Nem só os olhos do dono engordam a boiada. Atualmente, é possível encontrar no mercado rebanhos geneticamente prontos para produzir dentro do que o produtor deseja. Em outras palavras, a tecnologia disponível hoje na pecuária oferece características genéticas de real valor econômico capaz de aumentar a produtividade, a performance dos animais e fazer com que o pecuarista produza um gado de grandes interesses econômicos.
Dentre as tecnologias tão utilizadas, nos dias hoje, os denominados marcadores moleculares – que nada mais é do que a análise do chamado DNA do animal para identificar quais genes transmite características responsáveis por determinadas peculiaridades, tais como a produção de carne, – são o que se destacam. Com base nesses resultados, o pecuarista poderá saber logo após o nascimento de uma fêmea, se ela apresenta potencial genético para produzir mais bezerros ao longo da sua vida reprodutiva, ou dentro da pecuária de leite, se é possível saber se um animal será bom de leite.
Os marcadores são hoje ferramentas que permitem ainda que características da carne, até hoje consideradas “invisíveis”, como a maciez e o marmoreio, sejam mapeados, o que dá aos criadores a possibilidade de efetuar a seleção com base no potencial da sua produção. Entretanto, essa tecnologia tão mencionada não é recente, chegou ao mercado há algum tempo (pelo menos sete anos surgiu na pecuária brasileira), mas está cada vez mais se proliferando nos pastos e nos laboratórios, graças ao empenho de empresas do segmento, que deram a largada para a distribuição dessa tecnologia aos seus clientes.
No ano passado, quando 300 cientistas de 25 países, entre eles o Brasil, concluíram o sequenciamento do genoma bovino (pesquisa que durou sete anos para ser finalizada – e se tornou a mais completa realizada até hoje), novos caminhos de pesquisas se abriram e dezenas de empresas aceleraram na corrida para desvendarem outras características do genoma bovino e as oferecê-las rapidamente ao mercado.
Com banco de dados
A Central Bela Vista, localizada em Pardinho (interior de São Paulo), além dos serviços na área de inseminação artificial, tornou-se em 2003 – por meio de uma parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) – uma das pioneiras no desvendamento do genoma do Nelore.
O trabalho inicial tinha por objetivo identificar genes que pudessem ser utilizados para melhorar a qualidade da carne. Em 2007, a Central reforçou as pesquisas e criou o Laboratório de Qualidade e Certificação da Carne Bovina, o primeiro na área de análises e certificação, em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu (SP).
Atualmente, a Central mantém paralelamente o projeto chamado de “Programa Genoma Funcional do Boi” e já conta com um banco de dados de 22 mil genes mapeados e 300 marcadores moleculares. O projeto está focado na elaboração de um protocolo para validar um maior número possível de marcadores. “A ideia é que a validação seja a mais ampla possível. Evoluímos muito ao longo desses anos. Importamos novas metodologias para análises e estamos na fase de validação desses marcadores. Para concluir essas pesquisas, o processo é lento, demanda tempo e os custos não são pequenos, é necessário que haja mão de obra e laboratório especializados”, justifica Luis Artur Loyola Chardulo, professor da Unesp de Botucatu e coordenador geral do laboratório.
De acordo com ele, empresas que atuam no segmento de genética, como a Central Bela Vista, deram a “largada” para que processo de validação dos marcadores moleculares ocorra em menor tempo possível, o que dará ao produtor a obtenção de ganhos reais na pecuária, segundo Chardulo. “Cada vez mais, animais com alta genética para ganho de peso e seleção para precocidade conseguirão responder ao adequado manejo nutricional e sanitário e o produtor produzirá um boi precoce, disponibilizando-o ao mercado rapidamente”, afirma.
De pai para filho
Outra empresa que ingressou nessa corrida foi a Merial. Em 2007, a companhia lançou comercialmente no País o projeto Igenity (teste de DNA que revela o potencial genético de bovinos). “Por meio de testes genéticos, os pesquisadores já conseguem também realizar teste de paternidade para fins de registro genealógico junto às associações de raças, para animais oriundos dos processos de Transferência de Embrião e Fertilização In Vitro, a informação abre a possibilidade de identificar, por exemplo, a performance de reprodutores que atuam em rebanhos múltiplos comerciais”, explica Guilherme Gallerani, médico veterinário e gerente Igenity da Merial.
Essa é uma nova realidade para a pecuária brasileira. Mas, quem pensa que os antigos programas de melhoramento genético serão esquecidos, se enganam. Gallerani é um dos que afirmam que a junção dos programas de melhoramento com a nova ferramenta poderão fortalecer ainda mais a seleção genética. “As provas de ganho de peso e as Diferenças Esperadas nas Progênies (DEPs) vão se tornar uma ferramenta indispensável. Creio que, ocorrerão mudanças nos procedimentos adotados atualmente. Será possível usar um menor número de animais para testes”, diz. “Futuramente, teremos as DEPs assistidas por marcadores moleculares, que é uma realidade hoje, nos Estados Unidos, com o sumário da raça Angus”, reforça Gallerani.
