Agricultura

Café: minas dos grãos de ouro

Agora já são duas regiões mineiras que possuem o selo de Indicação de Procedência – mais uma forma para se valorizar o produto no mercado.

“AINDA NO PÉ, TODO CAFÉ É DE QUALIDADE, O QUE O TORNARÁ ESPECIAL SERÁ A FORMA COMO ESSES FRUTOS SERÃO TRATADOS A PARTIR DE ENTÃO. NÃO É UMA LAVOURA COMO DE SOJA OU MILHO, POR EXEMPLO, QUE CHEGA UMA MÁQUINA E COLHE TUDO. ESSE CAFÉ TEM TODO UM PROCESSO DE COLHEITA, DESCANSO, SECAGEM, BENEFICIAMENTO, TUDO FEITO DE MANEIRA BEM CORRETA E COM MUITA DEDICAÇÃO PARA ISSO”, EXPLICA HELCIO CARNEIRO PINTO, DIRETOR PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE CAFÉ DA MANTIQUEIRA (APROCAM).

A região da Serra da Mantiqueira de Minas Gerais possui em torno de oito mil produtores, sendo 82% agricultores familiares, que perfazem uma safra anual de 1.025.000 de sacas de café numa área de 50 mil hectares.

Francisco Isidro Dias Pereira, da fazenda Santa Inês, do município de Carmo de Minas, obteve a maior nota já registrada em cafés especiais – 95,85 pontos. Cada saca chegou a custar R$ 15 mil.

Em maio, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), aprovou o pedido de Indicação de Procedência (IP) ao café produzido na região da Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais. Esta é a segunda área no Estado a contar com esse selo. A primeira, concedida em maio de 2005, fora para região do Cerrado Mineiro, requerida pelo Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado (Caccer). Agora é vez da Associação dos Produtores de Café da Mantiqueira (Aprocam).

A IP é uma das variações da Indicação Geográfica (IG) que é uma certificação que garante a procedência do produto e sua qualidade. Especificamente, ela guarda a relação com o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território conhecido como o centro de extração, produção, fabricação de um determinado produto agropecuário ou extrativista, tendo como fundamento a notoriedade.

Esta é a nona IG do Brasil. Ao lado da Região do Cerrado Mineiro para o café, também estão as regiões do Vale dos Vinhedos (RS), para o vinho; do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional (RS), para a carne; de Paraty (RJ), para a cachaça; do Vale do Submédio São Francisco (BA e PE), para as uvas de mesa e manga; do Vale do Sinos (RS), para o couro; de Pinto Bandeira (RS), para os vinhos; e do Litoral Norte Gaúcho (RS), para o arroz.

Para o Inpi, a obtenção de um selo como a IP garante um diferencial competitivo para seus detentores. Um exemplo disso é o Vale dos Vinhedos (RS), que possui IG desde 2002. De acordo com o órgão, em função disso, houve um grande impulso no turismo (que cresceu mais de 300% naquele período) e na produção local (o número de vinícolas cresceu de 15 para 31).

Pequenos mas de qualidade

Na microrregião compreendida pela Aprocam situam-se os municípios mineiros de Baependi, Brasópolis, Cachoeira de Minas, Cambuquira, Campanha, Carmo de Minas, Caxambu, Conceição das Pedras, Conceição do Rio Verde, Cristina, Dom Viçoso, Heliodora, Jesuânia, Lambari, Natércia, Olímpio Noronha, Paraisópolis, Pedralva, Pouso Alto, Santa Rita do Sapucaí, São Lourenço e Soledade de Minas.

“A Serra da Mantiqueira”, declara o diretor presidente a Aprocam, Helcio Carneiro Pinto, “abriga uma das regiões mais propícias para a produção de cafés especiais, em função da altitude, condições de solo, clima e estações do ano bem definidas. Pois quando é verão, chove bem, e no inverno é seco, período no qual há maturação dos frutos e colheita”.

A região contempla em torno de oito mil produtores, sendo 82% agricultores familiares, de acordo com os dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). Ainda segundo órgão, esse total perfaz uma safra anual de 1.025.000 de sacas de café numa área de 50 mil hectares, gerando em torno de 150 mil empregos (diretos e indiretos).

“O objetivo agora é agregar valor aos cafés especiais produzidos na microrregião, que já possuem tradição, notoriedade e historicamente destacam-se pela alta qualidade comprovada pelos melhores concursos de qualidade de café do Brasil”, frisa.

