Elevar o nível do debate sobre a sustentabilidade e propagar as ferramentas para uma produção responsável e sócio ambientalmente correta são algumas das prioridades dos trabalhos da Associação dos Profissionais de Pecuária Sustentável (APPS). A entidade, existente desde 2009, reúne técnicos e cientistas de instituições de pesquisa, ensino, extensão rural e empresas de consultoria privadas. Nesta entrevista concedida à repórter Cíntia Rocha, o presidente da associação, Rodrigo Paniago, comenta o cenário percebido nesses dois primeiros anos de atuação.
“Foi durante a Rio 92 que a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a integrar o desenvolvimento sustentável não mais como conceito, mas como princípio”.
“A aplicação de boas práticas agropecuárias nas propriedades sempre preconiza aumentos de eficiência econômica, um dos pilares do desenvolvimento sustentável”.
“A APPS surgiu no ano de 2009, a partir da inquietação da comunidade técnica científica especializada em relação à criminalização da pecuária brasileira”.
Revista Rural – Qual a sua definição do termo sustentabilidade? De modo geral, qual tem sido o trabalho da APPS para desmistificar esse assunto?
Rodrigo Paniago – Para falarmos em sustentabilidade, é preciso lembrar que essa é uma palavra que vem do latim sustentare, que significa impedir que caia, equilibrar-se ou, ainda, alimentar física e moralmente. Em 1972, surgiu o conceito de ecodesenvolvimento, na primeira conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre meio ambiente e desenvolvimento. No ano de 1987 mudaram o conceito para desenvolvimento sustentável e na Rio 92 a ONU passou a integrar este último não mais como conceito, mas como princípio. Tal mudança obteve o apoio oficial de 179 países que assinaram a Agenda 21, baseada nos três pilares de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. A sociedade recebe uma enxurrada de informações distorcidas e acaba aliando o desenvolvimento sustentável só a questão ambiental. Por isso, a APPS busca em todas as suas ações explicar que na verdade temos que ter em mente a conciliação dos três pilares, para que todos alcancem o verdadeiro desenvolvimento sustentável, como preconizado pela própria ONU.
Rural – Qual o nível de debate e entendimento com que a entidade tem tido com o produtor rural? Eles veem a sustentabilidade como aliada de seus negócios ou ainda há, de certa forma, resistência quanto a esse termo?
Paniago – O produtor rural está sempre no foco de nossas ações, pois nossa missão é justamente difundir tecnologias para a pecuária sustentável. Assim como a sociedade em geral, muitos produtores não tem a compreensão adequada sobre o que é desenvolvimento sustentável, pois aqueles que mais defendem o meio ambiente, não fazem a menor questão de informar que é de fundamental importância os dos outros dois pilares, vem daí certa reatividade natural por parte do produtor rural. No entanto, qualquer ação que o produtor empreenda para a melhoria da eficiência produtiva de seu negócio, ou seja, produzir mais com menos, ele está na verdade caminhando para a sustentabilidade, desde que também se atenha à questão social e ambiental.
Rural – A busca por uma produção maior e melhor, levando em conta esses, tem implicado em uma visão mais empresarial das propriedades? O que tem mudado nesse sentido, estamos em um novo momento na forma de gestão?
Paniago – Sim, não há como ser um profissional atuando de forma ilegal. É importante que todos se atenham a legislação vigente, seja o pequeno ou o grande produtor. No entanto, não podemos deixar de comentar que a legislação atual, tanto a ambiental como a trabalhista, com as quais o produtor rural tem que lidar diariamente, foram criadas ou modificadas por pessoas que estavam muito longe da realidade do campo ou não tinham o menor comprometimento com o desenvolvimento sustentável do mesmo, daí o alto grau de dificuldade para que as leis sejam atendidas à risca. Por conta do alto grau de burocracia e, principalmente, do alto custo para se adequar à legislação é ainda mais difícil a adequação para pequenos e médios produtores. A formalização é o caminho natural de uma economia fortalecida, mas é a redução da margem de lucro que força os produtores a serem cada vez mais eficientes. O meio para se obter ganhos em eficiência passa obrigatoriamente por uma gestão mais profissional. Infelizmente, é na gestão de seu empreendimento onde o produtor, sobretudo o pecuarista, está mais atrasado. É raro encontrarmos um que trabalha com plano orçamentário, metas de rentabilidade, custos próprios de produção da arroba e outros índices importantes para tomada de decisão.
Rural – Os muitos investimentos para intensificar a eficiência da porteira para dentro não poderiam diminuir a competitividade da pecuária diante de outras atividades do campo?
Paniago – Muito pelo contrário, toda tecnologia já comprovada quando aplicada no lugar e no momento adequado pode trazer maior rentabilidade para o produtor, fortalecendo a sua atividade. Veja, até para utilizar qualquer uma das tecnologias citadas por especialistas do setor, é preciso ter foco na gestão, pois é ela quem vai direcionar a escolha e a forma de agregar uma nova tecnologia para a fazenda. Os produtores conhecem as ferramentas disponíveis, o problema é saber como utilizá-las de forma eficiente. Contudo, por uma questão estratégica, prioritariamente o tanto o agricultor como o pecuarista devem utilizar tecnologias que visam preservar o solo, por exemplo, o plantio em curva de nível e a reposição equilibrada de nutrientes ao solo.
Rural – Nesse sentido, o que pode ser feito como forma de incentivo para dar maior valorização ou até mesmo visibilidade a quem busca boas práticas? Como avalia a contribuição e o papel da indústria?
