência a doenças – estas são as características do coelho, que busca por seu devido espaço no mercado de produção de proteína animal.

Ao menos duas ideias certamente podem se formar na cabeça de qualquer um que ouve falar em coelho – Páscoa e rapidez reprodutiva. Esta última é, de fato, a que chama mais atenção de quem cria, especialmente quando o assunto é o ramo de produção de proteína animal. A raça Nova Zelândia Branca, por exemplo, pode resultar uma média de 50 filhotes (líparos) por fêmea anualmente. Experiência nessa área o senhor Ludwig Dewald Paraschin, da fazenda Angolana, em São Roque (SP), tem de sobra. Há mais de 40 anos o coelho tem pautado os trabalhos de sua propriedade. O produtor vivera praticamente todos os motes da cunicultura, passando pela produção de lã a partir da pele do animal, de indivíduos para o desenvolvimento de vacinas contra a febre aftosa e demais medicamentos ou mesmo para servirem de espécimes para pesquisas científicas, e, atualmente, com maior força, para a produção de carne.

“Há 20 anos tínhamos a maior granja de todo continente americano com a criação da raça angorá”, destaca Paraschin. “Trabalh‡vamos com exportações para todo o mundo. Naquela época, o nosso foco era a obtenção de lã. Chegamos a ter dez mil matrizes. Daquele tempo para cá, houve um declínio do próprio mercado, que se agravou ainda mais com a instauração do Plano Collor [em 16 de março de 1990]. Com a alteração de toda a política cambial no País, nosso produto perdeu o valor no mercado internacional e aí tivemos de focar nosso trabalho na carne do coelho”.

Atualmente, o produtor centrou-se na cunicultura, a qual corresponde a 50% entre as atividades que ele desenvolve. Nessa linha, há ainda três segmentos distintos – o de carne, o maior de todos, que gira em torno de 50%; pet (criação de exemplares com potencial para animal de companhia) que ficaria na casa de 30% da atividade; e, por fim, coelhos de laboratório. “No total, contabilizamos por volta de dez mil cabeças, nas quais estão 500 matrizes e 80 reprodutores”, calcula Paraschin.

Nicho ideal

Estar posicionado numa área de excelente atrativo para o nicho de mercado de “outras carnes” é o que motiva seu Ludwig. São Roque, por exemplo, é também o território da alcachofra e do vinho, consequentemente, a culinária por lá aceita, e muito bem, a carne de coelho. Este fato é o que, de certa forma, propicia o desenvolvimento da cunicultura na região. Para se ter uma ideia, o abatedouro mais próximo, em Salto de Pirapora (SP), fica cerca de 60 quilômetros da fazenda. A unidade, inclusive, é a única de todo o País que está autorizada a exportar o produto – operação que realmente não ocorre pelo fato da demanda local literalmente engolir toda a produção.

Paraschin decidiu estimular toda uma rede de criadores ao redor dele para não ter de precisar tomar conta de uma quantidade maciça de coelhos. Atualmente há 30 cunicultores que são parceiros da fazenda Angolana. Cada qual passou por uma série de minicursos de como conduzir a criação. Além de todo o suporte técnico, os parceiros também tem acesso à genética, insumos e toda infraestrutura necessária para a condução da atividade. Ao final, toda a produção é comprada pela fazenda Angolana.

“Hoje em dia se fala muito em diversidade na área de culinária, e isso aumenta o leque de opções, bem como o preço também. Com essa sobrevalorização, a produção tende a ser maior”, avalia o produtor sobre os aspectos de comercialização da carne de coelho. “Agora existe um detalhe muito importante, hoje em dia, a nossa capacidade de produção, em relação à demanda do frigorífico, é muito baixa. Estamos muito longe de suprir a necessidade do abatedouro. Para se ter uma ideia, já chegamos, em outras épocas, a um patamar de 150 toneladas (t) de carne de coelho por mês, com muita facilidade. Hoje, creio que essa quantidade não passe de 30 t”.

