Agricultura

Água: produtor de solo e água

Entre tantas discussões sobre qual a maneira mais ambientalmente saudável ao agronegócio brasileiro, uma parece já dar resultados desde 2001. O foco é o pagamento por serviços ambientais dentro da atividade rural, assim, ganham tanto meio ambiente como produtor.

Imagine três grupos distintos. O grupo 1 é autossuficiente, se regula ao sabor do clima e do solo, e possui uma capacidade única de acumular riquezas ao longo de muitos anos; O grupo 2 é uma distinta organização que vive próxima ao grupo 1 e, de lá, também é capaz de extrair o próprio sustento e gerar alimentos ou bens de consumo;

Já o grupo 3, responsável pelo chamariz da tecnologia, do comércio e da indústria de transformação, vive num ambiente no qual foram priorizadas as grandes construções e habitações e, por isso, reduziu os integrantes do grupo 1 a pequenas áreas, denominadas parques ou reservas florestais.

A cadeia produtiva que se estabelece faz com que o grupo 3 seja dependente do grupo 2 e este, por sua vez, do grupo 1, de onde sai água que abastece ambos os grupos e onde está o solo que sustenta a produção agrícola nacional.

O fato é que, com a alta taxa de crescimento da população, fica cada vez mais evidente a exploração dos recursos naturais. A questão ambiental se tornou um apelo em todo o mundo, no entanto, a pressão em se produzir mais alimentos também cresceu. Como então conviver com essas duas realidades?

O incentivo de práticas ambientalmente sustentáveis e positivas para a atividade rural foi a bandeira primordial da Agência
Nacional de Águas (ANA) logo quando ela surgiu, através da criação do Programa Produtor de Água, instituído desde 2001.

“Nossa intensão era mostrar ao produtor rural”, diz Devanir Garcia dos Santos, gerente de Uso Sustentável de Água e Solo da ANA, “que ele seria capaz de produzir sem agredir o meio ambiente e poderia ganhar com isso”.

A ideia do Programa Produtor de Água nasceu com o estabelecimento de políticas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) que garantiriam maior adesão de participantes. Atualmente há 12 projetos cadastrados, os quais reúnem cerca de 2.400 produtores rurais em todo o País – a grande maioria, pequenos agricultores e pecuaristas.

O foco está em iniciativas que promovam a proteção hídrica no Brasil, através de propostas que visam minimizar a erosão e o assoreamento de mananciais no meio rural, o que leva à consequente melhoria da qualidade e da oferta de água nas bacias hidrográficas de importância estratégica para o País. Entre as práticas agroambientais podem ser destacadas construções de terraços e de bacias para melhor infiltrar a água, reestabelecimento de estradas vicinais em locais mais adequados, recuperação e proteção de nascentes, reflorestamento das áreas de preservação permanente e reserva legal, saneamento ambiental, entre outras práticas.

A partir de um cálculo sobre o valor de oportunidade de uso da terra são estabelecidos os pagamentos aos produtores rurais, que serão sempre proporcionais ao serviço ambiental prestado e, para isso, depende também a prévia inspeção na propriedade, de acordo com Santos.

Entre as fontes de recursos estão prefeituras, adoção de tarifas de uso de água e companhias de saneamento. “Por exemplo, numa unidade de tratamento sanitário, quanto custaria para ela remover toda a terra trazida pela água dentro de seus canais? A ajuda do produtor rural, no desenvolvimento de um manejo correto no solo e com práticas mais responsáveis às margens de córregos e rios, evitaria a erosão e, com isso, menos sedimentos seriam carregados às estações de tratamento. Isso representaria menos gastos para a empresa de saneamento, que desempenharia uma recuperação da água com menor custo possível”, destaca.

O ativista rural

Rubens Carboni de Paula é um dos integrantes do programa. A história desse personagem começa em 1984, muitos anos antes da implantação da iniciativa da ANA. Naquela época ele adquiriu uma porção de terras no município de Extrema (MG), bem próximo à divisa dos Estados de São Paulo e Minas.

Desde o princípio, o trabalho de Rubens foi de recuperar a área de sua propriedade com a proteção ao rio Jaguari. Isso envolveu o plantio de árvores nas margens dele e, também, nos topos de morro de suas terras. “Tive até de vencer preconceitos, nessa questão de falta de informação do povo”, relata o produtor. “Eles diziam, ‘ah, você está fazendo um péssimo negócio, olha quanto dinheiro esse terreno poderia dar para você… A parte melhor sua propriedade você tem deixado crescer mata!’. Então, tive de por de lado essas opiniões e continuar a fazer o meu trabalho”.

Rubens é mineiro, da cidade de São Lourenço, mas ganhou a vida em São Paulo, capital. Hoje, aos 63 anos e aposentado, divide o tempo entre a vida urbana e a rural. Foi como um ‘bom mineiro’, que, da década de 1980 pra cá, foi desenvolvendo o trabalho de preservação bem ‘quietinho’ na região de Extrema.

