Agricultura

Arroz: tirando lucro no vermelho

Considerado tradição, patrimônio alimentar e genético, o arroz vermelho cultivado nos sertões dos semiáridos ganha outros mercados. Por meio de pesquisa de melhoramento genético, ele chegará até na Europa.

Num prato com feijão-caupi (conhecido como feijão-de-corda) e queijo coalho, o arroz vermelho (Oryza sativa L.) se transforma no “arrubacão”, prato típico da culinária paraibana. Lá no Ceará, esses ingredientes – misturados à carne seca – se transformam no famoso “Baião-de-Dois”. Nesses Estados, o arroz vermelho é também consumido com ou sem doce, com ou sem canela, mas preferencialmente cozido no leite. Porém, além dos pratos, o grão também é utilizado como remédio caseiro. A crendice popular diz que na alimentação de parturientes (mulheres que estão prestes a darem à luz), ele propicia o aumento da produção de leite. Já na alimentação de crianças, na forma de caldo de arroz ou água de arroz, como é conhecido, serve para controlar desarranjos intestinais.

Apesar de ser uma cultura desconhecida por grande parte da população brasileira, o arroz vermelho é considerado um dos principais itens indispensáveis no prato dos sertanejos e é cultivado, principalmente, em áreas isoladas no Nordeste, Norte e Centro-Oeste do País, onde é batizado com os nomes de “arroz da terra”, “arroz de Veneza”, “arroz Maranhão”, entre outros. Confundido muitas vezes com o outro da mesma espécie, conhecido como “arroz instantâneo” ou “o invasor”, o arroz vermelho em questão foi deixado de lado pelos rizicultores por simples razões: a popularidade e a competitividade com a cultura do arroz branco. “A demanda era pequena para atender ao mercado, uma vez que ele é cultivado somente por agricultores familiares, em pequenas áreas. E fora do seu reduto havia pouca aceitação”, explica o pesquisador da Embrapa Meio-Norte, José Almeida Pereira.

Esses motivos fizeram com que o cereal, que era abundante por lá, já não fosse mais plantado como era antes, obrigando saudosos a importarem o produto de outras cidades se quisessem continuar a manter a tradição de saborear um prato feito a partir dele.

Ainda hoje, a cultura resiste graças aos pequenos agricultores do sertão do semiárido, que o cultiva sem uso de qualquer tecnologia, utilizando sistemas de produção bastante rudimentares. “Existente há mais de 400 anos, o consideramos patrimônio histórico. O arroz mais antigo do mundo é o vermelho. Essa cultura foi passada de geração a geração até a chegada do arroz branco. Porém, em todas as regiões do semiárido, o arroz vermelho se tornou símbolo cultural e sua produção está relacionada com o hábito alimentar das populações locais, apesar de escassa”, esclarece o pesquisador.

Por essas características, o grão hoje é resgatado por meio de pesquisa para alguns fins, entre eles, estão: ajudar no melhoramento genético para a criação de novas variedades de arroz vermelho, porém, mais produtivas, com menos defeitos e maior resistência a pragas e doenças, proporcionando maior disponibilidade no mercado e, consequentemente, para não ser esquecido. Segundo o pesquisador da Embrapa, com sede no Estado do Piauí, a preservação e o aproveitamento da variabilidade genética desse arroz mereceram prioridades imediatas, levando-se em conta que o abandono desse material poderia representar a ameaça iminente de desaparecimento. “O nosso objetivo é resgatá-lo. Hoje, sua produção é um terço do que foi há 50 anos. Por isso, entramos no trabalho de pesquisa na tentativa de evitar a extinção”, diz Pereira.

Para isso, foram selecionadas 15 variedades, que ainda estão em estudos, gerando informações para o lançamento comercial de pelo menos uma ou duas novas variedades, já para os próximos anos. “O nosso objetivo é desenvolver uma variedade resistente e produtiva, dentro de suas características, e que atenda aos agricultores familiares dentro de um processo todo manual”, conclui.

E foi lá no sertão do Estado da Paraíba, onde que se concentra a maior produção de arroz vermelho do Brasil, que começou o experimento. No município de Sousa, a 430 quilômetros de João Pessoa, está instalada a Fazenda Mocó Agropecuária, que serviu de campo de testes da Embrapa Meio-Norte, para a produção do primeiro arroz vermelho certificado do mundo (o primeiro também a entrar para o concorrido mercado europeu, como um produto exótico). “Nós temos o único arroz vermelho com certificação biodinâmico do Brasil, ou seja, com práticas semelhantes ou acima do cultivo orgânico. Isso é de muita importância para o mercado externo, já que o biodinâmico ainda não é muito conhecido por aqui. Em 2009, foram colhidos 10 hectares e produzimos 60 toneladas”, diz Paulo Rogério Rodrigues, engenheiro agrônomo e responsável pela Fazenda Mocó Agropecuária.