Economia e ganhos
O conhecimento desse mapa sequenciado além de todas as características favoráveis também é uma ferramenta poderosa para aumentar a produtividade e baratear o custo de programas de seleção genética. No melhoramento genético clássico, as informações de cada animal são geradas a partir da observação fenotípica e do resultado da produção de seus filhos. Os dados levam algum tempo para a conclusão e existem gastos para o sustento de todos os animais e de suas crias. “Antes dos marcadores se usava as DEPs genéticas ou seleção genética, para a observação do ganho de peso do animal, entre outras características. Hoje, logo que o bezerro nasce é feito o mapeamento do animal e sabemos se ele é tem as características desejadas. Dessa forma, se encurta o espaço do tempo e o custo operacional da fazenda. Há pouco tempo atrás, o animal tinha de nascer, crescer, confinar, abater, para só então medir a qualidade de sua carne, por exemplo”, conta Alexandre Zadra, gerente de produtos de genômica da Intervet/Schering-Plough, empresa que também oferece ao pecuarista o serviço de marcadores moleculares.
Recentemente, a Intervet/Schering-Plough, em parceria com os cientistas da Universidade de Alberta, no Canadá, obteve mais um sucesso quanto à sequência de um importante touro Nelore. A descoberta favorecerá na avaliação de traços de difícil mensuração, como: maciez e sabor da carne, conversão alimentar, resistência a doenças e, principalmente a docilidade, onde se justificou que um animal considerado dócil (tolerantes ao estresse) em relação aos bravios, traz ganhos impressionantes para o resultado da pecuária em função de maior ganho de peso, fácil manejo e precocidade no acabamento de carcaça.
O trabalho durou sete meses e teve um custo de US$ 65 mil. Entretanto, vem mais investimento por aí. De acordo com o gerente técnico, em breve a companhia iniciará o projeto de sequenciamento do genoma na raça Gir Leiteira. “Há pouco tempo, tivemos reunião com associação, pesquisadores e criadores. Começamos um trabalho para descobrir os marcadores moleculares dentro das características que o grupo de estudo determinou, nas quais estão sendo observadas fenótipos de conformação de úbere, características produtivas quantitativas e qualitativas, tais como produção de leite, a capacidade de dar leite sem bezerro, gordura, proteína, entre outros. Ao todo são 17 características que estão sendo analisadas na raça”, garante ele.
Direto na Genética
Resultado de 15 anos de pesquisas envolvendo a Universidade de Wageningen (Holanda), a Universidade de Liége (Bélgica) e a central de genética bovina CRV Lagoa (São Paulo) chegou recentemente ao mercado como o programa InSire (tecnologia que representa o que há de mais atual em melhoramento genético dos bovinos leiteiros a partir de marcadores moleculares). “Desde 1994, trabalhamos a questão dos marcadores. Recentemente, passamos a atuar junto com empresas da Holanda e da França, que compõem hoje um banco de dados com informações de 16 mil touros. Com isso, identificamos quais são as combinações genéticas para características econômicas, com combinações genéticas diferentes”, pontua William Tabchoury, gerente de produto Leite da CRV Lagoa.
Com essa vasta quantidade, é possível a abertura de novas linhagens maternas e paternas (reduzir a endogamia, ou seja, os acasalamentos entre indivíduos aparentados), segundo ponto é aumentar o valor genético médio dos indivíduos superior, com isso cria o preço mais competitivo para o produtor.
Segundo Tabchoury, além de elevar ainda mais a acurácia das informações genéticas, InSire é composto por um pacote de seis reprodutores jovens. São utilizadas 10 doses de cada um, o que permite atingir acima de 90% de confiabilidade na prova genética do pacote para as características avaliadas, que envolvem produção, conformação e funcionalidade. A CRV já identificou 60 mil marcadores genéticos, que são usados para agregar o volume e a qualidade de informações genéticas de reprodutores jovens ou de fêmeas selecionadas para serem mães de reprodutores. Além da raça holandesa, a central já possui validação de marcadores moleculares também para a raça Jersey, com o foco na produção leiteira.
Outras que despontam
De certa forma, essa tecnologia já está disponível por meio de companhias do setor farmacêutico, como a Ouro Fino e a Pfizer. Essa última fez o anúncio da sua entrada na área de genética bovina durante um curso promovido, em março, pelo executivo americano da companhia Mark Allan.
Neste foco, a pecuária brasileira caminha para um patamar tecnológico semelhante ao dos nossos concorrentes no mercado de carne, melhorar a eficiência da pecuária, reduzir a necessidade de se ocupar novas áreas de produzir carne e leite e a geração de conhecimentos sobre diversidade genética, um primeiro passo para preservação do meio ambiente e porque não a de muitas raças.