Pecuária

Dedo de prosa: José Olavo Borges Mendes

A sustentabilidade tem norteado debates em todo o mundo e o Brasil é um dos grandes atores desse cenário. Mas até que ponto é possível conciliar a produção de alimentos com a preservação da natureza? O presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), José Olavo Borges Mendes – que concedeu uma entrevista à repórter Cíntia Rocha – dá a sua a opinião sobre o assunto e o papel principal desta entidade sobre esse e outros temas relacionados à pecuária brasileira.

Revista Rural – No mês de maio, a ExpoZebu demonstrou alguns projetos com o foco na sustentabilidade. Na sua opinião, por que este é um dos temas hoje mais abordados em todas as cadeias produtivas e qual a relevância do agronegócio nesse cenário?

José Olavo Borges Mendes – A ExpoZebu é toda realizada dentro de um projeto sustentável, que inclui reciclagem de resíduos, uso racional da água e plantio de árvores. É preciso deixar claro que a sustentabilidade não deve ficar restrita às cadeias produtivas. O produtor não pode ser considerado o grande e único causador das agressões ao meio ambiente. O crescimento desordenado de muitas cidades brasileiras é uma ameaça à preservação dos rios. O lixo, por exemplo, é outro grande problema das cidades e que causa grande impacto ao meio ambiente, porém as pessoas preferem ficar com o discurso de que o produtor rural é o vilão dessa história. É preciso valorizar o campo. O agronegócio é um setor de grande impacto positivo na economia nacional. Sabemos que não basta contribuir economicamente. A produção precisa ser de forma sustentável para que no futuro continuemos tendo condições de produzir alimento para o mundo. A cadeia produtiva do agronegócio tem consciência disso e vários segmentos, como é o caso da pecuária, já desenvolvem projetos sustentáveis.

Rural – De que forma a ABCZ analisa a questão da pecuária sustentável? O que o País necessita realmente fazer dentro e fora da porteira para se alinhar a esse tema?

Mendes – A ABCZ vem buscando há alguns anos unir a ciência à produção de carne, leite e genética, pois somente com dados científicos poderemos superar as suposições baseadas em dados inconsistentes sobre o impacto da pecuária no meio ambiente. Durante as últimas edições da ExpoZebu, realizamos o Simpósio de Pecuária Sustentável para apresentar estudos relevantes sobre o tema. Um dado importante divulgado este ano é que o Brasil foi o país que mais reduziu a emissão de metano entre 1988 e 2007. A recuperação de pastagens degradadas poderá contribuir também significativamente, pois, além de evitar que novas áreas sejam abertas para produção de alimentos, ajuda no sequestro do carbono. Além de debater o tema, a associação vem vivenciando a sustentabilidade na prática.

Rural – E por falar nisso, a produção pecuária no Brasil tem sido apontada como uma das maiores causadoras da emissão de gases de efeito estufa (GEEs). Tecnicamente, quais os mitos e verdades que essa acusação esconde?

Mendes – Entre os dez maiores exportadores de carne do mundo, o Brasil foi o que mais baixou emissões de metano entérico por quilo de carne produzida nos últimos 20 anos. Isso foi comprovado durante o estudo coordenado pelos professores Paulo Mazza e Paula Meyer que calculou a taxa média anual de crescimento das estimativas de produção de metano, entre 1961 e 2007. O País apresentou a maior taxa de crescimento de produção de carne e mesmo assim conseguiu ter o valor negativo mais baixo para a taxa de crescimento das emissões de metano por unidade de produto, medida pela divisão entre o quilo de metano e o quilo de carne. Esses dados comprovam que não somos os vilões da história. E à medida que os criadores brasileiros forem investindo mais em genética para aumentar a produtividade por animal, poderemos reduzir ainda mais as emissões de metano.

Rural – E qual tem sido a contribuição da entidade no fomento desse conceito? De que forma tem trabalhado junto à cadeia produtiva?

Mendes – Além dessas ações desenvolvidas durante a ExpoZebu, também participamos de grupos de discussão, como, por exemplo, o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável – que reúne ambientalistas, a cadeia produtiva, bancos, setor varejista. Outra ação importante tem sido democratizar a genética zebuína de qualidade, fazendo com que pequenos e médios produtores tenham acesso a animais geneticamente superiores. Com isso, as pequenas propriedades poderão produzir mais, em menor tempo e utilizando a mesma área. Pesquisas sobre o tema são divulgadas regularmente nos meios de comunicação da ABCZ, site, revista, programa de TV, blog e twitter, para que o produtor possa se informar melhor sobre o tema.

Rural – Neste ano, os pecuaristas pediram a revisão do Código Florestal. O que vocês esperam dessa proposta?

