Oficialmente criado em 15 de abril deste ano, o Conselho Científico para Agricultura Sustentável(CCAS) fará o possível para tornar o setor agrícola brasileiro o mais claro possível, especialmente no debate de questões sobre a produção sustentável.
Em entrevista ao repórter Fábio Moitinho, José Otávio Machado Menten, presidente do CCAS e professor associado da Esalq/USP, fala sobre o trabalho que será desenvolvido pela entidade e os desafios do setor diante de tantas mudanças e discussões a prática sustentável na agricultura.
Queremos nos colocar, com uma pretensão um pouco audaciosa, como referência. Se houver dúvida a respeito de sustentabilidade na agricultura, faremos de tudo para esclarecê-la.
Atualmente o Brasil é o principal país que detém a tecnologia agrícola tropical. Isso é decorrente de um grande investimento que houve a partir dos anos de 1970.
Outra tecnologia que deve ser incorporada futuramente talvez seja a nanotecnologia. Acho que esta também vai ter uma grande aplicação dentro da agricultura.
Revista Rural – Qual será efetivamente o trabalho desempenhado pela entidade nos primeiros anos da entidade?
José Otávio Machado Menten – São duas vertentes que estão caminhando paralela e simultaneamente. A primeira é mostrar para a sociedade, em especial à mídia, que nós existimos e para que viemos. Queremos mostrar que somos uma entidade imparcial, ética e transparente, constituída por pesquisadores, professores e pessoas que pensam a agricultura, considerando os aspectos científicos e tecnológicos. Isso é a primeira coisa, consolidar essa imagem e nos colocarmos, com uma pretensão um pouco audaciosa, como referência. Se alguém tiver alguma dúvida a respeito de sustentabilidade na agricultura, nos procure para que possa opinar. Para isso, precisamos ter conteúdo. Então, estamos pedindo que os nossos associados apresentem as suas ideias – isso aí passa por um crivo – que são os papers [publicação de um estudo científico] e artigos que estamos disponibilizando na Internet. Isso é então a consolidação da entidade, conquistando a credibilidade e a visibilidade necessária para que os nossos objetivos sejam atingidos. A outra vertente é buscar, dentro da academia e instituições de pesquisa e ensino, pessoas que, além de serem especialistas reconhecidos pela atividade que desempenham, se disponham a usar uma parte do tempo, que extrapole os limites do laboratório, da sala de aula, das revistas nas quais estão acostumados a escrever os papers, para que o seu conhecimento chegue à sociedade. E não é fácil achar o cientista com essa visão. Isso porque ele está acostumado a tão só escrever o trabalho científico. A avaliação da produtividade dele está relacionada ao número de papers que publica nas revistas científicas. Então, o pesquisador acaba achando que é uma perda de tempo escrever para sociedade, e sim, escrever para seus pares. Nesse sentido, precisamos escolher a dedo, nesse universo de excelentes pesquisadores na área da agricultura que nós temos no Brasil, justamente aqueles que tenham a vocação de querer conversar com a sociedade – e isso vai ser um processo contínuo. Devemos, ao longo do tempo, escolher as pessoas que se encaixem nessa visão – que além de trazerem uma formação sólida acadêmica, tenham a habilidade de transmitir de forma clara e precisa seus pareceres e estudos à sociedade.
Rural – Que desafios são esperados nesse momento?
Menten – Creio o grande desafio será consolidar uma visão do CCAS, porque somos cabeças diferentes. Já somos 16 pessoas, cada qual com um grau diferente – em nosso grupo, por exemplo, há desde o professor de Química Pura até uma pessoa que atua na área de comunicação. Nesse sentido, temos de tentar entrar em consenso no próprio grupo, e isso é uma dificuldade pela própria limitação de tempo que os integrantes dispõem. Em nosso conselho, as pessoas que encontramos são coincidentemente as mais atarefadas, cada qual com suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, ou mesmo com compromissos já assumidos em congressos nacionais e internacionais. Precisamos de tempo para analisar e dar nosso parecer sobre os temas que mais têm chamado a atenção, como agroenergia, produção de alimentos, meio ambiente e Código Florestal. A partir de nossas discussões acadêmicas internas, poderemos expor para a sociedade uma visão abrangente sobre cada tema, que será uma visão do CCAS – e não uma opinião de um ou de outro. Ainda faltam especialistas para compor o grupo, como o caso de um na área de produção animal, que talvez seja uma das áreas mais sensíveis do agronegócio, como a produção de gado. Muitos se perguntam dessa área de 200 milhões de hectares de áreas de pastagens que poderiam ser convertidas para a agricultura. Se conseguimos uma revolução na área de produção de grãos, por que então estacionamos na área de produção animal? O que está faltando para termos ao invés de uma cabeça para cada hectare, duas cabeças por hectare? O que está acontecendo que não estamos melhorando as nossas pastagens? Para responder essas questões, estamos na busca de um especialista nesse assunto. Há outras áreas que também precisamos de pessoas que possam contribuir como, por exemplo, em biotecnologia. Ainda, temos de congregar mais gente jovem e representantes de outras regiões do País para garantir a amplitude e pluralidade que queremos dar ao CCAS.
Rural – Em termos de pesquisas, como o Brasil está perante o resto do mundo no campo de tecnologias e técnicas de produção sustentável no campo?
