Agricultura

Tropa de choque contra o greening

Em cinco anos, a doença que estava presente em 3,4% dos talhões, inicialmente, passou para 24% em 2009”, contabiliza o presidente do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), Lourival Carmo Mônaco. “Essa evolução mostra a dificuldade de eficiente manejo da doença, apesar da disponibilidade de legislação e conhecimento aceitos internacionalmente”, declara.

E foi justamente por essa ineficácia em relação ao serviço de inspeção nos pomares paulistas – o qual detém cerca de 80% da produção de citros do País – que o órgão decidiu por não mais prestar a vistoria. “O acompanhamento e análise dos dados de inspeção e a consequente erradicação mostravam uma defasagem entre a detecção dos sintomas e a eliminação das plantas, devidamente autorizada pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA). Os conhecimentos acumulados nacional e internacionalmente mostraram que para enfrentar o greening, nesta fase de expansão, seria necessário ampliar os mecanismos de controle”.

Nesse sentido o Fundecitrus passa a centrar-se mais em pesquisas para o controle da doença, assim como na expansão do atendimento a produtores, tanto em relação a diagnósticos quanto a solução de problemas específicos de interesse regional.

A responsabilidade das vistorias agora está nas mãos dos produtores – que devem estabelecer, no mínimo, inspeções trimestrais, e ainda ter de fazer a entrega de relatórios semestrais à CDA, ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo (SAA/SP). “É preciso ressaltar que o Fundecitrus manterá suas atividades de cooperação com a Secretaria e, para este fim, novo convênio está sendo preparado. É preciso trabalhar com metas amplamente divulgadas para os produtores, de modo a promover sua participação pela continua avaliação do retorno aos produtores”, declara Mônaco.

Controlando o incontrolável

O efeito destrutivo que a doença causa à planta e a rapidez que ela pode ser disseminada são pontos que preocupam produtores e pesquisadores. Duas bactérias são as grandes responsáveis pelos prejuízos, uma de origem asiática, Candidatus Liberibacter asiaticus, e a outra, mundialmente desconhecida, denominada de Candidatus Liberibacter americanus. Segundo dados do Fundecitrus, a de origem asiática está mais distribuída que a americana. O foco da doença teve início no município de Araraquara (SP), em 2004, se espalhando depois para as regiões produtoras do centro e sul do Estado. Atualmente há registros do greening – também conhecido por Huanglongbing (HLB) – nos Estados de Minas Gerais e Paraná.

Não há ainda tratamento fitossanitário para o controle da doença. Então, desde que foi constatada nos pomares paulistas, a saída encontrada para o manejo do greening se baseia em três etapas: a primeira, pela aquisição de mudas sadias de viveiros idôneos e devidamente certificados; a segunda, o controle do vetor – o psilídeo (Diaphorina citri), um inseto muito pequeno, medindo de dois a três milímetros (mm) de comprimento, de coloração cinza e com manchas escuras nas asas; e a terceira, com a eliminação da planta doente. Esta se faz por meio da inspeção minuciosa, planta por planta, para poder identificar os pés afetados.

Nos últimos três anos, mais de 8,8 milhões de pés de laranja tiveram de ser eliminados, de acordo com a CDA, com base nos relatórios semestrais entregues pelos produtores. Isso corresponde à cerca de 3,79% sobre o total de mais de 234,4 milhões de plantas declaradas, que compõe citricultura paulista.

Diante de todo esse cenário que o citricultor está inserido atualmente, não há remédio senão seguir os procedimentos destacados como forma de controle desse mal, ainda, incontrolável.

Muda protegida e sadia

Apesar da gravidade da situação da doença, o Brasil está na frente dos demais países produtores, como os Estados Unidos (EUA), que vem tomando prejuízos significativos por conta do greening. A salvação da ‘lavoura’ foi a partir da instituição de que todos os viveiros do País produzissem mudas em ambientes protegidos, com lonas plásticas e telas. “Passamos por uma fase de adaptação muito mais rápida do que a Flórida [maior Estado americano produtor de citros]”, declara Christiano César Dibbern Graf, engenheiro agrônomo e diretor da Citrograf, um dos viveiros mais bem sucedidos do Estado de São Paulo. “Desde 1987 convivemos com a doença Clorose Variegada dos Citros (CVC), que é transmitida por um inseto, e isso fez com que nós adaptássemos todo o nosso sistema de produção de mudas de campo aberto – assim feito até o ano 2000 – para o sistema protegido. E quando o greening chegou a São Paulo, todas as nossas mudas já estavam sendo produzidas em estufas. Tínhamos na mão, uma ferramenta muito importante para o combate ao greening”, avalia Graf.

