O melhoramento genético avança, mas mesmo com a descoberta e aprimoramento de novas técnicas de avaliação e seleção dos animais, chegar ao produto que o mercado deseja ainda é uma tarefa árdua para o pecuarista.
Qual o tipo de animal que o mercado busca e o que é preciso fazer para chegar a esse produto com eficiência e rentabilidade? Essas são duas das principais questões que, frequentemente, norteiam debates entre produtores, técnicos, representantes de frigoríficos e demais profissionais que compõem os elos da cadeia produtiva da carne. Constantemente, sumários são lançados apresentando animais com índices positivos ou negativos para características genéticas. Mas qual touro ou sêmen empregar e como saber quais são as particularidades mais interessantes, do ponto de vista econômico, para cada projeto de seleção ou produção? A resposta depende do que se quer atingir.
Recentemente, os selecionadores Flávio Aranha e Michel Caro foram os anfitriões de um dia de campo sobre as Perspectivas Para Melhoramento Genético promovido recentemente na Fazenda Bonsucesso. O encontro, que reuniu cerca de 200 pessoas e contou com uma mesa redonda composta, além deles, por mais 15 profissionais para o debate do tema.
Para Flávio Aranha, da Fazenda Bela Alvorada (também localizada em Guararapes), apenas é possível conquistar altos ganhos genéticos nas principais características produtivas desenvolvendo trabalhos com rigor e nas mensurações e descarte sistemático. Nesse sentido, Michel Caro, titular da Fazenda Bonsucesso, afirma que um ponto importante é que as ferramentas utilizadas em um programa de melhoramento ou projeto de seleção possam ser moldadas de forma a serem customizadas à necessidade de cada fazenda, conseguindo otimizar seu trabalho.
“Através Diferenças Esperadas na Progênie (DEP) e da ponderação dessas DEPs, por exemplo, temos uma maneira de orientar a seleção para a característica desejada. Na Fazenda Bonsucesso, nosso foco tem priorizado habilidade materna e peso, estamos ponderando nosso Mérito Genético do Criador (MGC), focando a precocidade sexual. As ferramentas do melhoramento, hoje, são bem interessantes, os programas de melhoramento genético estão bem organizados e planejados. Vemos que existem muitas tecnologias disponíveis e novas chegando para ajudar o pecuarista a fazer sua seleção”, conta.
Sobre o emprego de marcadores moleculares e ultrassonografia para fins seletivos, Caro aponta uma certa preocupação, por conta dos custos para ambas ferramentas. “Deveremos usá-las não somente para fazer nossa seleção de maneira eficiente, mas ao mesmo tempo, do ponto de vista comercial, já que, a falta dessas informações, poderá dificultar a venda de touros. E, se, ao nosso nível, o pacote tecnológico já nos gera uma certa inquietude, imagino a preocupação do criador de grande escala e do modesto, porque essas ferramentas são custosas e pesadas operacionalmente falando dentro da fazenda e em manejo são complexas”, ressalta ele sugerindo a necessidade de se ter um melhoramento genético formulado para escuderias e pacotes tecnológicos mais básicos para rebanhos que trabalham com grande volume de cabeças para que eles possam trabalhar. “Os programas que existem deverão se adequar a novos pacotes, oferecendo soluções básicas e soluções mais sofisticadas para produzir essa genética”, diz.
Discutindo Genética
Os participantes da mesa redonda promovida no evento foram Roberta Gestal (Melhora +), Fabiano Araujo (AVAL), José Fernando Garcia (Unesp Araçatuba), Marcelo Almeida (Paint CRV Lagoa), Leonardo Souza (Qualitas), Daniel Biluca (Conexão Delta G), Argeu Silveira (Genética Aditiva), Luciano Borges (Rancho da Matinha), Eduardo Cardoso (Nelore Lemgruber), Pablo Paiva (Pfizer), Thiago Carrara (Alta Genetics), André dos Reis (CAME), Fernando Saltão (JBS), Elio Micheloni (Icap Corretora), Daniel de Paula (Canal do Boi).
