Agricultura

Soja louca: desvendando a soja louca

Pesquisas buscam elucidar as causas da Soja Louca II, distúrbio que gera o abortamento de flores e vagens, que teve seus primeiros diagnósticos há quatro safras. Desde então, o problema tem apresentado casos isolados e alternância entre safras, chegando a apresentar na safra 2009/2010 perdas de 40 a 60% na produção por lavoura atingida.

Um novo problema surge ameaçando a saúde das lavouras de soja no Brasil, a Soja Louca II. A anomalia de nome curioso e causa desconhecida tem despertado a atenção da classe científica, que está se organizando para iniciar na próxima safra estudos para desvendar esse problema recente que tem causado danos severos na produção.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por exemplo, está promovendo uma parceria com a Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), universidades, fundações de apoio à pesquisa, consultores técnicos e produtores para conduzir experimentos nas regiões de maior ocorrência do distúrbio.

De acordo com Maurício Conrado Meyer, fitopatologista pesquisador da Embrapa Soja, instituições como Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp/Botucatu), Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), e as Fundações MT, Rio Verde e Chapadão estão envolvidas nesse projeto. O principal objetivo é uniformizar as informações existentes e promover a troca de dados e experiências de quem vem enfrentando o problema. “Essas iniciativas têm colaborado muito no planejamento da próxima safra, por parte dos consultores e assistentes técnicos, e também tem orientado as próximas ações de pesquisa”, enfatiza Meyer, ressaltando que ainda não se sabe se há ocorrência de problemas semelhantes a esse em outros países e que não existe tratamento a ser feito caso seja constatada a Soja Louca II, pois ainda não se conhece nenhuma medida de controle.

A anomalia foi pautada em dois encontros já no segundo semestre de 2010. De acordo com Glauber Silveira da Silva, presidente da Aprosoja e da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), esses eventos são importantes porque tem reunido especialistas de todo o país para discutir e formatar pesquisas com o objetivo de conhecer as causas dessa anomalia e fazer ações de combate à propagação nas lavouras. “A partir da demanda de produtores que relataram a presença da anomalia e prejuízos na produção e da constatação in loco da sua equipe técnica, no início de julho a Aprosoja, em conjunto com a Embrapa, realizou uma rodada de discussão e reuniu pesquisadores da Embrapa, da Universidade Federal da Grande Dourados (MS), o PhD em Fitopatologista, um dos mais renomados do país, José Tadashi, entre outros importantes especialistas. No encontro foi formado um Grupo de Trabalho que voltou a se encontrar na XXXI Reunião de Pesquisa de Soja da Região Centro-Oeste, realizada em Brasília em 10 de agosto”, conta Silva.

Segundo o dirigente, nesses dois encontros ficou decidido que será feito o acompanhamento técnico nas lavouras das regiões onde foi detectada a anomalia. O trabalho será iniciado na safra 2010/2011 a partir do surgimento dos primeiros focos nos Estados de Mato Grosso, Tocantins, Pará, Maranhão e Mato Grosso do Sul. Serão realizados experimentos (pesquisas) com manejo de palhada e restos culturais para acompanhar o comportamento do desenvolvimento das plantas. Amostras colhidas serão encaminhadas para análise em laboratórios de universidades. Em Mato Grosso serão acompanhadas propriedades nos municípios de Cláudia, Sorriso, Primavera do Leste e São Félix do Araguaia.

Glauber Silveira explica que as informações sobre o trabalho a ser desenvolvido serão divulgadas em reuniões e encontros técnicos promovidos no interior e por meio de divulgação de panfletos e canais de comunicação da entidade, como rádio, site, newsletter, entre outros. Além disso, serão enviados questionários para identificação de sintomas nas áreas de incidência da anomalia, registro do histórico de ocorrência do problema. Esses questionários serão encaminhados a produtores e pesquisadores. O objetivo é reunir o máximo de informações para auxiliar o encaminhamento das ações.

Perdas na produtividade

A Soja Louca II realmente é um assunto que envolve mistério. Isso porque não se sabe ao certo qual o real tamanho do prejuízo que ela já causou e, talvez sua incidência nas lavouras possa ser um problema mais antigo do que se tem registro. O dirigente da Aprosoja conta que na safra 2009/2010, por exemplo, não foi possível mensurar o prejuízo total porque ocorreram casos isolados de registros do problema. Porém, pode-se dizer que em alguns casos foi possível constatar, principalmente na Região Norte, perdas localizadas, mas que mostram que, onde foi registrada, a ocorrência foi severa, com indicações de perdas na produção de 100 hectares a 200 hectares por propriedade atingida.

“Em outros casos, houve relatos de perdas na produção de 40% a 60% por lavoura. A Soja Louca II começou a ser registrada há quatro safras, com um caso ou outro isolado e alternância entre as safras. Ou seja, nos últimos quatro anos houve período em que a anomalia apareceu e período em que não houve relato. A anomalia atingiu tanto variedades convencionais quanto transgênicas”, fala o presidente da Associação, indicando que, na prática, o monitoramento da lavoura deve ser feito pelos produtores durante todo o ciclo para acompanhar a evolução de qualquer tipo de anomalia, doença, pragas, ervas daninhas. “Entretanto, a Soja Louca II é notada no período de pré-floração, por impedir a floração da planta, ocasionando o abortamento das flores e vagens. São notadas disfunções como coloração verde escura, folha mais alongada e sem pelos. O resultado é que a planta fica estéril e não se desenvolve”, completa.

Em artigo, Maurício Meyer e o entomologista e também pesquisador da Embrapa Soja, Edson Hirose, também destacam que a partir da safra de 2006 vem sendo observada a ocorrência de plantas de soja com sintomas de haste verde e retenção foliar em regiões produtoras de soja, denominadas popularmente como “Soja Louca II”. De acordo com eles, não se sabe precisar, ao certo, em que ano o problema se iniciou, mas há relatos de que foram observados na safra de 1997 em Balsas, no Maranhão. Os pesquisadores apontam que a denominação de “Soja Louca II” foi sugerida por Gilioli et al. (2007) para diferenciar da “Haste Verde” e “Retenção Foliar”, comuns ao ataque de percevejos sugadores ou a algum problema nutricional da soja, que não estão associados ao problema em questão.

Os pesquisadores apontam que inúmeras causas têm sido ligadas a este distúrbio, mas que nada foi cientificamente confirmado até o momento. A associação de ácaros pretos (oribatídeos) a planta de soja com sintomas da anomalia parece existir, mas não se sabe se eles causam o dano ou se são consequencia de um desequílibro de outra origem. Estes ácaros são mais comumente encontrados na palhada de cobertura do solo. Maiores concentrações de ácaros pretos foram encontradas na entressafra em plantas de capim pé-de-galinha (Eleusine indica), timbete (Cenchrus echinatus), capim amargoso (Digitaria inslaris) e Andropogon sp.

Sintomas – Segundo pesquisadores Embrapa, os sintomas observados de Soja Louca II são o afilamento das folhas do topo das plantas e o engrossamento das nervuras. As folhas apresentam uma tonalidade mais escura em relação às sadias. As hastes exibem deformações e engrossamento dos nós. As vagens também apresentam deformações, redução do número de grãos e apodrecimento de grãos.

Plantas com problemas registram alto índice de abortamento de flores e vagens. Esse fato é mais intenso na parte superior das plantas, diminuindo em relação à base, o que impede o processo natural de maturação, fazendo com que a planta permaneça verde no campo, fenômeno conhecido como Soja Louca.

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