Em operação desde o ano passado, o Programa Socioambiental da Produção de Algodão (Psoal) tem orientado e conscientizado os produtores quanto às legislações Trabalhista e Ambiental, fortalecendo a imagem da cadeia quanto à questão da sustentabilidade do setor.
Em tempos em que o aquecimento global é uma preocupação em todo o mundo, é crescente a demanda no mercado por produtos e serviços obtidos a partir de práticas que visam a sustentabilidade. Quando há referência a este termo, é comum de imediato associá-lo às questões ambientais, mas é válido lembrar que ser sustentável também implica em respeitar condições sociais, que passam pelas leis trabalhistas, saúde, segurança e bem-estar de todos aqueles envolvidos em um determinado processo.
E o Brasil, como um dos grandes players na produção de alimentos, tem demonstrado no campo que sua agropecuária também está compromissada com o desenvolvimento sustentável, trazendo em diferentes cadeias projetos e ações nesse sentido. Na cotonicultura, por exemplo, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) tem realizado duas iniciativas, o Programa Socioambiental de Produção de Algodão (Psoal) e o Better Cotton Initiative (BSI). O primeiro deles visa fornecer orientação a todos os produtores em relação à legislação Trabalhista e Ambiental vigente no País. Já o segundo, é um programa internacional pela produção de um algodão melhor, social e ambientalmente responsável e está em fase piloto no Brasil.
O Psoal, realizado pela entidade juntos as associações regionais de produtores, foi lançado em 2009 e entrou em operação a partir de 2010, tendo foco em itens como coleta seletiva e manejo de resíduos no ambiente; erradicação de trabalho forçado; transporte do trabalhador rural; gestão de segurança, saúde e meio ambiente do trabalhador rural; comissão interna de prevenção de acidentes; defensivos agrícolas e equipamentos de proteção individual. Apesar de o projeto ser recente, os participantes afirmam que já é possível sentir impactos positivos na satisfação de seus funcionários e uma melhoria, até mesmo, na própria imagem da produção no que diz respeito à responsabilidade socioambiental. Isso é o que diz Ivã Rodrigues de Santana, coordenador de Recursos Humanos do Grupo Schlatter, que já certificou cinco propriedades – três em Mato Grosso do Sul, sendo duas em Costa Rica e uma em Chapadão do Sul, e duas em Goiás, nos municípios de Chapadão do Céu e Mineiros.
“Estamos envolvidos com o Psoal desde o início. Primeiro houve um levantamento do que seria feito, planejado, para depois começarmos na prática. Como se trata de uma ação que além das normas trabalhistas passa ainda pela questão de instalações e oficinas, nesses casos também houve melhorias, pois tivemos a parte de alojamentos reformados e os dormitórios separados conforme a lei. Os investimentos têm trazido um bom retorno na qualidade de vida dos funcionários. Eles estão mais contentes e isso influencia muito no resultado do trabalho”, conta.
Para Santana, as empresas que participam do programa, em especial, as que já estão certificadas, servem de exemplo e despertam o interesse das outras que ainda não fazem parte da iniciativa. “O ponto alto de tudo isso é a garantia de estarmos tranquilos quanto às legislações. Sem contar o fato adicional de estarmos certificados por uma empresa internacional de renome. Acredito que os outros produtores também desejam isso”, acrescenta. Vale ressaltar que o Grupo Schlatter, que se dedica a essa cultura desde 1995, tem hoje uma área de algodão plantada de 7.846,40 hectares. De seus 427 funcionários registrados, 170 deles estão nas lavouras dessa commodity.
Outra empresa que também já alcançou a certificação e que acredita que ela pode fazer diferença na hora de comercializar a produção é a Fazenda Campo Bom, da Reichert Agropecuária. Segundo Paulo Cezar Martins, responsável pelo departamento de Recursos Humanos, o projeto foi apresentado a propriedade em setembro do ano passado e desde o primeiro momento houve interesse em participar.
“Conquistamos a certificação em abril. Desde o primeiro check list que fizemos de maneira experimental, já atingimos o índice que era exigido e depois, em um segundo momento, alcançamos o percentual até com um pouco de folga. Agora temos uma responsabilidade a mais, a obrigação de manter o patamar, não deixá-lo cair. Para nós, tudo isso representa que o nosso trabalho tem uma aprovação da comunidade produtora e isso vai permitir uma melhor visibilidade no nosso produto”, explica. A Campo Bom está nos municípios de Chapadão do Sul e Chapadão do Céu e ambas foram certificadas, com diferença mínima de aprovação.
Novo momento
Até o início do mês de junho, a Abrapa contabilizava a adesão de cerca de 130 propriedades ao projeto. Dentro desse total, 40 delas já haviam alcançado, até então, a certificação referente à safra 2010/2011. O documento é válido por um ano. “Até o momento, pelo Psoal, temos fazendas certificadas na Bahia, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Há um certificado equivalente em Mato Grosso, o IAS – Instituto do Algodão Social, que já existe há quase cinco anos com bastante sucesso e estamos trabalhando para integrá-los”, conta a agrônoma Andrea Rosemback Simões Aragon, coordenadora de sustentabilidade da entidade.