De acordo com o pesquisador, os primeiros trabalhos de melhoramento genético ainda estão em fase experimental. Do ponto de vista técnico, as cultivares ainda apresentam alguns defeitos, tais como: baixa produtividade em comparação ao arroz branco e baixo percentual de grãos inteiros. Outra questão ainda é melhorar o acamamento e a fisiologia do arroz. Tem algumas variedades que tem a tendência cair, ou seja, acamar gerando perdas de grãos. O que para o mercado não é nada vantajoso”, aponta o pesquisador.

Para 2010, na Fazenda Mocó – pioneira na produção de leite e queijos certificados no País – deverão ser plantados 50 hectares das duas cultivares escolhidas, a MNAPB 0405 e a MNACH 0501, que podem render 300 toneladas de arroz. Na fazenda, o sistema utilizado inclui irrigação, com uma produtividade média superior a quatro toneladas por hectares. O sistema de cultivo utilizado na fazenda é pioneiro na região e utiliza práticas de cultivo orgânico, com o reaproveitamento de todo os restos culturais da propriedade. “A água é rebombeada, a palha do arroz é fonte de carbono para o composto que adubará o próximo plantio, juntamente com o esterco dos ovinos, produzidos na propriedade”, explica o engenheiro.

O arroz do sertão

Atualmente são ao todo, cinco mil hectares, distribuídos entre Itaporanga e o Vale do Piancó (este último, o principal reduto dos produtores de arroz vermelho) a 500 quilômetros da capital João Pessoa. Lá, as lavouras ocupam as várzeas dos rios que são mais úmidas e férteis. Um contraste com a região semiárida. “O arroz vermelho irrigado tem as mesmas exigências hídricas, tanto quanto o arroz branco. Porém, só se consegue a produção em áreas pequenas que adotaram irrigação”, explica o pesquisador. Segundo ele, mesmo sendo uma planta semiaquática, que necessita de um considerável volume de água, o arroz vermelho se adaptou e se propagou no sertão nordestino, a região mais seca do Brasil, onde a pluviosidade média não costuma ser além dos 800 milímetros”, explica o pesquisador.

O plantio é feito durante a estação chuvosa, nos baixos alagados. A mão de obra familiar é a mais usada pelos produtores no cultivo o que contribui para baixar os custos. Além disso, o “arroz do sertão” tem a fama de ser considerado orgânico. Segundo o pesquisador essa característica foi atribuída, uma vez que a cultura não recebe nenhum produto químico. “É cultivado por pequenos agricultores que desconhecem as práticas modernas, o que leva a ser orgânico. Diferente do projeto da Fazenda Mocó que desenvolve um produto biodinâmico com práticas modernas de produção”, comenta.

Em questão de valores nutricionais, o arroz vermelho tem muito a acrescentar. “Além dos níveis altos de fibras, ele também é rico em minerais, como ferro e zinco, em comparação ao arroz branco comum”, diz.

Atualmente, o Estado do Paraíba é o maior produtor de arroz vermelho, seguido de perto pelo Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Bahia e Minas Gerais. A variedade que há quatro anos está em pesquisa, tende a emplacar no mercado e cair nas graças de outros consumidores. De acordo com o responsável da fazenda, a primeira coisa que chama a atenção é que o arroz vermelho não fica soltinho, como o branco, mas é muito saboroso. “Esse é um motivo que nós acreditamos que ele, após o melhoramento genético, ganhe mercado nacional. O sabor se assemelha ao arroz integral ou semi-integral. Seus grãos são parecidos com o arroz branco, apesar de serem variedades diferentes. Antes do beneficiamento nem dá para distinguir um do outro. A cor vermelha surge com a retirada da casca, uma película que envolve o grão”, descreve o pesquisador.

O arroz vermelho tem como foco principal os grandes centros e os mercados regionais. “Os sertanejos estão familiarizados, agora chegou à vez de ganhar outros mercados. Os nichos também são os restaurantes de luxo”, diz. “Hoje, a Fazenda pioneira nessa cultura já está comercializando e levando para o mercado europeu, o arroz vermelho, considerado exótico”, acrescenta o engenheiro.

Um pouco de história

O arroz é uma planta asiática e começou a ser cultivado pelos chineses no ano 2800, antes de Cristo. Ainda hoje é um dos

alimentos mais importantes na dieta deles. Com mais de um bilhão de habitantes, a China é o maior produtor e também o maior consumidor de arroz do mundo, mas o arroz primitivo não era branco, ele tinha os grãos vermelhos. O arroz branco surgiu de uma mutação genética ocorrida nas plantas de arroz vermelho e acabou prevalecendo. Historicamente, no Brasil, o arroz vermelho foi introduzido pelos portugueses logo no início da colonização, mas na segunda metade do século 18 seu plantio foi proibido pela coroa portuguesa que introduziu o arroz branco no seu lugar.

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