Uma fazenda de café no norte do Paraná mostra que é possível produzir sem destruir o meio ambiente, entre os ingredientes está alinhar a produção com padrões em sustentabilidade socioambiental. Com destaque, a propriedade virou modelo de produção e chamou a atenção para a região quando o assunto é café especial.
Até pouco tempo atrás, o que parecia improvável se tornou não apenas possível como já faz parte da realidade de um grupo ainda restrito de fazendas no País. Estamos falando da produção agrícola que leve em conta padrões de excelência em sustentabilidade socioambiental.
E essas propriedades não investiram em práticas mais responsáveis por modismo, causas sociais ou verdes. A opção foi resultado de que a própria sobrevivência do negócio estaria em risco pelo esgotamento dos recursos naturais e pelos novos desafios criados pela dinâmica do mercado, que tornaram temas como desmatamento e queimadas argumentos poderosos no impedimento de entrada de produtos brasileiros, lá fora.
Mas, a melhor forma de se proteger contra acusações indevidas e abrir novas possibilidades de negócios foi optar por adoções práticas agrícolas responsáveis e sustentáveis. E foi o que fez, pelo menos, o médico e empreendedor Paulo César Saldanha Rodrigues, que avistou os benefícios deste sistema na lavoura de café.
No ano de 2004, ele adquiriu a Fazenda Califórnia, localizada no município de Jacarezinho, distante a 380 quilômetros da capital paranaense. Lá, já existia uma cultura de café que começou desde 1903, mas nada se aproxima com a imensidão dos cafezais de hoje. Atualmente, são 220 hectares. Nesse ano, a produção média deverá atingir mil sacas e a intenção é de se aproximar de 12 mil sacas, nos próximos anos. Com o intuito de promover um melhor escalonamento da colheita e pós-colheita e assim otimizar a qualidade dos cafés produzidos, optou-se pelas variedades de Coffea arábica, tais com o Mundo Novo: 388/17 e 376/4; Catuaí Amarelo: IAC 62 e IAC 86 e Obatã. Com a adoção de um sistema empresarial de produção na lavoura, a propriedade alcançou o maior nível de sustentabilidade na produção de café cereja descascado.
A implantação e condução de todas as lavouras seguem a critérios rígidos de boas práticas agrícolas, desde a escolha das sementes, a produção das mudas, o preparo de solo, a implantação da cultura, passando pelo manejo de plantas daninhas, o manejo nutricional da cultura, o manejo de pragas e doenças até o treinamento dos funcionários em todos os procedimentos e processos. Isso tudo sob um plano socioambiental de melhoria contínua da qualidade de vida no trabalho dos funcionários e da redução dos impactos ambientas gerados pela atividade.
Desde a aquisição, a propriedade passou por reformas em todos os talhões de plantio, renovação no processo de produção, processamento, colheita, secagem e armazenagem. Infelizmente, o médico não pode ver o trabalho concluído e a imensidade de café no quintal da sua propriedade, mas o sonho se tornou realidade por meio das mãos do sobrinho Luiz Roberto Saldanha Rodrigues. “Nessas áreas os frutos já estão sendo colhidos agora”, diz Luiz Roberto. “Entretanto, para adoção desse sistema e por nunca termos tido trabalhado com café anteriormente, visitamos propriedades agrícolas modelos em seus segmentos de mercado, assim como participando de uma série de eventos técnicos de cafeicultura pelo País todo. Trouxemos o que havia de melhor conforme as características da nossa região”, frisa.
E esse foi o ingrediente principal de um sistema de gestão moderno alicerçado em conhecimento e tecnologia para a melhor utilização dos fatores de produção capital, terra e trabalho. “Sempre incluído nessa equação, o compromisso primordial com o ser humano, fator dinâmico e essencial no processo produtivo. Apostamos na qualidade de vida e de trabalho dos funcionários. Esse é o ponto fundamental para a conquista de excelência de produção”.
Esses fatores ajudaram a propriedade a ser tornar conhecida, mercado afora. Aplicado essas práticas na produção em pouco tempo, o retorno estava garantido. Em junho de 2007, a Califórnia foi auditada e tornou-se a primeira propriedade certificada UTZ, no Estado do Paraná. O sistema de rastreabilidade da UTZ Certified assegura práticas de cultivo responsáveis do ponto de vista social e ambiental, em áreas como a higiene, a boa gestão do solo e o uso de pesticidas e fertilizantes nas culturas de café, cacau e na produção de chocolate. Além disso, a certificação trata da manutenção de registros, da segurança do trabalhador e acertos trabalhistas, assim como o acesso à educação e aos serviços de saúde.
No Brasil, 140 propriedades estão certificadas UTZ. A cada negociação, o comprador paga um prêmio ao produtor pelo café certificado. “E o mais importante é que uma fazenda, após implementar a certificação, começa a obter redução de custos ao longo dos anos, devido ao uso das boas práticas agrícolas, por exemplo, o manejo integrado de pragas, onde são monitoradas e auditadas anualmente, e com isso obtendo o melhoramento contínuo e o alavancamento da produção”, explica o engenheiro agrônomo Eduardo Sampaio e representante da UTZ no Brasil.