Paniago – Ágio pelo produto diferenciado com certeza é o maior dos incentivos, mas é muito difícil garantirmos ao produtor que empreender boas práticas agropecuárias tal vantagem. No entanto, o governo poderia criar formas de desconto na taxa de juros para empréstimos, ou mesmo linhas de crédito diferenciadas, um exemplo desta última é o Programa Agricultura de Baixo Carbono, o ABC, que oferece condições mais favoráveis para os produtores que utilizarem o recurso na aplicação de tecnologias sustentáveis. Quanto à indústria, existem alguns incentivos como o pagamento superior pelo preço da arroba para aqueles pecuaristas que produzem dentro de uma determinada norma, mas é um mercado diminuto, não acredito que haja espaço para todos os que se interessarem.
Rural – Quais são os maiores desafios para o pecuarista efetivamente implantar um sistema que seja social, ambiental e economicamente viável? Onde estão os acertos e o que ainda falta melhorar nessa questão?
Paniago – Em primeiro lugar um conhecimento mais rico em técnicas de gestão, mas para que isso ocorra de forma generalizada é preciso que o País amplie os mecanismos de assistência técnica, que foram praticamente abandonados nos últimos anos. Em segundo lugar ter acesso à linha de crédito compatível com o seu tipo de negócio. O ciclo de produção da pecuária é longo, não é de meses como no caso da agricultura. Comumente, em nossa atividade do dia a dia, fazemos avaliação de projetos pecuários com diferentes níveis de intensificação, são raros os projetos em que o repagamento ocorre com menos de seis anos, os bons projetos desta natureza, em geral, repagam entre seis e oito anos. As linhas de crédito de longo prazo estão disponíveis apenas para atividades que envolvam silvicultura. O curioso é que o valor das multas imputadas aos produtores em relação aos valores dos incentivos financeiros, para que estes possam produzir de forma sustentável, são absolutamente desproporcionais. A sociedade brasileira não pode exigir um desempenho melhor de seus produtores rurais sem oferecer ferramentas que lhes permitam atender esta demanda.
Rural – O Brasil possui vantagens sobre os demais países produtores de carne nessa questão de sustentabilidade?
Paniago – Sim, porque em nenhum país do mundo é exigido ao produtor rural que este utilize parte de seu patrimônio em terra para preservar, cada produtor brasileiro sob seus custos preserva o meio ambiente para o bem comum. Com exceção da Rússia, não há país no mundo com tanta mata preservada, ou seja, para cada quilo produto agrícola brasileiro produzido há uma contrapartida em muitos metros quadrados de terra preservada. Nossa pecuária está baseada em pastagem, as gramíneas utilizadas no Brasil são plantas extremamente agressivas no sequestro de carbono, o que melhora consideravelmente o balanço de carbono da atividade. Nos últimos dez anos o rebanho brasileiro cresceu 20%, os abates cresceram 36%, o desfrute cresceu 13%, a produção de carne cresceu 39%, a taxa de lotação das pastagens cresceu 22% e tudo isso com redução de 2% da área de pastagens, uma área maior do que a de cana-de-açúcar no Brasil. Mas, ainda temos e, melhor, podemos melhorar muito, pois com a recuperação das pastagens e melhoria no manejo da mesma, poderemos reduzir a área de pastagens, mantendo o crescimento da produção de carne e de grãos, ou seja, sem aumentar o desmatamento.
Rural – Um bife de qualidade e produzido nesse ambiente sustentável tem nicho certo de mercado? O consumidor estaria disposto a pagar mais por esse alimento?
Paniago – Sim, com certeza terá, mas não acredito que o consumidor esteja disposto a pagar mais por isso, especialmente o brasileiro. Vale lembrar que o consumo interno de carne bovina é de 80%, aproximadamente. Contudo, a aplicação de boas práticas agropecuárias independem disso para acontecer, pois elas no fim sempre preconizam aumentos de eficiência econômica, um dos pilares do desenvolvimento sustentável.
Rural – Já em relação à APPS, como foi que ela surgiu?
Paniago – Ela surgiu a partir da inquietação da comunidade técnica científica especializada em relação à criminalização da pecuária brasileira. Em um evento técnico, no ano de 2009, sobre produção a pasto e sustentabilidade estavam reunidas as principais empresas de consultoria pecuária e instituições de pesquisa do Brasil, todos reclamavam da forma parcial com que o tema era discutido pela sociedade, naquela ocasião ficou decidido que aquele grupo iria se organizar com objetivo de elevar o nível do debate sobre tema sustentabilidade e pecuária. A partir de então foi necessária a criação de uma entidade formal, para que as ações não ficassem só no discurso. A APPS reúne a AgriPoint, Agroeconômica, Alcance, Atual, Bigma, Boviplan, Burgi, Carta Pecuária, Cati, Coan, Consupec, Dow AgroSciences, DTA, Emater, Embrapa, Exagro, ESALQ, Estação Experimental Fazenda Figueira, Instituto de Zootecnia, ACNB, Projepec, Projeta, Scot, TCA, Terra, UFMT e UFV.
Rural – Quais são as perspectivas para as ações e projetos da entidade para médio e longo prazos?
Paniago – A APPS lançará brevemente um site para servir de fonte para pesquisa e debate sobre o tema sustentabilidade e pecuária, organizará diversos eventos, como encontros para difusão de conhecimento especializado exclusivo para jornalistas, congresso para que a comunidade científica possa apresentar os avanços em tecnologia e conhecimento sobre o tema, diversas palestras e dias de campo para não só desmistificar o conceito de sustentabilidade como levar tecnologia para o produtor rural, palestras em escolas públicas sobre a importância da carne e da pecuária.