Agricultura

Cana: renovação no campo

Na edição de agosto da Revista Rural, publicamos uma reportagem na qual mostrava como a “invasão” da cana-de-açúcar em solos goianos trazia uma certa preocupação para alguns e euforia para outros. A instalação de usinas como São Francisco e Boa Vista, no município de Quirinópolis (localizado a 293 quilômetros da capital goiana), por exemplo, trouxe para a região novos investimentos e mudou o perfil econômico da população, que até então vivia da pecuária e dos grãos.

E não foi só lá. A chegada do setor sucroalcooleiro promoveu uma transformação no panorama financeiro de muitas regiões e trouxe consequências positivas, como o aumento demográfico, movimentação da economia local e geração de emprego.

Só no ano de 2000 foram gerados quase 20 mil vagas no setor sucroenergético, em Goiás, enquanto que em 2008 foram mais de 92 mil (um salto em oito anos de 360% no número de empregos). “Apesar desses e outros benefícios, vemos também que as expansões sem projetos e discussões mais apuradas podem trazer problemas aos municípios, principalmente no quesito mão de obra qualificada, que constituem um problema sério no Estado de Goiás, assim esses trabalhadores tem que ser ‘importados’ de outras regiões e as cidades não têm estruturas de saúde e educação para comportar essas famílias”, opina engenheiro agrônomo, Alexandro Alves dos Santos, assessor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), para a área de cana-de-açúcar e bioenergia.

No entanto, essa geração de empregos citada pelo assessor da Faeg, nem sempre será suprida de forma suficiente. Hoje, segundo aponta o setor, um dos principais problemas enfrentado pelas usinas para implantar a mecanização é a falta de mão de obra qualificada. Atualmente, é difícil encontrar, desde operadores de colhedoras até de profissionais de nível superior com um mínimo de conhecimento de mecanização de colheita, por exemplo. E a dificuldade está se agravando. Desde que a legislação ambiental proibiu a instalação ou implantação de usinas, cuja colheita não sejam mecanizadas, começou uma corrida no setor. As usinas que se anteciparam estão tranquilas, mas boa parte delas ainda não se adaptou e até 2014, todas serão obrigadas a eliminar as queimadas e substituir a colheita manual pela mecanizada.

Para o consultor José Darciso Rui, fundador e diretor executivo do Grupo de Estudos em Recursos Humanos na Agroindústria (Gerhai), a falta de mão de obra especializada não está ligada diretamente somente ao setor sucroenergético, mas em todos os segmentos, de uma maneira geral. “Porém, neste caso, está associado à grande expansão do setor ocorrida nos últimos anos, principalmente nos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás. Hoje, mesmo no campo, as novas máquinas estão exigindo um tipo de trabalhador qualificado. Sendo assim, um dos grandes problemas das empresas é que elas precisarão investir maciçamente na qualificação desses trabalhadores”, explica.

No entanto, lembra Rui, o setor está se preparando para essa grande transformação que vem ocorrendo no campo. “Na prática, haverá uma requalificação de um grande contingente de pessoas que trabalham com o corte manual da cana, de modo que esses trabalhadores possam ser reaproveitados, não apenas como operadores de colhedoras, mas em diversas áreas da indústria ou até mesmo no setor agrícola. Porém, é bom alertar que, nem toda a mão de obra que hoje está na lavoura será absorvida. O que acontecerá será uma migração, por exemplo, o responsável pela colheitadeira deixou de ser o tratorista, dando lugar ao cortador de cana”, pontua. “Em geral, os trabalhadores que migravam de diversas regiões do País, principalmente do Norte e Nordeste, estão sendo substituídos por pessoal capacitado na operação das máquinas”, finaliza Rui.

Uma colheitadeira, com toda a tecnologia agregada, requer cerca de 16 pessoas, envolvendo uma operação que exige um mecânico, um operador, entre outras funções, no campo. Mas, dependendo do tipo de cana e da topografia, uma máquina substitui até 80 homens. A mecanização, contudo, contribui para a redução dos danos ambientais causados pelas queimadas, como também para uma migração da mão de obra. “Porém, isso leva um tempo. O treinamento dos trabalhadores precisa de no mínimo uma safra, até que ele possa se profissionalizar”, justifica.

A requalificação

Como a qualificação e requalificação realizadas pelas usinas, abrangem um número muito pequeno de pessoas e são insuficientes para atender a demanda, empresas se mobilizaram para solucionar a questão. Várias desenvolvem projetos de educação, de alfabetização e de melhoria do grau de escolaridade. “Além disso, algumas mantêm parcerias com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) no sentido de oferecer cursos, não só para os operadores de colhedoras ou mecânicos, mas também para aqueles trabalhadores que podem ser aproveitados em outros setores”, atesta Rui.

Além destas entidades, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) em parceria com a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), com o patrocínio das empresas Syngenta, John Deere e Case IH e o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) realizaram uma importante iniciativa para o setor. Juntas elas implantaram o Projeto Renovação, com o objetivo de requalificar trabalhadores do corte manual da cana-de-açúcar em novas atividades. “Até 2017, a colheita realizada com a queima da palha já estará erradicada, conforme prevê o Protocolo Agroambiental, acordo afirmado em 2007, entre os setores privado e público. Desde então, começou a movimentação para encontrar soluções”, pontua a consultora em responsabilidade social corporativa da Unica, Maria Luiza Barbosa.

Ela lembra que a iniciativa é qualificar sete mil cortadores de cana por ano. Em uma turma, cortadores de cana fazem curso de mecânico de colheitadeiras de tratores, soldador e eletricistas. “É claro que nem todos os empregados que estão sendo capacitados voltarão para a lavoura. Porém, colocamos à disposição outros dos cursos de requalificação para outros setores como apicultura e reflorestamento, horticultura, artesanato e computação, por exemplo”, explica a consultora.

Seis macro-regiões no Estado de São Paulo, centradas em: Araçatuba, Bauru, Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto já entraram no circuito do Projeto Renovação. “Além de ajudar as indústrias do setor sucroenergético a suprirem suas necessidades de recursos humanos para várias atividades, temos também a intenção de oferecer oportunidades para muitas famílias e comunidades, ou seja, atender a exigência daquele local com a visão bem mais humanista”, complementa Maria Luiza Barbosa, consultora em responsabilidade social corporativa da Unica.

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