Na ocasião do debate, que durou cerca de três horas, Eduardo Cardoso pontuou que a própria definição para seleção pode-se complicar muito, já que se trata de uma escolha judiciosa, criteriosa, e disse ser fundamental em qualquer trabalho de seleção genética a correta formação dos grupos de manejo. “A qualidade e a confiabilidade dos números começa com a formação desses grupos. É preciso um critério rígido para classificá-los e separá-los muito bem porque o computador gera DEPs e sumários com os dados que colocarmos nele”. Para o selecionador, na raça Nelore, por exemplo, é muito evidente a melhorada conseguida com o processo seletivo, desde que se tenha um direcionamento correto. “No Brasil, a variabilidade morfológica, fenotípica dentro de um mesmo rebanho é muito grande. O criador às vezes olha no curral e quer ter a cabeça de um determinado animal, o posterior de outro, a costela de um terceiro, a ossatura de um quarto e por ai vai e isso em um rebanho fechado. São essas possibilidades que nos dão bastante ânimo para esse trabalho, para o qual vejo um futuro muito promissor”, conclui.
Para o médico veterinário e responsável técnico do Programa Genética Aditiva, Argeu Silveira, o grande desafio hoje dos programas de melhoramento é pegar os custos de produção de um boi gordo e a partir dai buscar quais as características que contribuem para chegar com mais eficiência a esse produto. “A partir desse custo, é que se deve projetar o sistema de produção, fazer um índice econômico das características que temos maior resposta no bolso. E como agregar valor na venda do touro se DEP, nada mais é do que informação? Quando o produtor sente transparência do que está comprando o que é realmente o melhor e que o índice é transparente, ele passa a confiar no seu fornecedor e, consequentemente, a querer pagá-lo melhor. A DEP não é conceitual, é um campeonato no qual se buscam os mais produtivos para determinada característica e toda vez que o produtor passa a ter transparência, confiar e conhecer seu trabalho, ele passa a valorizar os animais de mais informação. O que falta mesmo é mostrar isso com mais transparência. Quem acredita nas suas informações, usa melhor as ferramentas de seleção”, argumenta.
Um mesmo discurso
E se fazer opção por determinada característica já é uma coisa complicada, imagina a dor de cabeça que o produtor tem para optar por um ou outro programa de avaliação, seja seu rebanho voltado para corte ou para leite. Um dos pontos colocados em debate é que a existência de tantos programas pode sim confundir a cabeça do comprador de touro, de genética. Para o médico veterinário Leonardo Souza, do Programa Qualitas, essa é uma questão que sempre aparece e o fato de existirem vários programas procede da falta de não ter um compromisso sério político, lá atrás, com a pecuária. “E a dispersão que existe entre a própria classe pecuarista faz com que existam ilhas que, de certo ponto ou de outro, tendem a selecionar para uma ou outra característica. Não há um consenso, na verdade”. Para ele, a primeira pergunta parte da indústria: qual o boi que ela quer que seja produzido? E em cima disso, todos os programas deveriam produzir esse tipo de animal. “Quem paga a conta é a indústria, ela tem que se posicionar: o boi que eu quero é esse e nós vamos atrás de produzi-lo da maneira mais eficiente possível”.
Daniel Biluca, gerente executivo da Conexão Delta G, completa essa afirmação salientando que, além da falta de políticas nessa área, o Brasil possui dimensões muito grandes e, principalmente, o mercado permite que haja várias avaliações. “O mercado está evoluindo, falando mais nesse assunto e caminhamos, senão para uma unificação, para um mesmo discurso, um mesmo rumo no melhoramento genético, para fazermos as mesmas coisas”.
O selecionador Luciano Borges fala que observa curiosamente que dentro de cada um dos programas existem criadores cujos números são respeitados e que, em outros, isso não ocorre. “A mim, me parece que não há nenhum interesse em que se juntem esses programas, há uma questão de vaidade”. Ele recomenda a quem deseja introduzir melhoramento genético no seu rebanho que realize visitas ao produtor do touro, do sêmen. “Veja o programa que esse produtor participa, converse com seu consultor, veja credibilidade, resultados que esses touros, esses materiais genéticos têm produzido no mercado. É como ir comprar um automóvel, quando o valor de revenda é ruim, tendemos a evitar a compra. O caso é semelhante! É muito importante, por isso visite, veja o processo de seleção”.
Por fim, Ageu Silveira destaca que o bom de tudo isso é que é muito fácil usar a tecnologia disponível no mercado hoje e se o pecuarista está comprando bem seus touros, ele pode fica tranquilo. “Comprando o touro certo, todo esse trabalho de melhoramento genético está indo para a sua propriedade. Há muitos programas, muitas empresas confiáveis, vá conhecer o seu fornecedor de touro, veja se o que ele está selecionando vai de encontro ao que você quer e compre touro ou sêmen desse reprodutor que naturalmente via genética todo esse trabalho vai para o seu rebanho. Este é o segredo, é a forma de o melhoramento genético ir até você!”, finaliza.