Oitenta pontos

Foi justamente de lá, especificamente do município de Carmo de Minas, que saiu a safra recorde de nota de todo o mundo. A proeza foi de seu Francisco Isidro Dias Pereira, da fazenda Santa Inês, que obteve a primeira colocação no maior concurso de cafés especiais o Cup of Excellence 2005.

A nota alcançada de 95,85 pontos – a maior registrada em todas as 22 provas já realizadas em todos os países que aderiram a este concurso criado no Brasil em 1999 e, a partir de 2003, adotado também por El Salvador, Nicarágua, Honduras, Bolívia e Colômbia.

Com o feito, o café conquistou o Prêmio Especial Gold Cup of Excellence e o maior valor alcançado por saca de 60 quilos – R$ 15 mil reais (a ‘safra’, em questão, era de cerca de apenas 22 sacas).

É justamente nesse sentido que os cafés especiais entraram para compor uma forma diferenciada de se produzir com agregação de valor na produção. O representante da Aprocam enfatiza que não basta apenas ter uma região adequada para a lavoura cafeeira, mas sim toda uma postura de manejo e pós-colheita esmerada.

“Ainda no pé, todo café é de qualidade, o que o tornará especial será a forma como esses frutos serão tratados a partir de então. Não é uma lavoura como de soja ou milho, por exemplo, que chega uma máquina e colhe tudo. Esse café tem todo um processo de colheita, descanso, secagem, beneficiamento, tudo feito de maneira bem correta e com muita dedicação para isso”, explica Helcio.

Feito isso, os cafés podem ser destacados como especiais – os que possuem nota de 80 pontos para cima. De acordo com o diretor presidente da Aprocam, que também é cafeicultor, essa avaliação é feita sob critérios e metodologias internacionais por profissionais capazes de qualificar a bebida pela degustação. Em média, a região chega a registrar cafés com notas de 80 a 85 pontos.

Notoriedade

Antes mesmo de pensar em enviar o pedido da IP, era necessário aprender mais sobre o processo de produção dos cafés especiais e torná-lo reconhecido nacionalmente, ou seja, construir a notoriedade. E foi no ano de 2000 que a associação, através da consultoria de Ensei Uejo Neto, iniciou os trabalhos para conquista de um diferencial para a produção de cafés especiais – obtidos artesanalmente numa região montanhosa.

No ano de 2002, o órgão começou a participar de concursos nacionais, conquistando então as primeiras colações durante cinco anos.

De acordo com a entidade, foi constituída uma comissão técnica com representantes dos associados da Aprocam e dos pesquisadores Antônio Wander Rafael Garcia e José Braz Matiellodo, respectivamente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Fundação Procafé. O objetivo era elaborar o projeto da IP para os cafés da Serra da Mantiqueira. O trabalho foi realizado em três etapas. Primeiro, com o estudo agronômico, análise sensorial dos cafés e histórico da produção na microrregião, comprovando a notoriedade da cultura, através de um desenvolvimento sustentável e que visa sempre um lucro coletivo.

Tão logo, o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) publicou a delimitação territorial, o processo foi depositado junto ao Inpi em 2007. De acordo com Pinto, a análise do processo exige paciência, pois todos os requisitos da microrregião são meticulosamente analisados, por se tratar de um selo que garante ao consumidor que o produto em questão possui atributos diferenciados e tem origem.

A região foi caracterizada por produzir cafés de qualidade anteriormente, como conto o próprio diretor presidente da Aprocam. “Ouvíamos nossos antepassados falarem da história da produção cafeeira da região. Contos que remetiam até a exportação de grãos para países europeus. Diante disso, decidimos fazer esse manejo correto na lavoura para termos certeza de que aquilo que ouvíamos não era apenas uma lenda, e, de fato, não era. Tínhamos um diamante bruto em nossas mãos, faltava apenas lapidá-lo”.

Entre os parceiros que ajudaram no processo de obtenção da IP, destacam-se o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG), o IMA, o Banco do Brasil, a Cooperativa Regional dos Cafeicultores do Vale do Rio Verde (Cocarive), a Cooperativa Regional Agropecuária de Santa Rita do Sapucaí (CooperRita), os Sindicatos dos Produtores Rurais de Carmo de Minas e de Santa Rita do Sapucaí, a Emater-MG, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG) e a Prefeitura de Carmo de Minas.

Montanha chorona

A Serra da Mantiqueira possui aproximadamente 500 quilômetros de extensão, ao longo dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Nela estão sete dos maiores picos do Brasil. Seu nome tem origem na palavra tupi-guarani “Amantiquira” que significa “Montanha que Chora”, devido à grande quantidade de nascentes, cachoeiras e riachos vistos em suas encostas.

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