Pecuária

Leite: os passos para a qualidade

Para uma produção de leite que atenda os pré-requisitos básicos e ainda satisfaça a indústria é necessária a atenção às questões de higiene e saúde animal.

“A MANUTENÇÃO DA SAÚDE DA GLÂNDULA MAMÁRIA, POR EXEMPLO, É UM ITEM DE MUITA IMPORTÂNCIA, POIS, SE HOUVER INFLAMAÇÃO DO TETO, A MASTITE, ISSO VAI PREJUDICAR A PRODUÇÃO E TAMBÉM VAI ALTERAR A COMPOSIÇÃO DO LEITE, QUE É A QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA DO PRODUTO”, FRISA A PESQUISADORA DA EMBRAPA GADO DE LEITE E ESPECIALISTA NA ÁREA DE QUALIDADE DO LEITE, MARIA APARECIDA VASCONCELOS PAIVA E BRITO.

PARA A ORDENHA, RECOMENDA-SE QUE AS VACAS SEJAM LAVADAS DIARIAMENTE E, NO MOMENTO EFETIVO DO PROCESSO, OS ÚBERES DEVEM SER HIGIENIZADOS COM ÁGUA LIMPA E ENXUTOS COM PANO, DE PREFERÊNCIA, DE COR BRANCA.

A proximidade e o próprio contato dos tetos com o chão, além de demais fatores de relacionados à ordenha das vacas, colabora com a entrada de agentes patológicos no úbere.

Um leite é de boa qualidade quando, ao sair do úbere do animal, contém aproximadamente de 1.500 a 2.500 bactérias por centímetros cúbicos (cm³).

Um mangote ou um latão mal lavado pode introduzir até nove milhões de bactérias por cada cm³ de leite – utensílios que entram em contato com a matéria-prima são os principais responsáveis pela baixa qualidade do leite.

Destacadamente, há três itens que estão intimamente ligados à qualidade do leite e que todos os produtores têm de estar atentos – daí pode-se compreender as qualidades higiênico-sanitária, microbiológica e físico-química. O primeiro está relacionado à saúde animal, em especial sobre o controle da brucelose e tuberculose – doenças de muita importância para a pecuária leiteira – bem como à saúde da glândula mamária (controle da mastite); O segundo ponto é a redução de risco por contaminação de agentes microbianos que estão presentes no ambiente e, por fim, é importante a obtenção de um produto com todas as características recomendadas em termos nutricionais para atender a indústria, ou seja, a qualidade físico-química do alimento.

Para a pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, em Juiz de Fora (MG), e especialista na área de qualidade do leite, Maria Aparecida Vasconcelos Paiva e Brito, estes são os princípios básicos para a obtenção de um produto de qualidade. “A manutenção da saúde da glândula mamária, por exemplo, é um item de muita importância, pois, se houver inflamação do teto, a mastite, isso vai prejudicar a produção e também vai alterar a composição do leite, que é a qualidade físico-química do produto”, frisa.

Mastite

A proximidade e o próprio contato dos tetos com o chão, além de demais fatores de relacionados à ordenha das vacas, colabora com a entrada de agentes patológicos no úbere – a glândula mamária, propriamente dita. Lá, com a presença de leite, eles se multiplicam ocasionando irritação e, consequentemente, a inflamação do teto. “Como resposta a essa entrada de micro-organismos no úbere, cresce o número de células somáticas no órgão. Estas são responsáveis pela defesa do organismo do animal ao ataque dos invasores; e quanto maior o número de células somáticas, menor será a qualidade do produto final”, diz Brito.

A inflamação tem a finalidade de destruir ou neutralizar os agentes infecciosos e suas toxinas, e permitir que a glândula retome a sua função normal. Entretanto, pode ocorrer também a destruição de células epiteliais (da pele ou cavidades internas) responsáveis pela síntese dos principais constituintes do leite (proteína, gordura, lactose), com redução da capacidade produtiva do animal.

Na maioria dos rebanhos, a forma clínica da mastite é a mais evidente e que causa maiores dores de cabeça ao produtor. Esta se caracteriza por ser visível as alterações no leite (com a presença de grumos, pus, sangue e leite aquoso), associadas ou não a alterações no úbere (inchado, febril ou dolorido). Entretanto, a forma mais comum e responsável pelos maiores prejuízos é a subclínica, que alguns especialistas preferem chamar de infecção subclínica. Nesta, não há alterações visíveis no leite e no úbere. Para sua detecção é imprescindível a realização de testes, para evidenciar a infecção ou a comprovação do aumento do número de células somáticas. Considera-se que, para cada caso de mastite clínica ocorram entre 20 e 50 casos de mastite subclínica.

Aproximadamente 95% das infecções que resultam em mastite são causadas pelas bactérias Streptococcus agalactiae, Staphylococcus aureus, Streptococcus dysgalactiae, Streptococcus uberis e Escherichia coli. Os outros 5% são causados por outros microrganismos.