Muitas fazendas estão em processo de adequação e o tempo necessário para a realização dos ajustes e investimentos necessários varia de acordo com a situação e os processos de cada uma delas. “As normas são rígidas para o produtor e ele tem um período para se adequar e é preciso respeitar isso. Não dá para pré-estabelecer um prazo, pois, por exemplo, temos um dos requisitos é estar dentro da NR 31, norma que regula a segurança e a saúde do trabalhador no campo e que determina a distância entre casas e as estruturas na fazenda. Imagina uma propriedade que foi construída há vinte, trinta ou mais tempo, ela não pode jogar tudo a baixo. Quando vai construir um novo galpão, novas instalações, daí sim ela vai poder respeitar regras novas. Então isso vai de acordo com a possibilidade de cada um”, analisa Aragon.
A especialista considera que o programa surgiu em um momento oportuno, no qual o que faltava ao setor era realmente mostrar sua eficiência e a evolução. Por isso, segundo ela, é notável o entusiasmo por parte dos produtores. “Inclusive quando eles conseguem se certificar, ficam radiantes. Verificamos que o grande diferencial é a valorização do trabalhador no campo. Além disso, notamos as mudanças de gestão, há um controle maior de cada etapa do processo e também a satisfação pessoal do produtor em fazer melhor. É muito gratificante, percebemos brilho nos olhos deles quando descobrem uma nova maneira de aprimorar o trabalho cotidiano. É uma nova visão”, resume.
Em relação a custos, quem paga pelo processo de auditoria é o produtor. Por isso, Andrea Aragon diz que o objetivo maior não é que as propriedades se certifiquem, mas sim que entrem no programa e se adequem às leis. “A certificação dá um respaldo, evidencia o trabalho, mas é o final da linha. Se ele quiser e puder agregá-la é um passo a mais até mesmo para atender a exigência de mercado. Mas, o importante é o produtor faça as coisas direito. De qualquer maneira, o resultado final é sempre muito bom”.
Há um suporte técnico para a orientação das entidades estaduais aos associados envolvidos no projeto. Em Goiás, por exemplo, esse trabalho é feito por Abner Barreto, que é consultor de segurança e saúde ocupacional e presta esse serviço para a Associação Goiana dos Produtores de Algodão (Agopa) há dois anos. Ele ressalta que quando o programa surgiu, a primeira coisa que ouviu dos produtores é que era impossível se adequar às exigências. “Havia uma resistência muito grande em aceitar que a legislação existe e que era preciso se adequar. Mas como eles queriam estar no programa – e essa participação é gratuita – resolvemos propor, inicialmente a quatro propriedades, um desafio: o de que colocaríamos a equipe a disposição e que, sem gastar nenhum real a mais do que já gastavam, iria ser possível conseguir, no mínimo, alcançar 75% da legislação. Todos eles conseguiram alcançar a meta e a partir daí novos produtores também despertaram interesse. O desafio ainda serviu de exemplo para outras culturas como milho, soja e cana”, recorda.
Abner Barreto enfatiza que a realidade da produção de algodão no Estado tem mudado e que hoje se tem conseguido mostrar que a sustentabilidade dá lucro. “A fazenda é um lugar propício para criar lixo. Conseguimos conscientizar que tudo que se era jogado fora poderia ser reaproveitado e de maneira simples e funcional, inclusive a água, o óleo de máquinas e o material orgânico”, pontua.
Segundo ele, a verba que as propriedades têm obtido com a venda de produtos reciclados tem sido revertida para o trabalhador, através da compra de televisores para os quartos, mesas de bilhar, festas de final de ano e presentes para as crianças. “Há casos de algumas empresas com média de 50 funcionários, onde conseguimos um retorno de R$ 6 mil com a venda do que antes era jogado no lixo. Esse dinheiro quando investido no coletivo dá para fazer bastante coisa”, comemora. Abner explica que a questão era apenas organização e falta de conhecimento. “No começo éramos nós que tentávamos convencer os produtores a participar. Hoje, são eles quem nos procuram por iniciativa própria. Notamos uma mudança de hábito do trabalhador e a partir dessa evolução, tem propriedades investindo cada vez mais neles. Umas colocando academias de ginástica e laboral, salas de leitura e informática e outros benefícios que partem dos próprios produtores. É um aprimoramento contínuo”, reforça.
Como participar?
Para entrar no Psoal, o primeiro passo é responder a um questionário de autoavaliação, que é encaminhado aos produtores que aderirem à iniciativa junto à associação estadual. Esse diagnóstico inicial permite uma ‘fotografia’ da propriedade, indicando em quais pontos ele está em dia com os requisitos avaliados e em quais serão preciso realizar ajustes ou investimentos. Esses requisitos são referentes ao cumprimento da legislação trabalhista, com a não utilização do trabalho infantil, forçado, indigno ou degradante; à adequação às normas de saúde e segurança do empregado e em relação ao meio ambiente de trabalho.