No município de Poloni, interior de São Paulo, um grupo de apaixonados e entusiastas pelo estilo de vida sertanejo tem buscado a valorização e o resgate da essência da cultura e das coisas mais simples do campo.
O crescimento do meio urbano e das capitais no Brasil faz com que muitos abandonem o meio rural para tentar uma nova oportunidade de vida na cidade ‘grande’, mas é certo que quem nasceu ou cresceu no campo jamais perde a saudade e o desejo de estar perto de suas origens. Este é o caso, por exemplo, de Daniel Pereira, empresário da área de marketing esportivo há 20 anos, que aos 17 anos de idade saiu de Poloni (a 50 quilômetros de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo) para estudar e trabalhar em outras cidades do Estado e Brasília, no Distrito Federal. Além de sua profissão principal, a qual se dedica há 12 anos na capital paulista, ele passou a exercer também uma atividade rural, como produtor de borracha em duas propriedades, uma delas lá em Poloni e outra em União Paulista, que juntas somam 53 alqueires, dos quais 13 deles já estão formados.
Pereira é um típico ‘guardião’ da cultura caipira e foi da vontade de voltar a estar próximo as suas origens que ele, junto a um grupo de mais trinta pessoas que já participavam efetivamente na organização de eventos de Poloni, constituiu a OSCIP Sentimento Sertanejo, formada institucionalmente há seis anos no município. A sigla se refere à Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, entidade similar a uma Organização Não-Governamental (ONG).
Mas afinal, o que é o Sentimento Sertanejo? De acordo com Pereira, presidente da entidade, a definição não é necessariamente o sentimento daqueles que efetivamente possuem esse estilo de vida, mas sim a paixão, a valorização e o respeito de todos os que gostam ou buscam um pouco dessa essência, da cultura e das raízes do Brasil. “Do sertanejo vem à formação do povo brasileiro. Assim, o foco fundamental da OSCIP é resgatar essas origens. A ideia surgiu, pois notamos que se está havendo uma banalização do que conhecemos como cultura de raiz. Como temos afinidade especial com esse meio e com as pessoas mais simples do interior, sentimos a necessidade de disseminar e realizar ações que sejam válidas para que haja um resgate cultural verdadeiro”, conta.
Para que se cumpra esse objetivo, a organização conta atualmente com três eventos e rigorosamente voltados ao resgate dessa cultura de origem – o Poloni Rodeio Festival, uma Violada e uma Via Sacra Rural. Recentemente, eles conquistaram também a patente da marca Sentimento Sertanejo, o que trouxe um novo momento para o amadurecimento e consolidação do projeto. O que era uma manifestação local, agora toma proporções audaciosas para promover um resgate da cultura nacional com ações baseadas no nome Sentimento Sertanejo. Em breve, uma linha de produtos, como cds, violinhas e chaveiros, poderá ser comercializada, gerando uma fonte de renda destinada aos custos e manutenção do projeto. Um compromisso, em médio prazo, é o desenvolvimento de iniciativas educacionais.
Poloni Rodeio Festival
Com um público diário entre cinco e sete mil visitantes, o Poloni Rodeio Festival existe na cidade desde a década de 1980 e nos últimos cinco ganhou esse nome e a coordenação da OSCIP. Ele acontece sempre entre a última semana do mês de outubro e a primeira semana de novembro reunindo em quatro dias de realização os peões e animais que mais se destacaram durante o ano nos famosos circuitos de rodeio do País.
O diferencial do evento em relação aos demais é exatamente o fato dele ocorrer de forma independente, preservando não somente a qualidade técnica do espetáculo, como também, e principalmente, as particularidades essenciais e tradicionais da festividade. “O que vemos claramente é que grande parte dos rodeios no Brasil foram tomados pela indústria do entretenimento, o que os descaracterizaram e desqualificaram totalmente. Em Poloni, trabalhamos exatamente para que o rodeio mantenha suas características iniciais de uma autêntica festa de peão. Temos shows, certamente, mas que ocorrem de forma secundária, pois não são o foco do evento”, ressalta Pereira.