Contaminação microbiológica

Se a já é fácil a entrada de agentes patológicos ainda no úbere da vaca, imagine então quando o leite está exposto ao ar, sujeira, poeira ou demais componentes próprios do ambiente de ordenha. A tarefa é a mais simples de ser resolvida, porém é justamente a mais complicada de ser atingida, segundo Brito. “Para a obtenção de uma qualidade do leite”, explica a pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, “a qualidade microbiológica é a mais simples de ser resolvida entre as demais, pois pode ser mudada da noite para o dia, com a implantação de toda a infraestrutura e equipamentos adequados, o correto manejo com os animais – isso reduzirá significativamente o risco de contaminação; no entanto, essa prática tem de ser um exercício diário, ou seja, o manejo tem de ser perfeito sempre, e, sabe-se que uma vez ou outra fatalmente isso não vai ocorrer”, pondera.

Recomendações práticas

Um leite é de boa qualidade quando, ao sair do úbere do animal, contém aproximadamente de 1.500 a 2.500 bactérias por centímetros cúbicos (cm³) [Vargas, 1976]. Como a qualidade do leite cru está relacionada ao número inicial de bactérias no úbere do animal e no ambiente externo, no ato da ordenha, para que o produto atenda às exigências higiênico-sanitárias, é ideal que algumas práticas sejam levadas em conta pelo produtor. Aí, devem ser considerados o animal, o material de coleta, que entra em contato diretamente com o leite, o ambiente geral e o ordenhador.

No local de ordenha, por exemplo, deve ser bem arejado, com acomodações adequadas ao serviço, permitindo uma higiene completa. Pelo menos, as salas de ordenha devem dispor de piso cimentado e água em abundância para a higiene dos animais e dos ordenhadores.

Em relação aos animais, estes devem estar em boas condições sanitárias. As vacas devem estar vacinadas contra brucelose e febre aftosa, e terem aparados os pelos da cauda e das proximidades do úbere, pois constituem os maiores propagadores de microrganismos. Recomenda-se que as vacas sejam lavadas diariamente e, no momento da ordenha, os úberes sejam higienizados com água limpa e enxutos com pano, de preferência, de cor branca. As vacas portadoras de mamite ou mastite devem ser ordenhadas por último. O leite dos animais doentes só poderá ser aproveitado após o tratamento e assegurada a sua cura. A ordenha deve ser completa e, de preferência, deve-se deixar o bezerro mamar no início.

Após o parto, durante oito a dez dias, a vaca secreta um líquido de cor amarelada, de sabor ácido e densidade alta, que coagula ao ser fervido e na prova do álcool-alizarol. É o leite colostro, que deve ser utilizado apenas pela cria, por conter substâncias essenciais à saúde e favorecer a eliminação das primeiras fezes. Esse tipo de leite não deve ser misturado ao leite normal, por ser de fácil deterioração.

O ordenhador deve ter boa saúde, trabalhar com roupas e mãos limpas, usar botas e boné, manter as unhas aparadas e os cabelos curtos, e evitar fumar ou cuspir no chão, durante a ordenha. Esse trabalhador deve limitar-se somente à ordenha das vacas. Outras tarefas, como conduzir e apartar os animais, raspar e lavar o piso, devem ser realizadas por um auxiliar.

Já em relação aos utensílios, quando não devidamente higienizados (baldes, latões, coadores e outros objetos que entram em contato com a matéria-prima) são os principais responsáveis pela baixa qualidade do leite. Por exemplo, um mangote ou um latão mal lavado pode introduzir até nove milhões de bactérias por cada cm³ de leite [Feijó et al. 2002]. Após o uso, os utensílios devem ser lavados e esterilizados com uma solução simples, contendo água sanitária, à base de 12 ml (uma colher de sopa), por litro de água. Após a limpeza, os utensílios devem ser colocados de boca para baixo, sobre um estrado de madeira.

Qualidade físico-química

A composição do leite em si, em termos de gorduras, proteínas e sais, em suma, os valores nutricionais da bebida, relaciona-se com a qualidade da alimentação do animal. Uma alimentação sadia e abundante é necessária para o funcionamento da glândula mamária e a síntese de todas as substâncias que vão auxiliar a formação do leite. Quando se ministra uma ração equilibrada, a composição do leite não é alterada. Nesse quesito, também se relacionam raças mais aptas à produção leiteira. A raça holandesa, por exemplo, tende a produzir mais leite, enquanto que as raças Jersey e Guernesey produzem mais leite e gordura.

União de forças

Atualmente uma rede de informações têm se consolidado como uma forte ferramenta de disseminação das técnicas para a produção de leite no País, de acordo com a pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, e isso já tem sensibilizado e conscientizado os produtores a estarem em dia com as padronizações exigidas pela legislação – em especial, a Normativa nº 51, que incide propriamente na produção de leite. “No entanto é necessário que o produtor receba orientações técnicas para instalações e procedimentos que não estão diretamente relacionados com a atividade”, ressalta Brito.