Mendes – A revisão do Código Florestal precisa ser feita com base em dados científicos e de forma racional. A proposta ainda tramita na Câmara dos Deputados. O relatório do deputado Aldo Rebelo contempla pontos, como: os pequenos produtores (com propriedades de até quatro módulos rurais) fiquem isentos da reserva legal em suas fazendas; a responsabilidade de delegar a respeito das áreas de reserva legal que ficará a cargo dos Estados; os médios e grandes proprietários poderão fazer compensações em áreas de preservação coletiva, a serem definidas pelo Estado. Esperamos que as alterações no Código não limitem a produção de alimentos, o que traria enormes prejuízos ao Brasil.

Rural – No assunto política, a ABCZ também falou em algumas entrevistas sobre reivindicações importantes do setor em prol do desenvolvimento da pecuária brasileira para o futuro presidente. Que reivindicações foram feitas?

Mendes – Não podemos aceitar que o agronegócio, setor de grande relevância para a economia nacional, ainda sofra com invasões de terra, com um código florestal que limita o crescimento da produção de alimentos, com a falta de investimentos em logística e tantos outros problemas. Na parte de meio ambiente, nos preocupa o fato do produtor rural ser obrigado a arcar praticamente sozinho com os custos de uma produção ecologicamente correta. É preciso ainda encontrar uma solução para o problema da falta de crédito rural e do endividamento do setor, que vem se arrastando desde a década de 1980. Diante da necessidade de desenvolver uma pecuária sustentável, o financiamento precisa contemplar outras áreas como, por exemplo, a abertura de linhas de crédito para recuperação de pastagem. A segurança no campo também deve ser garantida, coibindo as invasões de terra, pois esse tipo de ação desrespeita o direito de propriedade e traz prejuízos ao sistema produtivo. Outro ponto considerado fundamental para o crescimento do setor é a sanidade. É preciso dar continuidade ao programa de erradicação da febre aftosa do governo atual e ampliar os recursos destinados ao combate à doença. Há necessidade de maior empenho do governo federal nas revisões dos protocolos sanitários com países que são considerados mercados importantes para genética bovina, animais vivos, carne e leite.

Rural – Na Feicorte 2010 vocês debatem assuntos relevantes para a pecuária como “Aftosa – Futuro do Programa de Erradicação”, promovido pelo Conselho Nacional de Pecuária de Corte (CNPC). O que vocês pretendem com essa ação?

Mendes – A carne brasileira deixa de ser exportada para mercados que pagam mais, como, por exemplo, o Japão, devido ao fato de ainda não termos erradicado a febre aftosa. Muitas vezes os países usam uma questão sanitária para impor barreiras, que na verdade são econômicas. Daí a necessidade de erradicar a doença. Só assim teremos acesso a todos os mercados. Temos um custo de produção bem menor que nossos principais concorrentes. Comparado aos Estados Unidos, o custo brasileiro chega a ser 66% menor. Por outro lado, o preço pago pela arroba no Brasil deixa o produtor com uma margem de lucro muito pequena. Só com investimentos para aumentar a produtividade poderemos oferecer ao mercado um produto de maior qualidade e atender as exigências de mercados que pagam mais pela carne.

Rural – Uma das mais recentes parcerias da ABCZ com o Governo de Minas Gerais foi a criação do Polo de Excelência Genética Bovina. Como está a evolução deste projeto e quais são as perspectivas para o futuro?

Mendes – O Pólo de Excelência em Genética Bovina atua de forma conjunta com seu Comitê Gestor, composto por 21 entidades representativas, incluindo instituições de pesquisa, universidades, empresas públicas, e a ABCZ, que vem trabalhando em parceria em projetos articulados pelo Polo. Um dos projetos é a “Análise do Genoma de Zebuínos Leiteiros com Sequenciamento de Nova Geração para Prospecção de Marcadores SNP”, a ser realizado pela Embrapa Gado Leite, em parceria também com a Universidade Federal de Minas Gerais e outras instituições de pesquisa. Um valor total de R$ 2,5 milhões em recursos já foi destinado aos projetos apoiados. Atualmente, o Pólo também vem desenvolvendo ações em prol de seu acesso aos mercados nacional e internacional, junto ao Pró-Genética da ABCZ e à Brazillian Cattle, na definição de missões internacionais para divulgação da genética do melhoramento animal mineiro e brasileiro. Vale lembrar que em 2003 a entidade criou o projeto Brazillian Cattle para divulgar as raças zebuínas no exterior e incentivar as exportações de produtos agropecuários. Com o apoio da Apex-Brasil, o consórcio participa de várias negociações para revisão de protocolos sanitários com países interessados na importação da genética zebuína brasileira. Em 2009, as empresas do projeto exportaram um total de cem milhões de dólares.

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