Menten – Acredito que o País vem muito bem nesse sentido. Falando de uma forma mais direta, o Brasil, hoje, é o principal país que detém a tecnologia agrícola tropical. Isso é decorrente de um grande investimento que houve a partir dos anos de 1970. Investimos muito na formação de técnicos graças ao aprendizado básico do exterior, mandamos muitos estudantes, e eu me incluo nisso aí, para se aprimorar na área agropecuária em todos os setores. Isso coincidiu com a formação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), aliada a outras instituições importantes como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o Instituto Biológico (IB) [São Paulo (SP)], o Instituto de Economia Agrícola (IEA), o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), o Instituto do Rio Grande do Sul e do Nordeste. A Embrapa pôde consolidar essa pesquisa agropecuária nacional, aliada às universidades que também se fortaleceram com o passar dos anos. Temos hoje cerca de umas 170 a 180 escolas de engenharia agronômica e ciências agrárias no Brasil. Então, temos massa crítica – pessoas que pensam, ensinam e pesquisam agricultura. Além disso, formamos pesquisadores que enxergam claramente que as soluções não são só econômicas, mas que as respostas tecnológicas para a nossa agricultura têm necessariamente de agregar as vertentes social e ambiental, senão, essa tecnologia não poderá ser implantada. Mas ainda temos muito de fazer. Hoje, se formos falar em agricultura sustentável, nós temos de desenvolver por aqui, por exemplo, indicadores de sustentabilidade. Temos de ter uma métrica de quanto que estamos emitindo de gases de efeito estufa [GEEs] para saber qual é a participação da agricultura e da pecuária na produção desses gases. Se não medirmos isso, não teremos dados quantitativos dessas ações, e, consequentemente, será muito mais difícil convencermos o segmento todo da necessidade de mudança.
Rural – Diante dessas mudanças de paradigmas, a exemplo da iminência de um novo Código Florestal Brasileiro, como a entidade estará preparada para tornar clara a mensagem de uma produção que seja economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente responsável?
Menten – Para isso, devem ser trabalhadas duas vertentes. A primeira é a partir de um trabalho junto com os órgãos de comunicação de massa. Por exemplo, essa campanha ‘Sou Agro’, acho que ela é muito importante para se mostrar à sociedade como um todo o que é o setor agro brasileiro. No entanto, a segunda vertente importante é um maior investimento na educação – este seria um processo muito mais lento, de transferência desse conhecimento, mas é de acordar isso de maneira clara em todas as escolas. Se imaginarmos que temos ao redor de 250 escolas [faculdades e escolas técnicas] na área de agricultura no País, então há centenas ou milhares de professores que, se bem preparados para determinados assuntos mais sensíveis – e um deles é o Código Florestal -, poderão fazer abordagens equilibradas, baseadas em conhecimentos técnicos, em sala de aula. Estimamos que hoje chega a se formar cerca de sete a oito mil engenheiros agrônomos por ano no Brasil, isso sem falar em engenheiros florestais. Então é muita gente nova ingressando, e, talvez, nem todos estejam sendo preparados para abordar os assuntos mais delicados ou polêmicos. Esse profissional aprende muito bem como plantar, as técnicas e os processos de produção – isso é ensinado muito bem nas escolas. O que temos de incorporar mais nas discussões são temas que abordem os aspectos ambientais, sociais e econômicos da atividade agropecuária, e não ficar só de olho no processo de produção em si. Está aí uma grande responsabilidade: a melhoria do ensino de graduação, pós-graduação e mesmo o ensino médio – o ensino técnico agrícola.
Rural – Que tecnologias do setor podem ser destacadas e que, certamente, podem influenciar positivamente a opinião das pessoas sobre a condução responsável da agricultura?
Menten – O grande exemplo é sem dúvida a técnica de plantio direto, que se foi implantada com muito sucesso desde a década de 1970, mas acho que toda essa parte de correção do solo através de calcário, para se reduzir a acidez dos solos do País, foi fundamental para que pudéssemos ocupar a região dos Cerrados com a produção de grãos. Isso foram tecnologias do passado, mas que nos levaram a alcançar os maiores patamares de produção, como foi o exemplo da área de fertilização e o uso racional de insumos. Agora, nós estamos num ponto no qual temos duas tecnologias que estão em fase de consolidação. A primeira é a biotecnologia, através da obtenção de organismos geneticamente modificados [OGMs]. Estes ainda não são muito bem compreendidos pela sociedade, pois são tachados como problemas, ao passo que entendemos que os transgênicos podem ser a solução. De fato, uma solução extremamente inteligente geradas por quem estudou muito para conseguir desenvolver essa forma de melhoramento de plantas. Outra tecnologia de destaque que vem ganhando força ultimamente é a agricultura de precisão. Nela, poderemos incorporar todo o conhecimento para tomar decisões independente da diversidade de ambientes dentro de uma propriedade. Ou seja, hoje, tenho condições, através de um planejamento, de estabelecer determinados manejos necessários numa faixa muito específica dentro da área de cultivo, e não mais em toda a área destinada à lavoura. Então a agricultura de precisão e a biotecnologia são duas tecnologias que vamos incorporar, e que ainda precisam ser bem compreendidas. Dentro da transgenia, um exemplo muito bom, foi o lançamento do feijão resistente ao vírus do mosaico dourado – um resultado de um trabalho de talvez uns 25 ou 30 anos de estudo. Agora sai essa variedade de feijão transgênico – que é uma cultura essencial para o alimento do brasileiro. E não se trata de um material resistente a herbicida, e sim, de um vírus que limita o cultivo do feijão em determinadas áreas e períodos do ano no Brasil. O advento dessa tecnologia deverá minimizar a utilização de defensivos agrícolas, pois não se precisará mais controlar a mosca branca que é o vetor desse vírus. A partir daí, isso vai possibilitar o estabelecimento da cultura do feijão em regiões onde ele foi praticamente banido, tal era a severidade e agressividade dessa doença. Outra tecnologia que deve ser incorporada futuramente talvez seja a nanotecnologia. Acho que esta também vai ter uma grande aplicação dentro da agricultura.