Essa falta de coelhos para abate é justamente o que mantêm os preços aquecidos ao produtor. Neste ponto mora a promessa de prosperidade para o negócio, de acordo com zootecnista – especialista na criação desse mamifero da família dos leporídeos (Oryctolagus cuniculus) – e presidente da Associação Científica Brasileira de Cunicultura (ACBC), Luiz Carlos Machado. “O primeiro passo para quem quiser iniciar essa produção é descobrir se há criadores próximos e se há interesse de compra nesse local. Produzir não tem problema, pode haver algumas questões iniciais que devem ser averiguadas, mas essa não será a maior dificuldade. O problema maior será a comercialização do produto”, destaca.

A produção de coelhos no Brasil, ainda é pequena. Já houve momentos em que a criação esteve maior no País, em meados da década de 1980, principalmente. Mais hoje em dia a produção é baixa. De acordo com um levantamento de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rebanho foi estimado em 226.359 cabeças, com destaque para as Regiões Sul e Sudeste. Entre os cinco Estados principais (em ordem de grandeza do número de cabeças) estão Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais e São Paulo. Quando o assunto é a produção de carne, o destaque vai para o Estado de São Paulo, ao passo que o nicho de animais de companhia (mercado pet) se sobressai o Rio Grande do Sul, especifica Machado.

Manejo

Em termos gerais, a atividade na prática não possui muitos mistérios e nem preocupações tão preponderantes quanto ao manejo sanitário. Para Marcos Kac, médico veterinário e também criador desde 2004 [Granja dos Ipês, em Salto do Pirapora (SP)], três princípios básicos devem pautar a criação – são eles o uso de uma genética de qualidade e apropriada, o manejo de limpeza e de reprodução adequado e o fornecimento de uma boa ração. “O primeiro item, limpeza, como em qualquer outro tipo de criação, é fundamental. Se seguirmos o modelo de criação de frango, está super bem feito. Nesse sentido faz-se o uso de desinfetantes e vassouras de fogo (maçarico) para o extermínio de agentes infecciosos e patológicos. Gaiola, cochos de comida e ninho – tudo que estiver em contato com os coelhos deve ser limpo a cada três meses”, diz Kac.

Os animais são criados em gaiolas de 80x50x35 centímetros (cm) – comprimento, largura e altura, respectivamente. Num modelo de engorda, por exemplo, cada gaiola pode comportar até seis cabeças. No caso das matrizes, a malha da grade deve ser a mais estreita possível para evitar a saída de láparos, e deve ter dentro um caixote que sirva de ninho para a fêmea cuidar da cria. Entre as fases da criação, pode-se destacar – mamandos (até 30 dias); desmamados (engorda, 30 a 60 dias); engorda (terminação, 60 a 90 dias); e matrizes para venda (90 até120 dias).

Entre as raças mais indicadas para corte estão a Nova Zelândia Branca e a Califórnia, que estão na categoria de raças médias, que chegam em média de 5,5 quilos (kg) a 6 kg. No entanto, a melhor segundo Kac e Paraschin é a primeira citada. “As mães dessa raça”, diz Kac, “são as que produzem bastante, entra no cio certinho. Quando são postas para cobertura elas emprenham facilmente, são boas mães e cuidadosas”.

O coelho é um animal muito resistente. Atualmente, não há vacina para o coelho. A única doença séria que poderia ocorrer é a mixomatose, uma doença viral que dá em regiões litorâneas, onde há mangue – e mesmo assim, o último caso registrado, foi no Rio de Janeiro, isso em meados da década de 1990, segundo Kac.

Eventualmente, o animal pode ser acometido por algum tipo de diarreia, pneumonia ou mesmo sarna. Seriam enfermidades comuns e isoladas, passíveis de ocorrer em um animal ou outro. “Como o coelho é muito resistente, quando ele apresentar alguma doença é porque está mal mesmo, há casos que nem compensa tratar, bastando descartar o animal, e se livrar logo do problema. E é claro, todos esses problemas podem ser prevenidos com limpeza”, certifica.

A temperatura ideal do galpão onde estarão as gaiolas tem de estar entre 18ºC a 24ºC. A recomendação, nesse caso, é fazer com que a temperatura do barracão fique a mais fria possível, porque os coelhos adultos ou a partir dos 15 dias de vida, já sofrem mais com o frio. Nessa faixa etária, só sofreriam mesmo com o calor. “Se um dia, em especial, fizer muito sol e a temperatura do barracão ficar muito quente [acima, por exemplo, de 35ºC], isso não fará os animais morrerem – eles poderão parar de comer um pouquinho, uma fêmea que estiver amamentando terá uma produção de leite reduzida”, pondera Kac.

