Pecuária

Sanidade: hora de xeque-mate nos inimigos do rebanho

Na seca, a presença de parasitas diminui no meio ambiente. No entanto, os internos continuam a se desenvolver no hospedeiro. Especialistas recomendam: esse é um período favorável para o combate estratégico e eficiente desse problema. A atenção com os bezerros deve ser redobrada.

O mês de julho marca exatamente a metade do período seco que tradicionalmente entende-se de maio a setembro. A falta de chuvas causa impactos diretos na nutrição, saúde e bem-estar do rebanho. No caso do primeiro item, com a oferta reduzida de pastagens e qualidade menor de proteínas, minerais e vitaminas, muitos especialistas recomendam a suplementação dos animais para driblar os problemas ocasionados pela estacionalidade da produção de forragens. José Leonardo Ribeiro, gerente de produtos de Ruminantes do Grupo Guabi, lembra que a adoção desta prática elimina o chamado “boi sanfona”, fato que compromete a eficiência econômica e produtiva de qualquer propriedade. Além da desnutrição que pode acarretar animais doentes, é também nesse intervalo do ano que o rebanho está mais vulnerável a intoxicação, pois dependendo do manejo nutricional da propriedade, o gado que não tem uma forrageira adequada pode vir a se alimentar de ervas e plantas tóxicas – que estão na pastagem e que normalmente, ele não ingeriria pelo fato da grande maioria delas possuir baixa palatabilidade.

Além da atenção com o manejo nutricional, o período mais seco do ano pede ainda que o pecuarista esteja atento com a sanidade animal. Por conta da baixa umidade ambiental, há uma queda no número nos casos de doenças infectocontagiosas e também da presença de parasitas no meio ambiente, o que favorece o tratamento e prevenção dessas moléstias. O combate à verminose é uma das prioridades. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), unidade Rondônia, os principais sintomas causados pela presença de vermes no organismo são animais tristes e abatidos que apresentam pelos secos e eriçados, abdômen aumentado, falta de apetite, emagrecimento progressivo durante muito tempo, desenvolvimento retardado, com diarreia, fezes escuras e às vezes com sangue. Eles ainda procuram objetos como terra, madeira e outros como alimento e podem mostrar anemia acentuada, desidratação, chegando até a morte.

O médico veterinário Raul Santana, da Embrapa Pecuária Sudeste (São Carlos/SP), explica que, no caso de parasitas internos, principalmente os gastrintestinais, embora não possuam condições favoráveis no meio ambiente para completar seu ciclo, eles encontram dentro do hospedeiro um ótimo ambiente para manter-se vivo. Serão indicadas vermifugações estratégicas para reduzir a população de indivíduos e, consequentemente, a infestação e contaminação da pastagem nos períodos úmidos. “Para tanto, vale ressaltar que sejam utilizados produtos que apresentem eficiência comprovada naquele rebanho. De preferência o uso de um único princípio e que sejam obedecidas as recomendações dos fabricantes para reduzir a resistências dos parasitas aos medicamentos”, destaca.

O primeiro passo, antes de iniciar esse tratamento, é exatamente a análise da eficácia do produto, que pode ser identificada por meio do exame de contagem de ovos por grama de fezes (OPG). Uma análise antes da mostra e outra depois da mesma passar por um processo de tratamento com o produto mostrará qual será a carga de vermes antes e depois da aplicação, permitindo saber se há ou não resistência parasitária na propriedade.

Vermifugações e outros cuidados

Os bezerros com idade de zero a dois anos são mais susceptíveis aos parasitas, por isso, a Embrapa Rondônia aconselha o controle a partir dos 2 a 3 meses até o desmame, com vermifugação a cada 60 ou 90 dias. Após o desmame, o controle estratégico prevê que a 1ª vermifugação deve ser realizada na segunda quinzena de maio, época de vacinação contra a Febre Aftosa; 2ª vermifugação na primeira quinzena de julho; 3ª na segunda quinzena de agosto ou setembro e a 4ª na primeira quinzena de dezembro. Após algum tempo a quarta vermifugação pode deixar de ser realizada, porque os animais terão a verminose controlada.

