Agricultura

Soja: na corrida da transgênia

Quando em outubro de 1998 saiu à licença comercial da primeira soja modificada do Brasil, resultado da pesquisa da Monsanto (empresa multinacional de biotecnologia) e da Embrapa começou o debate sobre os transgênicos no país.

Naquela época, o mercado apostava que a manipulação genética de espécies vegetais iria promover o uso mais eficiente do solo e definir novas alternativas, tanto para grandes quanto para pequenos produtores. E o resultado mais relevante era que as sojas transgênicas aumentariam a produtividade agrícola (com uma redução de custos entre 20% e 30%). Segundo o Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA) – uma organização sem fins lucrativos com uma rede internacional de centros de pesquisa voltada para difundir conhecimento e aplicações de plantações geneticamente modificadas (GMs) – as avaliações de impacto mundial das culturas GM indicaram que, no período de 1996 a 2008, os ganhos econômicos de US$ 51,9 bilhões foram gerados em razão dos custos reduzidos de produção (50%), e dos ganhos de rendimento (50%) de 167 milhões de toneladas. O que para alguns já representava sinal de lucro. “Na prática, ninguém paga mais pelo não-transgênico. Então, por que não optar pela soja modificada? Eu mesmo não voltaria a plantar a soja convencional”, justifica o produtor da região de Dourados (MS), Darci Lago Decian.

O produtor começou a investir no transgênico pela comodidade, uma vez que ele pode escolher quando realizar os tratos culturais. “Hoje, pode-se aplicar o herbicida uma única vez diretamente na plantação e apenas as ervas daninhas, que competem com a cultura da soja, morrem. Nas lavouras convencionais, o glifosato é aplicado no solo, antes do cultivo e em várias etapas. Além disso, outra grande vantagem, ao contrário do que se diz, a soja transgênica é até mais ‘orgânica’ que a convencional, pois usam pesticidas menos tóxicos. Basta aplicar o glifosato, que é um veneno com baixo impacto ambiental, e nada mais. O plantio tradicional exige o uso de outros dois tipos de herbicidas, que são mais perigosos e impõem riscos à saúde de quem os aplica”, explica o produtor que há cinco anos adotou os transgênicos, em 100% da sua lavoura.

Apesar de ressaltar as qualidades dos transgênicos, o produtor pondera em um ponto fundamental nessa cultura, principalmente quanto o assunto é a produtividade. “O único obstáculo que encontramos na transgenia é que ainda há variedades que com os anos se tornam menos produtivas. Nós, aqui conseguimos na região adotar uma variedade, que aparentemente mantém a média de produtividade boa nesses últimos anos. Acredito que o resultado disso, é que não houve incentivos às pesquisas de variedades adaptadas às diversas regiões do País e o produtor teve de fazer suas próprias experimentações”, diz.

Para solucionar essa questão, quase doze anos depois da licença, outras variedades entraram no mercado, por ganharem em laboratório uma carga genética que a torna resistente a um herbicida largamente usado na lavoura, o glifosato. No caso específico da Monsanto, as sementes da soja Roundup Ready (RR), patenteada pela empresa e que ganhou esse nome em alusão ao glifosato fabricado por ela, ganharam mercado. Com isto, a empresa continua investindo em novas tecnologias.

Pesquisas estão sendo realizadas para o desenvolvimento de uma soja que combine a tecnologia Bt – resultante de um melhoramento por transgenia (incorporando genes da bactéria Bacillus thuringiensis) que confere à planta uma proteção natural a larvas de certos insetos, tornando praticamente desnecessário o controle destes por meio de pesticidas normalmente neurotóxicos – e a nova geração da tecnologia RR. “O objetivo é proteger a planta contra o ataque de pragas como a lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis), a principal praga desfolhadora desta cultura na América do Sul, além de proporcionar à soja tolerância a herbicidas à base de glifosato”, explica Claudiomir Abatti, líder de pesquisa de Soja da Monsanto no Brasil.

A expectativa desta nova tecnologia é reduzir pelo menos duas aplicações de inseticidas para o controle da lagarta. Hoje, são necessárias, em média, conforme a infestação, até seis aplicações de agrotóxicos para esse controle. “Atualmente a empresa também tem, no Brasil, pesquisas com melhoramento genético convencional para o desenvolvimento de cultivares de soja resistentes a doenças, como a ferrugem. Nos Estados Unidos já existem algumas pesquisas com biotecnologia. Esse campo tem se expandido, porém, são necessários alguns anos para a seleção dos melhores eventos e o desenvolvimento das cultivares”, diz Abatti.

Novidades no mercado

E como há uma corrida neste mercado, outras empresas avançaram nas pesquisas. Um dos exemplos é dos experimentos que resultou na soja transgênica anunciada no mês de fevereiro, pela BASF (líder mundial no fornecimento de soluções agrícolas) e pela Embrapa Soja (PR). A aprovação é fruto de mais de 10 anos da cooperação bem-sucedida entre a empresa alemã e o instituto de pesquisa brasileiro. A primeira semente geneticamente modificada com tecnologia brasileira tem raiz no Estado em que mais surgem restrições à produção de grãos transgênicos.

A soja transgênica, que recebeu o nome comercial de Cultivance, está tecnicamente pronta para cultivo. Além dos experimentos realizados no Estado do Paraná, as sementes foram testadas em áreas de Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Piauí e Rondônia. Para a comercialização da semente geneticamente modificada em parceria com a Embrapa, a empresa lançou no mercado produtos com a mesma função do glifosato, ou seja, o controle de ervas daninhas em lavouras já desenvolvidas. “A novidade trará ao produtor vários benefícios, entre eles, mais uma alternativa para escolher, quando comprar uma tecnologia transgênica”, diz vice-presidente de Proteção de Cultivos da BASF, Walter Dissinger.