Com o surgimento do projeto da ANA, uma esperança batia à porta do produtor rural. De acordo com Rubens, primeiramente a atenção foi dada aos produtores localizados em Ribeirão das Posses, no mesmo município, devido à alta degradação que se encontrava por lá. Anos mais tarde, ele também seria contemplado com a ajuda do PSA. Os recursos ajudariam Rubens a amenizar os prejuízos registrados com atividade pecuária de corte – única atividade possível a ser desenvolvida, em função de o terreno ser muito acidentado, além de promover o melhor manejo ambiental da área dele.

Extrema sagrou-se o primeiro município a entrar no programa e ainda ganhou o destaque de ser o que mais conseguiu resultados, segundo Santos. Pela região passa o Rio Jaguari, o qual possui todas as nascentes no Estado de Minas – trata-se do principal manancial do Sistema Cantareira, que abastece aproximadamente 8,8 milhões de pessoas na Grande São Paulo. Dos 33 metros cúbicos por segundo de água (m³/s), o Rio Jaguari contribui com 22 m³/s, que representa cerca de 66,70% da água produzida.

“Onde tenho implantada a mata agora, anteriormente era uma área toda desmatada”, descreve Rubens. “Você contava nos dedos das mãos, como se diz, a quantidade de árvores que havia no local. No entanto tinha algumas pessoas aqui de São Paulo que estavam interessadas em comprar o terreno, outros queriam alugar o local para por animais, mas não concordei e, aí, comecei a fazer o meu trabalho”, declara.

Rubens, que já tinha um apreço muito grande pela vida tranquila no campo e pela natureza, viu no Produtor de Água uma mão companheira e que “falava a mesma língua dele”. A respeito da ajuda financeira dada através da iniciativa, ele concorda que realmente esse valor jamais se equipararia ao montante que a venda das terras dariam. “O grande retorno é ambiental, pois se não tiver água, morrem eu, você e todo o resto do mundo. Então, a minha opinião é esta e estou satisfeito nesse aspecto”, ressalta.

Os resultados Brasil afora

Até o fim de 2010, foram recuperados 668,8km de estradas, a construção de terraços em 8.451,85 hectares e 7.518 bacias de captação de águas de chuvas (barraginhas). Também foram implantados projetos de conservação de água e solo em microbacias hidrográficas em parceria com as prefeituras de Pains, Luz, Martinho Campos e Pedra do Indaiá, em Minas Gerais. A ação contou com apoio financeiro do Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Na área de gerenciamento integrado das bacias hidrográficas, a ANA também ajudou a desenvolver ações nas bacias do São Francisco, por meio do apoio financeiro do Fundo para o Meio Ambiente Mundial – Global Environmental Facility (GEF). Os projetos abrangeram aspectos técnicos e institucionais relevantes do ponto de vista do gerenciamento compartilhado dos recursos hídricos, que contaram com apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA), do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e da participação dos principais atores das próprias bacias, de instituições governamentais e não governamentais.

No Pantanal e Alto Paraguai, o projeto, concluído em 2004, implementou práticas de gerenciamento integrado da bacia hidrográfica para o Pantanal e bacia do Alto Paraguai, com melhoria e restauração do funcionamento ambiental da bacia; proteção das espécies endêmicas e a implementação de atividades estratégicas identificadas pelo Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (PCBAP). O principal produto foi a publicação do Plano de Ação Estratégica da Bacia do Alto Paraguai (PAE).

No São Francisco, o Projeto de Gerenciamento Integrado das Atividades Desenvolvidas em Terra na Bacia do Rio São Francisco, concluído em 2005, teve como principais produtos: o Diagnóstico Analítico da Bacia (DAB); o Programa de Ações Estratégicas para o Gerenciamento Integrado da Bacia e sua Zona Costeira (PAE); e o Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (PBHSF).

Projetos de conservação de água e solo

Ampliando a linha de PSA, a ANA escolhe até a primeira quinzena de julho deste ano, 12 projetos que englobem boas práticas ambientais para melhorar a qualidade e a quantidade da água, como plantio de matas ciliares com mudas nativas e educação ambiental. Serão seis ações de conservação de água e solo em qualquer bacia hidrográfica enquadradas no PSA e outras seis iniciativas de conservação de água e solo em importantes bacias hidrográficas que possuam um quadro de degradação de água e solo – são elas: Doce; Paraíba do Sul; Paranaíba; Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ); Piranhas-Açu; e São Francisco.

Cada projeto poderá receber até R$ 500 mil, sendo metade neste ano e a outra metade em 2012. Caso haja possibilidade orçamentária, a ANA chamará projetos que ficarão num cadastro de reserva. A divulgação dos selecionados ocorrerá em 12 de agosto. As propostas deverão conter técnicas de recuperação de água e solo, como a construção de barraginhas (para captação e infiltração da água da chuva), terraços em nível e barragens subterrâneas. Além disso, os projetos deverão prever o cercamento de áreas de interesse para conservação ambiental, plantio de mudas de espécies nativas, readequação de estradas rurais, ações de educação ambiental, iniciativas de monitoramento hidrometeorológico e outras que possibilitem a melhoria da oferta qualitativa e quantitativa da água, desde que atendam às exigências do órgão.

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