Nos bovinos de corte, em razão do manejo diferente, em áreas maiores, os bezerros serão vermifugados a partir do controle estratégico, com as três primeiras aplicações. Para o controle biológico, é recomendada a utilização do besouro Digittonthophagus gazella, o popularmente conhecido “Rola-bosta”.

Também em relação à seca, o pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, Raul Santana, cita problemas com quadros respiratórios principalmente em bezerros, decorrentes de lesões primárias nas superfícies mucosas do aparelho respiratório, seja devido ao excesso de frio ou à baixa umidade, e infecções oculares que surgem normalmente em surtos causados por bactérias veiculadas pela poeira. Segundo ele, vale lembrar que em gado de corte, o manejo dos animais torna-se bastante difícil por conta da quantidade de partos em um mesmo período e a possibilidade de acidentes e o estresse desencadeado por passagens constantes dos animais no curral. Associado à presença do umbigo, que ainda não está totalmente cicatrizado e a colocação de brincos de identificação, a existência de bicheiras pode aumentar e, consequentemente, o manejo e a ocupação da mão de obra. “A seca é o momento que deve ser priorizado para os animais nascerem pelo fato de terem a incidência menos de doenças em termos gerais. O uso de ectoparasiticidas em bezerros nos primeiros dias de vida não pode ser abolido no gado de corte”, ressalta.

Por outro lado, de acordo com ele, no gado de leite, a história é completamente diferente. “O fato dos animais estarem em constante observação já reduz as possibilidades do aparecimento de bicheiras. Na Embrapa Pecuária Sudeste preconizamos que não haja interferência na relação de aprendizagem do convívio entre a bezerra de leite e os parasitas transmitidos pelo carrapato (babesia e anaplasma). Portanto, no gado de leite, queremos que a bezerra entre em contato com o carrapato desde seu primeiro dia de vida para aprender a se defender desses parasitas, fazendo com que os sintomas da tristeza parasitária, que aparecem principalmente na desmama, sejam minimizados”, diz.

Ele alerta que a seca também é um excelente período para destinar cuidados aos problemas de cascos, realizar casqueamentos profiláticos tanto de bovinos como ovinos e adotar medidas preventivas para o período das chuvas, como vacinações para leptospirose para rebanhos que possuem casos de abortamentos diagnosticados por essa bactéria.

Manejo de ectoparasitas

O Brasil, como país de clima predominantemente tropical, é um ambiente propício para o desenvolvimento de bernes, carrapatos e moscas-dos-chifres. A utilização de substância correta também é prioridade quando o assunto são esses ectoparasitas. No caso de carrapatos, por exemplo, desde 1997 a Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora/MG) disponibiliza, juntamente com uma rede nacional de instituições parceiras, o carrapatograma, principal teste para diagnosticar as fórmulas que atuam da melhor forma em determinado rebanho.

O produtor interessado envia em potes plásticos por SEDEX, amostras de fêmeas ingurgitadas do carrapato dos bovinos (mamonas, jabuticabas) ao laboratório. Após 35 a 40 dias, a propriedade recebe os resultados do teste, que é gratuito, com informações sobre o momento certo de entrar com tratamento, preparar e administrar adequadamente o banho carrapaticida. A Embrapa reforça que utilizando corretamente o produto recomendado, a propriedade contará com uma droga eficiente por até dois anos, findos os quais geralmente se desenvolve o processo de resistência. Recomenda-se que o teste seja repetido a cada ano, para que a troca por um outro produto seja orientada por um resultado recente.

O médico veterinário e gerente de produtos da Intervet/Schering-Plough Animal Health, Tiago Arantes salienta ser fundamental o controle da primeira geração de carrapatos que varia de acordo com a região, mas geralmente tem início em outubro. A meta inicial é de seis a oito banhos carrapaticidas em um intervalo de 21 dias, que corresponde ao ciclo do parasita. “Se a primeira geração não for controlada, eles se multiplicam, dão origem a novos carrapatos e a população explode. Uma curiosidade, é que cada carrapato dá origem a quase três mil ovos e a maioria deles sobrevivem. Fazemos de seis a oito banhos porque a sobrevivência da larva na pastagem é possível por um período grande. Estudos comprovam que elas podem ficar até seis meses vivas no campo. Por isso, recomendamos um período de tratamento longo para que se por ventura houver larva antes do tratamento ela seja coberta com a forma”, resume, dizendo ainda ser necessário é indicado tratar todos os animais e que, de preferência, os mesmos devem voltar para o pasto onde estavam, para que eles não se contaminem em novas áreas.