Assegurar a sanidade das plantas nos viveiros garantiu ao Brasil um maior respeito perante aos demais produtores de citros do mundo. Em fevereiro, Graf representou o País num workshop em Cuba, o qual buscou discutir o melhor manejo para a produção de mudas. “Em termos de tecnologia, o Estado de São Paulo está na vanguarda em relação aos demais países. Já recebemos visitas de produtores dos EUA, Espanha, México, Marrocos, África do Sul, Itália, Cuba, entre outros mais da América do Sul. Todos vêm ao Brasil, principalmente ao Estado de São Paulo, para conhecer o sistema de produção de mudas. Hoje nós estamos exportando tecnologia para outros países citricultores”, afirma o viveirista.

Graf vem de uma família dedicada à citricultura, que fez da produção de mudas uma especialidade iniciada em 1968. De lá pra cá, o grupo priorizou o incremento de tecnologias para uma produção certificada e que resultasse em materiais produtivos e sadios.

Atualmente a Citrograf possui três unidades produtivas no Estado de São Paulo, uma em Conchal, com oito mil metros quadrados (m²), outra em Rio Claro, com 20 mil m², e a mais recente de todas, inaugurada em 2007, no município de Ipeúna, com 12 mil m². Juntas, elas chegam a produzir cerca de 1,2 milhão de mudas anualmente. No município de Mogi Guaçu, o grupo também mantém a produção de laranja tanto para o mercado de fruta fresca como para a indústria, que rende cerca de 100 mil caixas (40,8 quilos a caixa) por ano.

Manejo mais rígido

A legislação, aos moldes do que se exige no Estado de São Paulo, diz respeito de uma produção de mudas teladas. A medida provocou resultados imediatos no controle da CVC, além de diminuir a incidência de Phytophthora, causador da gomose, e de pragas do solo. O Estado de São Paulo destaca-se como o maior produtor de mudas do Brasil e um dos maiores do mundo, com 580 viveiros protegidos, que são responsáveis pela produção de mais de 21 milhões de mudas anualmente.

Além de seguir a normativa, Graf prioriza, por exemplo, o isolamento das unidades de produção de regiões e áreas citrícolas. Medidas de higiene e vestuário próprio tanto para funcionários como para visitantes são normas a serem seguidas. Até mesmo equipamentos que vão circular dentro da propriedade são higienizados – tudo isso para não trazer nenhum patógeno para dentro da área.

Outra preocupação é relacionada aos materiais genéticos que são produzidos nos viveiros. “Cada unidade nossa possui seu próprio borbulheiro e sua própria produção de porta-enxerto, para que não haja movimentação de material genético entre uma unidade e outra”, enfatiza Graf.

Inspeções sistemáticas

A partir de mudas e um controle mais sistemático no pomar, atualmente o impacto do greening significou a perda de apenas 0,2% das árvores da fazenda Santa Mariana, em Mogi Mirim (SP). De acordo com o engenheiro agrônomo responsável, Rodrigo Robles, a seriedade em fazer as fiscalizações e a erradicação das plantas doentes foram as ações que garantiram o baixo índice do ataque do greening na propriedade. “Além disso, é importante destacar que estamos numa região em que a incidência da doença não é tão grande, mas nem por isso devemos deixar de realizar as inspeções, porque essa é realmente a mais prejudicial para a citricultura”, enfatiza Robles. Ao todo são feitas seis vistorias anuais e ainda há a preocupação quanto ao controle químico das demais pragas e doenças. “Alternamos os grupos químicos para não dar resistência às pragas e ainda fazemos de forma controlada para não causar desequilíbrio, o que poderia matar os inimigos naturais das pragas”.

Em pomares novos – de até três anos – são feitas pulverizações a cada 25 dias ou quando há incidência do psilídeo nas quadras. Em pomares adultos, o ideal são dez aplicações anuais ou quando houver a necessidade.