Reprodução

Já quando o assunto é o manejo reprodutivo dos animais, a criação aparenta ser mais complexa. Por isso, produtores e especialistas recomendam que, se o produtor estiver iniciando a produção, que ele faça com um número baixo de matrizes, para assim aprender de forma mais tranquila os aspectos do manejo reprodutivo, principalmente. “Então, começar devagar irá fazer com que o interessado se adapte melhor á criação”, aconselha Machado. “Por exemplo, pode-se iniciar a criação com 50 matrizes. Aí seriam então 200 animais por mês para comercialização. Isso seria mesmo para complementar a renda. Fora a mão-de-obra, os ganhos girariam numa média de R$ 600 a R$ 800”, estima o presidente da ACBC.

Entre as preocupações relacionadas à condução da reprodução dos animais, está, por exemplo, saber qual será o período de descanso da matriz – se ela pariu hoje, que dia pode ser cruzada novamente? Também tem de ver se o animal está gestante ou não, e aí, com 11 dias dá pra fazer um toque na barriga da fêmea. Se ela não estiver prenhe, terá de ser cruzada o mais rápido possível. Além disso, tem de controlar bem essa cruza para evitar a consanguinidade, entre outros aspectos que irão manter os índices produtivos bem aquecidos.

Na granja de Kac, ele dispõe um macho para cada dez fêmeas. Segundo o médico veterinário, horas depois do parto, a matriz já poderia ser posta novamente a cobertura, no entanto, para manter o período de descanso necessário, aguarda-se cerca de 12 a 15 dias para emprenhá-la de novo. Dois dias antes de partir, deve ser preparado o ninho dela com capim e serragem – a fêmea mesma vai fazer o ninho, tirando até pelos do próprio peito e barriga, para manter a cria bem aquecida. “Além de cuidar muito bem elas produzem muito”, assegura Kac. “Falamos em 50 animais por fêmea por ano, cada um que pode chegar a uma média de 2,8 kg – com três a quatro fêmeas chega-se a produzir um boi por ano. Então, em menos de 10 metros quadrados a gente consegue produzir mais de 500 quilos de carne de animal vivo por ano”.

“Ent‹o, numa criação de coelho é essencial estar sempre de olho e pode estar certo que dá trabalho”, alerta Paraschin. “Não é como numa criação de frango que você aperta um botão e a comida é distribuída para o animal. Na criação de coelho você tem de dar ração, verificar se ele está comendo, tem de fazer os preparativos para a cobertura, apalpação, preparar o ninho e manter limpo o local do ambiente da criação”.

Outro ponto importante para quem for iniciar esse negócio é adquirir matrizes e reprodutores de instituições de pesquisas que trabalham com essa espécie. Segundo Machado, a economia é crucial no incio da atividade. ´”Em São Paulo, por exemplo, temos a Unesp. Em Minas, tem o Instituto de Bambu’, a UFMG; no Paraná, a Universidade Estadual de MaringáÓ” enumera. “Estas unidades teriam plantel e podem vender animais para servir de matrizes por um preço bem menor comparado aos praticados no mercado, pois essas instituições não visam lucro”.

Nutrição

No caso da alimentação, é importante que o produtor avalie bem a qualidade da ração que é fornecida aos animais. De acordo com Érika Miklos, zootecnista, especialista na formulação de rações para roedores e gerente de produtos da Evialis, a nutrição tem um peso muito importante para o desenvolvimento da atividade. “A partir do progresso da cunicultura, crescem também as opções de rações mais profissionais, que atendam melhor às necessidades para a produçao de carne de coelho. Em alguns países da Europa, com a França, por exemplo, há opções para as diversas categorias de animais. Isso se explica pelo tradicionalismo dessa criação naquele País”, diz Miklos.