Para uma pulverização bem feita, Arantes recomenda o uso de pelo menos cinco litros de calda por animal. Ele observa que tanto no tratamento de verminose quanto no de carrapato, existe o benefício inicial no primeiro ano, mas os ganhos são muito maiores a partir do segundo, porque o parasita é tratado no ambiente, o que impede a multiplicação na fazenda. “E no ano seguinte, tendo abundância de capim, de chuva, temperatura adequada, o animal vai estar livre de concorrência, livre de parasitas para se desenvolver. Sabemos que em todo o rebanho há animais com maior predisposição. Em linhas gerais, de 10 a 20% das vacas vão albergar até 50% dos parasitas de toda a fazenda. Esses ‘sangues doces’ merecem uma atenção especial. Assim, se no rebanho inteiro se fazem de seis a oito banhos mais ou menos terminando entre fevereiro e março, no decorrer do ano (a partir de abril), só são tratados esses animais que concentram mais parasitas”.

O tratamento de carrapato é apontado pelo médico veterinário como uma das soluções também para a mosca-do-chifre. Porém, para combater esse mal, o mais viável é o uso de brincos inseticidas, tratamento muito prático que acaba com as moscas que por ventura já existam. “O ideal é colocar o brinco no começo da chuva e retirá-lo no final das chuvas, mais ou menos em maio. No período crítico da mosca teremos animais protegidos por um tempo com um brinco mosquicida, um produto eficaz que você consegue tratar 100% do rebanho com um tratamento individual, que controla muito a população ambiental porque toda a mosca que emergir e for sugar o gado vai encontrá-lo com o brinco inseticida”, recordando da questão das bicheiras, problema cujos tratamentos devem ser priorizados, principalmente, em dois momentos: no nascimento dos animais e na castração.

Por fim, o veterinário Tiago Arantes sempre recomenda aos pecuaristas programas integrados a fim de facilitar o manejo e aponta que a prevenção no rebanho é muito mais eficaz e barata em relação a um tratamento curativo. Um trabalho bem feito, por exemplo, com produtos eficazes aplicados em intervalos corretos, em geral, representam de 3 a 5% dos custos de produção de uma propriedade. “É um investimento muito pequeno em relação a todos os benefícios que podemos oferecer aos clientes, desde prevenção de mortalidade, aumento de produtividade, ganho de peso, segurança para o frigorífico que está comprando essa carne. O Brasil tem um potencial inquestionável na produção de carne. O que impede o País em estar nos melhores mercados e ganhando melhor: segurança, sanidade e qualidade da carne. Daí, a importância de termos rebanhos manejados da maneira adequada com procedimentos que possam ser certificados pelo mercado comprador da carne brasileira”, explica.

Combate com substâncias naturais

A Embrapa Pecuária Sudeste e outras unidades da instituição têm pesquisado medicamentos naturais para combate a parasitas de bovinos e ovinos, que eliminam ou reduzem o uso de produtos químicos no controle de parasitas em animais. As vantagens apontadas são a diminuição de resíduos no meio ambiente e nos produtos alimentícios de origem animal, como carnes, leite e derivados. A técnica também pode significar redução de custos para o pecuarista, além de maior vida útil do medicamento, pois a resistência do parasita é menor no caso de vermífugos naturais.

O produto natural pode ser utilizado com o princípio ativo das plantas, isoladamente, ou associados a formulações químicas. Em alguns casos, a planta pode ser utilizada diretamente como vermífugo natural. Também há em andamento estudos com marcadores moleculares para a resistência à parasitas externos em rebanhos Nelores e cruzados.

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