Sistema agronômico
Entretanto, o proprietário menciona que é preciso destacar que o sistema implantado na fazenda não é orgânico e sim agronômico. Há no mercado uma produção orgânica que acaba distorcendo quanto à questão de sustentabilidade. “Nós fazemos os três alicerces de produção: o econômico, o social e ambiental. O nosso código de boa utilização de produtos, com o manejo de pragas e doenças, é utilizado respeitando o meio ambiente. Nada mais é do que adoção de um sistema boas práticas agronômicas”, enfatiza Luiz Roberto.
A partir deste sistema, eles também conquistaram prêmios como o de Qualidade 2009 e de Sustentabilidade 2009, promovendo um sistema de boas práticas agrícolas (aplicação da ciência agronômica em seu mais alto grau de conhecimento) aliado à promoção da conservação ambiental e do incremento da Qualidade de Vida no Trabalho. Neste ano, a fazenda recebeu o Prêmio Destaque de Sustentabilidade do Café do Paraná. O título contemplou a propriedade que mais se destacou na prática da sustentabilidade ambiental, social e econômica. Concorreram à premiação todas as propriedades participantes da etapa estadual do Concurso Café Qualidade Paraná 2009, promovido pelo Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).
Para o consultor do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/PR), em Jacarezinho, Odemir Capello e gestor do Programa Cafés Especiais do Norte do Paraná, o processo de certificação de propriedades de café, faz parte da estratégia do projeto para melhorar o preço do produto no mercado interno e externo. “Essa propriedade está num estágio mais avançado, não só de infraestrutura, mas de profissionalismo de seu proprietário. Provavelmente, isto fará com que outras sigam o caminho, ou seja, será usada como exemplo”, pontua Capello.
“Os benefícios diretos teríamos aqueles relacionados à agregação de valor em função do maior valor recebido pelo produto com consequente aumento da rentabilidade da atividade em si, e ao acesso a mercados com aumento da vantagem competitiva em relação aos produtores convencionais de café. Esse diferencial para o ano de 2010 tem variado de R$ 5,00 a R$ 10,00 por saca de café beneficiado”, justifica o proprietário.
Ele ainda completa que enquanto consumo de café tradicional cresce a taxas entre 1% e 2% ao ano, o mercado de cafés especiais dentre os quais os sustentáveis crescem a taxas de dois dígitos ficando entre 12% e 15%, aproximadamente. “Isso ainda é pouco porque a base absoluta é pequena, mas mostra a força desse mercado. Na verdade é tudo uma questão de educação do consumidor, e por estarmos na era da informação acho um caminho praticamente sem volta, cada vez a exigência por qualidade aumenta e a busca por experimentar sensações diferentes e pelo status de consumir produtos diferenciados”.
O café diferente
Para o gestor do Sebrae/PR, Odemir Capello, a premiação recebida pela Fazenda Califórnia mostra a importância de se investir na elevação da qualidade dos cafés produzidos na região do norte pioneiro. “Graças ao comprometimento e à mudança de postura dos cafeicultores, hoje o café produzido na região está se tornando referência nacional e internacional. A melhoria da comercialização do produto exige mudanças dentro e fora da porteira. Investimentos em qualidade, inovação, certificação da produção, gestão profissional das propriedades, associativismo e infraestrutura são estratégias que auxiliam nesse processo”, analisa. “Ser diferente não é inventar e sim aproveitar o que existe aqui com relação aos fatores climáticos, como chuva, temperatura média, entre outros fatores. Estamos criando uma nova forma de agregar valor ao nosso produto”, diz.
De acordo com o proprietário da Fazenda Califórnia, o norte do Paraná é uma região abençoada, possui solos férteis e planos, chuva em abundância e um clima favorável ao amadurecimento do café. “Está aí a receita perfeita para produção de cafés de qualidade. Estudos recentes do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) demonstram que o equilíbrio de atributos é uma característica marcante dos cafés especiais da Região, ou seja, um balanço perfeito entre corpo, doçura, acidez e sabor residual, com notas marcantes de aroma e sabor de chocolate, caramelo e floral”, esclarece Luiz Saldanha.
Projeto de Cafés Especiais do Paraná
Desde janeiro de 2006, existe o Projeto de Café Especiais do Paraná que tem como objetivo produzir e comercializar cafés especiais para o mercado interno e externo, tendo como público alvo produtores de cafés especiais da região. Atualmente, a área de atuação abrange 45 municípios tendo aproximadamente 7.500 produtores no território.
Segundo o gestor do Sebrae, a região apesar de pequena, produz 50% dos cafés do Paraná, em alguns municípios deste território é considerado o setor que mais emprega e o que apresentar o maior percentual do PIB. O projeto trabalha em várias frentes as mais importantes são: comercialização, inovação tecnológica, certificações, associativismo, capacitação, consultorias e caracterização da bebida e central de negócios. O projeto conta com vários parceiros que investem recurso como: Federação da Agricultura do Estado do Paraná, Instituto Agronômico do Paraná, Banco do Brasil, Sindicatos rurais, entre outras entidades.