No segmento, ele é referência e já é considerado o rodeio mais técnico do País e para alcançar esse objetivo, uma equipe de profissionais renomados no setor, sob a responsabilidade final de Neto Oger (criador de boi de rodeio e pentacampeão em Barretos), faz um mapeamento das competições Brasil afora, selecionando os melhores para as provas de montarias em touro e em cavalo e provas de três tambores. “Já passaram pelas pistas do evento animais famosos como os touros Agressivo e Pesadelo, além de juízes conceituados, com credibilidade para decisões, como Tião Procópio – que introduziu o modelo norte-americano de rodeio no Brasil – e Adriano Brosco, entre outros, que garantem um rodeio sério, bem julgado”, acrescenta o presidente da OSCIP.
Ainda segundo Daniel Pereira, o projeto vem crescendo, ganhando visibilidade e respeito a cada edição realizada. “Em Poloni, costuma-se ouvir o trinco da porteira, o que é um símbolo para o peão e para o público de que a festa vai começar. É apresentado um histórico técnico e profissional dos animais e profissionais e com isso quem está na arquibancada, na maioria das vezes, já torce por alguns de preferência, pois sabe quantos pontos eles costumam marcar em média, por exemplo. É essa cultura de acompanhamento e domínio técnico que visamos desenvolver”, explica.
E essa receita tem funcionado tanto que no final do mês de março, Daniel Pereira recebeu, pelo Poloni Rodeio Festival, o Prêmio Troféu Arena de Ouro, o “Oscar do Rodeio Brasileiro”, como o melhor evento da categoria do Brasil com público até 40 mil pessoas. A premiação concedida pela Confederação Nacional de Rodeio (CNAR) é a mais importante e respeitada do segmento. Em 2011, o Festival será de 28 a 31 de outubro, no Recinto de Exposições do Clube Espora de Ouro.
Violada e Catira
Cerca de 500 pessoas, incluindo aí os violeiros, de todo o País participam anualmente da Violada realizada pela OSCIP. Como não tem caráter comercial, o evento é restrito e começou informalmente na propriedade de Pereira, em baixo de uma mangueira que virou o palco das apresentações. O ambiente é familiar e um detalhe curioso é que nesse encontro os cozinheiros são os homens. Sim, são eles quem vão para o fogão, ou melhor, para a cozinha, preparar a comida, com destaque à carne de porco e ao tradicional frango cozido. As mulheres são responsáveis pela decoração e venda de artigos típicos.
O local é totalmente ambientado e, tradicionalmente, a cada ano um grupo de catira faz apresentações. Já participaram artistas de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Também há shows de viola com duplas como Goiano & Paranaense, Turquin Violeiro & Fabiano, Maurício & Renato, do Grupo Violado da Cidade de Santa Bárbara d’Oeste e a presença de um grupo de pesquisadores que tem a viola como objeto de estudo. “Nosso objetivo é buscar os expoentes em cada região do Brasil, a exemplo do que ocorre no Rodeio. A viola caipira é o instrumento mais original do País, que, paralelamente à catira, dança folclórica marcada pelas batidas das mãos, dos pés e do coração dos dançarinos, precisa ser resgatada e preservada”.
Via Sacra Rural
A Via Sacra Rural corre entre a semana do natal e do ano novo, de acordo com as datas desses feriados. É a comemoração que marca o encerramento do ano e que tem como objetivo passar por algumas vilas que mantêm as características rurais, fazendo um giro por um trajeto por “vendas”. Os cerca de 100 a 150 participantes param nesses estabelecimentos comerciais e em cada um deles permanecem por cerca de uma hora e meia, degustando bebidas, porções e petiscos.
“Isso permite a aproximação com a comunidade rural que vive nesses locais. A última parada é sempre em um sítio tradicional, o do Antônio Lacotique, conhecido popularmente na região como seu Toncha, que aos 67 anos de idade nunca tomou uma injeção durante toda sua vida. Ele tem a essência e vivência de um verdadeiro sertanejo, é uma pessoa simples, que vive onde nasceu e que é um exemplo de honestidade e dignidade”, finaliza Pereira resumindo que o grande diferencial dessa Via Sacra é exatamente a oportunidade que ela oferece de se valorizar cada localidade visitada e acompanhar a simplicidade de tudo o que nelas é feito. “É uma experiência ímpar, de valor único”, reforça.