Para chegar a nova cultivar, a empresa forneceu o gene ahas (proteína ahas), aplicado por pesquisadores brasileiros à soja Conquista, uma das variedades da Embrapa mais cultivadas no Centro-Oeste. A Embrapa tornou a nova soja produtiva. A semente é resistente a herbicidas da classe das imidazolinonas, que matam ervas daninhas de folhas largas e estreitas, aquelas consideradas de difícil controle.

Os testes seguiram em quatro frentes, afirma o diretor de Biotecnologia da empresa, Luiz Carlos Louzano. Numa delas os pesquisadores investigaram se a proteína produzida pelo gene ahas poderia ser consumida com segurança. Em outra, avaliava a equivalência nutricional entre a soja transgênica e a Conquista. O terceiro ponto abrangia a caracterização agronômica (germinação, vigor, crescimento, relação com insetos e fungos).

Antes da liberação comercial foi necessária ainda a caracterização molecular, que retratava a identidade genética do grão. A nova soja foi aprovada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em dezembro do ano passado. A comissão considerou que soja tolerante a herbicidas atende às normas e a lei de biossegurança para o meio ambiente, a agricultura, bem como a saúde humana e animal. “Graças a essa parceria público-privada de sucessos, os produtores se beneficiarão do melhor controle de plantas daninhas com menos insumos, resultando em maior produtividade agrícola”, conclui Louzano.

As empresas agora estão buscando a aprovação desta tecnologia em diversos países compradores da soja brasileira, tais como China e Estados Unidos. Por aqui, o lançamento do Sistema de Produção Cultivance será feito a partir da safra 2011/2012.

O que vem por aí

A Embrapa e o Japan International Research Center for Agricultural Sciences (Jircas), empresa de pesquisa vinculada ao governo japonês, aprovaram no ano passado um projeto de pesquisa que irá impulsionar as pesquisas com soja transgênica tolerante à seca, realizadas no Brasil. “As primeiras sementes já estão sendo levadas a campo para realizar os primeiros testes. Esperamos que a novidade chegue no mercado entre cinco a dez anos”, diz o chefe de pesquisa da Embrapa Soja, José Renato Bouças Farias.

O projeto é um dos 21 selecionados pela Agência de Ciência e Tecnologia do Japão, que aprovou 10 projetos da Ásia, seis da África e cinco da América Latina. O gerenciamento dos recursos do projeto a ser conduzido pela parceria Embrapa/Jircas será feito pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), nos próximos cinco anos. Pesquisadores e técnicos de várias equipes de pesquisa (Ecofisiologia, Biotecnologia, Estatística e Melhoramento) serão coordenados, no Brasil, pelo pesquisador Alexandre Lima Nepomuceno, da Embrapa Soja, e no Japão, pela pesquisadora Kazuko Yamaguchi-Shinozaki, do Jircas.

A pesquisa teve início, em 2003, quando foi assinado um acordo de transferência do gene DREB (Dehydration Responsive Element Binding Protein, ou Proteína de Resposta à Desidratação Celular) para a Embrapa, cuja patente pertence ao Jircas. Para testes de comprovação da tecnologia, o gene foi introduzido em uma cultivar de soja brasileira que é sensível à seca. “As perdas devido a déficit hídrico são bastante significativas. Na safra 2004/2005, a perda média no Rio Grande do Sul representou mais 70%. Foram colhidos 550 quilos por hectare, ante a dois mil quilos por hectare de safras anteriores. Se somarmos as 10 safras do Brasil na Região Sul constatamos perdas em média de 10 a 20%. Neste caso, o produtor não tem alternativa, ele perde todo o seu investimento. Um fator adverso quando se fala sobre praga e doenças, onde em alguns casos pode ser reverter a situação”, explica Farias.

Para o diretor presidente da Embrapa, Pedro Arraes, os estudos no campo das principais doenças estão avançando. “Existem várias pesquisas que estão sendo realizadas. O grande desafio é que a composição gênica das doenças é muito mais complexa, porém, as parcerias de empresas e a Embrapa estão desenvolvendo novas tecnologias para isso.

Brasil dos transgênicos

O Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações Biotecnológicas Agrícolas (ISAAA), divulgou no mês de fevereiro, um documento sobre a situação mundial de comercialização de grãos geneticamente modificados (GMs). Segundo os dados publicados pelo Conselho de Informação sobre Biotecnologia (CIB), pela primeira vez, em 2009, o País ultrapassa a Argentina e fica atrás apenas dos Estados Unidos no ranking mundial de cultivos GM, em um universo de 25 países produtores.

O Brasil plantou 21,4 milhões de hectares com culturas GM em 2009, um crescimento de 35,4% em relação a 2008 (equivalente a 5,6 milhões de hectares). Trata-se do maior índice de crescimento entre os 25 países produtores de transgênicos, especialmente em razão da rápida adoção do milho GM. Os dados revelam que com isso, o Brasil plantou 16% dos 134 milhões de hectares de transgênicos cultivados em 2009 no mundo. Dos 21,4 milhões de hectares de culturas GM cultivadas no Brasil em 2009, 16,2 milhões de hectares foram plantados com soja tolerante a herbicida, ultrapassando os 14,2 milhões de hectares em 2008. O índice de adoção bateu um recorde de 70,9%, maior que os 65% registrados em 2008, com benefício para 150 mil agricultores.

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