O trabalho bem dedicado à sanidade da plantação já está relacionado com toda a experiência na área de citros da Agropecuária Santa Mariana, que além de produzir laranjas em Mogi Mirim, possui outras quatro unidades produtoras na microrregião compreendida por Mogi Mirim, Itapira e Socorro. “Estamos na produção de citros desde 1973, quando meu avô deu início à produção”, conta Rafael Burani Arouca, citricultor responsável pela gestão da fazenda Santa Mariana. “Hoje somos especializados na produção de citros, nessa propriedade em Mogi Mirim são 120 hectares ocupados com pomares”.

Desde que o greening pairou na citricultura paulista, o grupo vem desenvolvendo um trabalho pesado na inspeção e erradicação. Um trator com uma plataforma suspensa já se tornou um grande aliado nessa luta para conter a disseminação da doença nos pomares. Até armadilhas contra o psilídeo foram postas em alguns pés para também controlar o vetor. “Não podemos descuidar, a doença é devastadora e silenciosa, pois só podemos percebê-la quando há o sintoma na planta, e não podemos hesitar em retirar a planta, pois rapidamente o inseto pode passá-la para as demais”, analisa Arouca.

Tantos cuidados garantem uma produção satisfatória por caixa por hectare. Também se destacam o solo e o clima da região, que conduzem a prosperidade da citricultura de sequeiro da Fazenda Santa Mariana. Atualmente o pomar possui 50 mil plantas e está dividido entre as variedades Pêra IAC (30 mil pés), Hamlin (15 mil pés) e mais 5 mil de Valência.

Em termos de produtividade a campeã é a Hamlin, que produz em média 2.100 caixas por hectare (c/h), isso considerando a idade média de dez anos do pomar, num espaçamento de 7 m entre ruas e 4 m entre plantas. Em segundo lugar vem a Valência, com 1.200 c/h, que possui um pomar com uma média de seis anos, e um espaçamento de 7 m por 3,5 m. Já a Valência, que possui um pomar com uma média de oito anos, num espaçamento de 7 m por 4 m, dá uma média de 1.100 c/h.

Serviço de fiscalização continua

O crescimento do número de entrega dos relatórios à CDA indica que, cada vez mais, os produtores estão integrados à política estadual de informação quanto à evolução do greening no Estado de São Paulo. O primeiro semestre de 2008 foram 12.420 relatórios entregues – cerca de 69% do total que deveriam ser informados. Já na entrega do segundo semestre de 2009, essa porcentagem aumentou para quase 90% – ou seja mais de 19,8 mil relatórios. “Isso demonstra que o produtor está mais inserido no processo de controle do greening”, declara o diretor da Defesa Vegetal da CDA, Mário Sérgio Tomazela. “E acreditamos que esse número deva aumentar ainda mais, pois para a próxima entrega de relatórios já está disponível o sistema on-line”, destaca. No próprio sítio da CDA na Internet, o www.cda.sp.gov.br, a partir de um link que fica no canto direito da página, num banner intitulado ‘Programa de Controle de Greening’, o produtor preenche os dados do relatório e já imprime duas vias – uma para ser entregue em uma unidade da Defesa mais próxima e a outra para servir como protocolo de entrega.

Com base dos relatórios entregues, o governo sairá em primeira instância em busca daqueles que não informaram nada – para saber se ainda continuam com a produção de citros, e se continuam, quais foram os motivos de o produtor não ter feito a entrega. “Em último caso, fazemos o auto de infração, que é a multa de R$ 1.500 pela não entrega o relatório semestral”, explica Tomazela.

Com base nas informações dos produtores comparadas com os levantamentos do Fundecitrus, Tomazela vê que há conformidade nas informações repassadas, o que demonstra que, no geral, há confiabilidade no que vem se declarando sobre a infestação do greening nos pomares paulistas.

Quanto à saída do Fundecitrus, Tomazela vê dificuldades no trabalho de erradicação da doença. “Todo o processo era montado num esquema de inspeção, detecção da planta com sintomas, laudo laboratorial e eliminação. Logicamente quando você tira esse processo de inspeção, você tem uma dificuldade maior… Mas esse processo de inspeção passa a ser do produtor, e o Estado, na medida do possível, continuará auditorando esse processo”, conclui Tomazela.

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