Tanto indústrias, governo e empresas de assistência técnica e extensão rural têm de estar junto do produtor, pois todos estão comprometidos com a obtenção de um produto de qualidade. “Não adianta vir um fiscal ou um técnico na fazenda dizer, ‘olha, senhor, seu leite não tem qualidade’. É preciso, então, auxiliá-los no sentido de corrigir as falhas, pois todos vão ganhar com isso”, conclui.

Passos para uma ordenha segura

1. Primeiros jatos de leite. É importante a dispensa dos primeiros três ou quatro jatos de leite, pois à noite, ao deitar-se, o animal encosta as tetas no solo, possibilitando que microrganismos penetrem pelos canais das tetas. Contudo, se o bezerro mama antes da ordenha, ele já executa essa tarefa. Adicionalmente, é necessário fazer a limpeza das tetas dos animais com um pano úmido, para a retirada da espuma contaminada, deixada pelo bezerro.
2. Esgotamento total do leite. A ordenha termina com o esgotamento completo de todo o leite do úbere, cuidado essencial para a conservação desse órgão e o bom aproveitamento da gordura, que começa diluída no início da ordenha e vai engrossando, progressivamente, até o final.
3. Utilização de baldes de boca estreita. Durante a ordenha, partículas sujas aderentes ao pelo do animal soltam-se e podem contaminar o leite. Essas partículas são esterco, pelos, terra, etc. Estudos têm mostrado a eficiência do uso de baldes de boca estreita, na qualidade do leite: ordenha com baldes de boca estreita resultou em menos bactérias (29.263 por cm³) que baldes de boca larga (87.380 por cm³) [Furtado, 1979].
4. Cuidados com o leite após a ordenha. Ao sair do úbere do animal, o leite está na temperatura ideal para a proliferação de bactérias. À medida que o leite for sendo ordenhado, deve ser filtrado em coadores próprios de tela fina. O resfriamento, à temperatura de 4ºC a 7ºC, num espaço de tempo de 2 horas, é o procedimento mais eficaz para a sua conservação.

Glossário da qualidade

Fonte: Embrapa Amazônia Oriental

Acidez do leite. Ao ser ordenhado, o leite não apresenta nenhuma fermentação. Depois de algum tempo, com a ação da temperatura e com a perda dos inibidores naturais, o leite passa a produzir um tipo de fermento que é medido pela acidez. Portanto, é atribuída à acidez a perda do leite do produtor nas usinas, quando a fermentação produzida ultrapassa a 1,8 gramas por litro de leite, que é igual 18o D (18 graus Dornic).

Água. Maior componente do leite, em volume. Há cerca de 88% de água no leite. Se, de alguma forma, água for adicionada ao leite, o peso do produto será alterado sensivelmente. Logo, isso constitui uma fraude.

Constituição físico-química. Na composição do leite, constam a parte úmida, representada pela água, e a parte sólida, representada por dois grupos de componentes: o extrato seco total e o extrato seco desengordurado.

Contagem total de bactérias. É um método mais preciso que determina, com precisão, o número de bactérias existente no leite. Para o leite tipo C, mais comumente produzido no Brasil, é utilizado como um controle complementar da qualidade do leite.

Densidade. É a relação entre peso e volume. Assim, um litro de leite normal pesa de 1.028 a 1.033 gramas. Abaixo ou acima desse intervalo, o leite pode ter a sua qualidade comprometida e ser recusado pelas indústrias. Deve-se considerar que um leite com um alto teor de gordura, como por exemplo, acima de 4,5%, terá provavelmente uma densidade abaixo de 1.028 gramas. Para evitar fraudes por aguagem, a densidade do leite é medida, diariamente, na indústria.

Extrato seco total. É representado pela gordura, açúcar, proteínas e sais minerais. Quanto maior esse componente no leite, maior será o rendimento dos produtos;

Extrato seco desengordurado. Compreende todos os componentes, menos a gordura (leite desnatado). Por lei, o produtor não pode fazer a remessa dessa fração do leite para a indústria. Apenas as indústrias podem manejá-la, por meio de desnatadeiras, destinando-a à fabricação de leite em pó, leite condensado, doces, iogurtes e queijos magros.

Gordura. É o componente mais importante do leite. O produto enviado à indústria deve conter, no mínimo, 3% de gordura. Na indústria, a gordura dá origem à manteiga, sendo o seu teor responsável pelo diferencial no preço do leite pago ao produtor.

Prova do álcool-alizarol. Essa análise não mede exatamente a acidez do leite, mas sim, verifica sua tendência a coagular. O leite que coagula nessa prova não resiste ao calor, portanto, não pode ser misturado aos demais.

Teste de redutase do azul de metileno (TRAM). Nesta prova avalia-se a atividade das bactérias presentes no leite, por meio de um corante. Quanto mais rápido for o tempo de descoloração do corante de azul para branco, maior é o numero de micróbios existentes. No Brasil, o leite é aceito quando a descoloração ocorre a partir de duas horas e trinta minutos.

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