Com base num trabalho de pesquisa de Ana Silvia Alves Meira Tavares Moura, Rinaldo Polastre e Elisabete Okuda Yamaguisi, da área de Produção de Coelhos, do Departamento de Produção Animal da Faculdade de Medicina Veterin‡ria e Zootecnia, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita” (Unesp), em Botucatu (SP), o coelho adulto chega a fazer 30 refeições diárias de ração e água. O consumo individual diário de ração está em torno de 5% do peso vivo e de água 10% do peso vivo, com temperatura ambiente de até 24ºC. Devido ao hábito de vida predominantemente noturno, 80% do consumo de ração ocorre das 17h00 ás 6h00 horas. Para efeito de previsão, estima-se o consumo global de ração em 1,0 a 1,4 quilos (kg) por gaiola-mãe por. Uma granja com 100 matrizes, por exemplo, poderá consumir, no total, de 100 kg a 140 kg de ração peletizada balanceada por dia, incluindo todas as categorias de animais. A conversão alimentar global pode chegar de 4,5 kg a 5,0 kg de ração por quilo de peso vivo.

Miklos destaca também é possível oferecer, além da ração, produtos que fariam parte da realidade da propriedade em questão – como hortaliças, algumas especies de gramíneas como alfafa e feno, além de cascas de bananeira, por exemplo, que são boas fontes de fibra. “Apesar da cenoura ser o legume mais relacionado ao coelho, de fato, ela não chega a ser o alimento mais apetitoso para o animal. No desenvolvimento das rações, buscamos sempre algo de diferencial que atraia o paladar dessa espécie além de garantir um programa de alimentação bem balanceado”, atesta Miklos. Em termos gerais, este programa é estabelecido com o uso de ingredientes como os grãos de cereais e subprodutos como o milho e o farelo de trigo (fontes mais importantes de energia), o farelo de soja (fonte de proteínas, principalmente), fenos de gramíneas ou leguminosas, palhas e cascas (fontes de fibra), sal comum, minerais e vitaminas.

Desafios da cunicultura

Diante de todos os conceitos e expectativas, a criação tem de enfrentar a barreira cultural para realmente se estabelecer no País. De acordo com Machado, é estimado que o brasileiro coma cerca de 100 gramas de carne de coelho por ano – um mero bife per capita. “Ele não vê isso como uma carne nutritiva. Isso se explica por uma questão cultural e também de preço. A carne de frango ainda é muito mais barato, quando a de coelho é muito mais elitizada – pode variar em média de R$ 15 a R$ 16 o quilo. Se for olhar nas grandes redes de supermercados, esse valor pode chegar a mais de R$ 20”, avalia. No entanto, o animal produz uma carne com alto teor de proteína, pouca gordura e bastante digestível, ideal para pessoas que estão recuperação médica ou de dieta ou mesmo para pessoas da melhor idade.

Outro aspecto positivo é a gama de produtos que podem se ter a partir do coelho, bem como é a um produção ambientalmente responsável – enquadrando-se perfeitamente nos moldes de uma atividade sustentável. A produção faz o uso de pouca água, exige pouco espaço e produz um esterco com os melhores índices de fertilidade, comparado ao de outras espécies também direcionadas para corte. Além disso, o retorno dos investimentos pode ser rápido. Em média, cinco meses depois do início do estabelecimento do negócio.

Infelizmente, pelo mercado não ter tanta estrutura ainda, muitas vezes, falta incentivos para a criação de novos abatedouros. “Como então abater coelhos no Ceará, se não há unidades adequadas para se fazer isso lá? O jeito é fazer o abate por conta própria, sem fiscalização mesmo. Assim como há muita gente trabalha com o frango caipira”, diz Machado. Fora essa desorganização do mercado e a falta de abatedouros, o setor perece ainda com poucas opçõess de rações de qualidade, falta de políticas que ajudem a estruturação de políticas específicas, como há para a avicultura e a bovinocultura, alem da falta de divulgaçao da carne de coelho. No entanto, a expectativa é grande em alguns nichos e o preço se mantêm forte e atrativo.

Para saber mais:
Associação Científica Brasileira de Cunicultura (ACBC)
http://www.acbc.org.br/
(37) 3431-4964

Fazenda Angolana
http://www.fazendaangolana.com.br
(11) 4711-1640

Granja dos Ipês
http://www.coelhoreal.com.br/
(15) 3492-6862

One Response

  1. Espetacular!!
    Até quando os governantes e gestores vão fechar os olhos para essa excelente opção de proteína para o desenvolvimento do mercado interno e externo de carne.
    Vamos divulgar a cunicultura e seu leque de opções , tais como: corte, pele, pet, etc.
    Parabéns pelo trabalho e divulgação!!

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